Escritor reage à censura, agora no Paraná: ‘Atos violentos que remontam o regime militar’
Secretaria da Educação mandou recolher para “análise” os exemplares do livro premiado “O Avesso da Pele”, de Jeferson Tenório, que retrata o racismo no Brasil
Por Tiago Pereira, da RBA
São Paulo – Em ato de censura velada, a Secretaria da Educação do Paraná começou a recolher das escolas os exemplares do livro O Avesso da Pele, do escritor Jeferson Tenório, a partir desta quinta-feira (7). O órgão alega que a obra vai passar por “análise pedagógica”. Vencedor do prêmio Jabuti de melhor romance em 2021, o livro denuncia o racismo estrutural no Brasil. E faz parte do acervo do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNDL), do Ministério da Educação (MEC).
Em nota, as autoridades paranaenses dizem que a obra é importante no contexto nacional. No entanto, “determinados trechos, algumas expressões, jargões e descrição de cenas de sexo utilizados podem ser considerados inadequados para exposição a menores de dezoito anos”. Anteriormente, um ofício do Núcleo Regional da Educação de Curitiba, da Secretaria da Educação do Paraná, determinou a entrega de todos os exemplares até amanhã.
Pelas redes sociais, Tenório reagiu a “mais uma violência” contra sua obra. Para ele, a ordem de recolhimento, com ares de censura, é inconstitucional. “É um ato que fere um dos pilares da democracia que é o direito à cultura e à educação. Não se pode decidir o que os alunos devem ou não ler com uma canetada. “São atos violentos e que remontam dias sombrios do regime militar. Inaceitável uma atitude antidemocrática como essa em pleno 2024. Não vamos aceitar qualquer tipo de censura.”
Do mesmo modo, os professores do estado também se pronunciaram. “Esse episódio entra para história como um dia triste e reforça a necessidade de denunciar e combater a contaminação da educação pública paranaense por ideologias extremistas, conhecidas pela negação dos direitos humanos e por atentar contra a democracia, a cultura, a diversidade e a pluralidade de ideias”, afirma o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato), em nota.
Polêmica infundada
A onda de censura contra O Avesso da Pele começou na última sexta (1º). Janaina Venzon, diretora da Escola Estadual de Ensino Médio Ernesto Alves de Oliveira, em Santa Cruz do Sul (RS), usou as redes sociais para atacar o livro. Em vídeo, ela classificou como “lamentável” o fato de o MEC adquirir e enviar o romance para as escolas. Mas a liberação da obra se deu ainda durante o governo anterior.
Isso porque, segundo ela, utilizaria vocabulário de “baixo nível”, inadequado para estudantes do ensino médio. “Governo federal, por favor, deixe as escolas cuidar dos seus estudantes, onde os valores, o respeito, a conduta, os bons costumes e a ética prevaleça. E vindo ainda de um governo federal, é muito nojento. Que país é esse?”, questionou.
Como resultado, a 6ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), ligada à Secretaria da Educação gaúcha (Seduc), chegou a orientar a retirada dos exemplares da biblioteca da escola até que o Ministério da Educação se manifestasse. O MEC destacou que que a adesão das escolas ao PNLD é voluntária. Além disso, são as próprias unidades de ensino que escolhem as obras, de forma “democrática”.
Por outro lado, a crítica moralista da diretora aparentava ter como objetivo fustigar a atual administração federal. E ganhou endosso em circulos bolsonaristas nas redes sociais. No entanto, o MEC ressaltou que a inclusão da obra de Tenório ao PNLD se deu ainda durante o governo Bolsonaro, após passar pelo crivo de uma banca de especialistas.
Diante da polêmica infundada, a Seduc derrubou a censura, determinando que as escolas de Santa Cruz do Sul mantenham e utilizem os exemplares. Contudo, as autoridades paranaenses, sob comando do governador Ratinho Júnior (Republicanos), preferiu o caminho da censura, na medida em que estão mais alinhados ao bolsonarismo.
Vendas explodem
Por outro lado, a onda de censura acabou tendo resultado contrário ao pretendido. Isso porque as vendas de O Avesso da Pele aumentaram em 400% na Amazon, desde o início dos ataques. É o que aponta levantamento divulgado pelo jornal Folha de S.Paulo.