‘Escolasticídio’: historiadores dos EUA condenam destruição do sistema educacional de Gaza
Associação ressaltou ainda que ataques israelenses 'extinguiram o futuro dos estudos dos palestinos'
A Associação Histórica Americana (AHA), o maior grupo de historiadores profissionais dos Estados Unidos, aprovou uma resolução condenando a destruição da infraestrutura escolar em Gaza após ações militares de Israel no enclave.
O documento do grupo avalia que a destruição de bibliotecas, arquivos e da maior parte da estrutura educacional da região equivale ao que chamaram de “scholasticide” (escolasticídio).
A resolução destaca que Israel “destruiu o sistema educativo de Gaza” ao demolir 80% de suas escolas, a totalidade de suas universidades, além da maior parte dos museus, arquivos, bibliotecas e centros culturais. A Associação de Historiadores ressaltou ainda que os ataques israelenses“extinguiram o futuro dos estudos dos palestinos”.
No entanto, a resolução aprovada não exige um boicote às instituições acadêmicas israelenses ou seus membros, mas sim um cessar-fogo imediato e permanente.
Além disso, apela para que os integrantes da AHA constituam um comitê para “ajudar na reconstrução da infraestrutura educativa de Gaza”.
Polarização
A polarização das discussões sobre o tema evidenciou diferenças políticas e geracionais na associação. David Waldstreicher, historiador e professor da Universidade de Nova York, disse que a votação reflete mudanças profundas na associação.
Isso por que, o documento foi aprovado em uma reunião mensal do grupo que reuniu quatro dos 10 mil historiadores e estudantes de história em Manhattan. E a resolução foi uma proposta dos Historiadores pela Paz e Democracia, que levaram meses preparando a votação, já que a AHA estava relutante em aprovar críticas ao tratamento que Israel dá aos palestinos.
Com isso, dessa vez, a condenação foi aprovada por 428 votos contra 88, à despeito da oposição de alguns membros seniores.
Na segunda-feira (06/01), ela foi entregue ao conselho da AHA que poderá vetá-la, endossá-la ou decidir enviá-la, num prazo de 90 dias, a todos os membros da entidade para que estes decidam ratificá-la ou não.
‘Essa guerra não é como as outras’
“A opinião está mudando porque esta guerra não é como as outras guerras e isso é obvio para os estudantes de história”, disse o historiador Waldstreicher.
Outros disseram que a resolução aumentaria os ataques ao ensino superior, que já deve ser alvo do novo governo Trump. “Isso reforça a ideia de que estamos de acordo com uma visão bastante esquerdista da guerra Israel-Hamas”, disse Natalia Pertrzela, que falou contra a resolução.
Nos últimos anos, a associação teve um papel de liderança na luta contra as leis estaduais que visam restringir o ensino sobre raça, gênero e sexualidades. Mas alguns membros do grupo acreditam que a entidade não deveria intervir em política.
Bárbara Weinstein, professora da Universidade de Nova York e ex-presidente da AHA, pensa diferente. Ela defendeu a resolução, destacando que condenar a destruição de arquivos e instituições educacionais é preocupação legítima de historiadores.
Weinstein também lembrou que a AHA já havia condenado outras ações militares, como a guerra do Iraque e a invasão da Ucrânia.
‘É contra o apagamento da memória de Gaza’
“Este é um protesto sobre o apagamento da memória de Gaza. Para os historiadores, o apagamento da memória das pessoas é o apagamento do povo”, disse Weinstein.
O episódio é mais um das acirradas batalhas que a guerra de Israel contra o povo palestino vem provocando no ambiente cultural dos Estados Unidos. A
Em dezembro passado, a Associação de Línguas Modernas, que representa cerca de 25 mil estudiosos literários do país, decidiu que não poderia colocar em votação uma resolução que defendia o boicote a Israel.
O Conselho Executivo argumentou que isso prejudicaria os contratos da associação com universidades públicas, uma vez que essas estão proibidas de fazer parcerias com grupos ou empresas que boicotam o Estado israelense.
Nesse sentido, o Conselho apenas declarou-se “consternado” com os ataques contra Gaza e sugeriu que se buscasse outra “resposta à destruição do enclave por Israel”. É esperado uma nova discussão para que a diretoria abra uma nova discussão sobre o assunto.