Estados e municípios se desobrigam de investir royalties em educação

Os royalties que estados e municípios receberão da futura exploração e produção de petróleo na camada do pré-sal, onde concentra-se uma reserva marítima de mais de 15 bilhões de barris de óleo, não precisarão ser investidos em educação. Isso é o que revela a análise detalhada da Medida Provisória 592 e dos vetos da presidente Dilma Rousseff às propostas de mudança da legislação do petróleo. Pelas regras propostas, na exploração da camada do pré-sal, apenas a receita que cabe à União, bem inferior à destinada a prefeituras e governos estaduais, está comprometida com a educação e, ainda sim, não em sua totalidade.

Há uma semana, a presidente convocou os ministros da Educação, Minas e Energia, Casa Civil e Relações Institucionais para divulgar decisão de, na visão do Governo, dar prioridade ao ensino no novo formato de distribuição da riqueza do petróleo. “Só a educação vai fazer do Brasil uma nação desenvolvida, é o alicerce do desenvolvimento e se o pré-sal e o petróleo são o passaporte para o futuro, não há futuro melhor do que investir na educação dos nossos filhos e netos”, disse, na ocasião, o titular do MEC, Aloizio Mercadante.

De acordo com o artigo 50-B da medida provisória, estados e municípios terão que destinar à educação, obrigatoriamente, 100% dos royalties dos contratos de concessões firmados a partir de 3 de dezembro deste ano, data de publicação da MP. Ocorre que o regime de concessão previsto nesse item da lei não contempla o pré-sal, mas campos de exploração cujas reservas são menores e localizadas fora dessa área de exploração.

O engenheiro Rafael Schechtman, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBI) e ex-superintendente da Agência Nacional do Petróleo (ANP), explica que apenas os futuros contratos do regime de partilha contemplam a exploração no pré-sal. “Prefeituras e governos não precisarão gastar com educação os royalties de onde virá o grosso do óleo, que é o pré-sal.” Schechtman espera que as próximas rodadas de licitação dos blocos de concessão “rendam bom dinheiro”.

No caso das futuras receitas do óleo negro localizado a cerca de 7 mil metros de profundidade (o pré-sal), numa fatia do litoral que vai de Santa Catarina ao Espírito Santo, apenas a União participará com aportes em educação, apesar de Estados e municípios receberem 78% dos futuros royalties dessa área e o governo federal ter direito aos 22% restantes. A aplicação dos royalties que a União receberá provenientes do pré-sal será feita a partir da constituição de um instrumento financeiro batizado de Fundo Social, que ainda não foi criado e terá seus investimentos centralizados em aplicações no exterior quando a extração no pré-sal aumentar – atualmente são 200 mil barris de petróleo produzidos por dia.

Dos 22% do total dos royalties federais do pré-sal que irão para o Fundo Social, acrescidos de uma parcela do lucro (óleo excedente) e do bônus de assinatura do contrato de partilha, a MP determina que 50% dos rendimentos do fundo sejam direcionados “obrigatoriamente a programas e projetos para o desenvolvimento da educação”. A outra metade financiará outras áreas, como saúde, cultura, esporte, ambiente, ciência e tecnologia e mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

“É difícil estimar quanto do pré-sal irá para educação e quando. Vai depender do ritmo de produção das empresas e do ganho das aplicações desse fundo – que não deve ser muito alto, pois as aplicações serão no exterior e as taxas de rentabilidade andam muito baixas. Poderia ser muito mais dinheiro se Estados e municípios contribuíssem com uma parte, o que é justo pois eles terão a maior parcela dos royalties do pré-sal”, avalia o economista Rodrigo Ávila, consultor legislativo e integrante da associação Auditoria Cidadã da Dívida. Para ele, o governo “inflou” a conta da educação na divisão da futura riqueza do petróleo na divulgação da semana passada.

Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, disse que esperava mais do setor petrolífero para garantir o aumento dos gastos públicos do país com ensino, uma das principais metas do projeto de lei do Plano Nacional de Educação (PNE), que prevê a elevação desses investimentos de 5% para 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em dez anos. “Se em 2016 o Fundo Social do pré-sal contabilizar R$ 10 bilhões e seus rendimentos gerarem R$ 1 bilhão adicional, a educação receberia R$ 500 milhões naquele ano, valor inferior ao gasto com o dia da prova do Enem”, calcula Cara.

Por meio de sua assessoria de imprensa, o Ministério da Fazenda, que participou da redação da MP 592, justificou o assunto sinteticamente: “A partilha não é exclusiva ao pré-sal e nem a concessão é exclusiva ao pós-sal”. Especialistas da União e de governos estaduais e do mercado ouvidos pela reportagem discordaram desse entendimento.

Um dirigente especializado em pré-sal do Ministério de Minas e Energia, que pediu para seu nome não ser divulgado, reconheceu a ausência dos Estados e municípios na composição do patrimônio do Fundo Social. Segundo a fonte, trata-se de uma decisão consciente do governo. “Os entes federativos precisam ter flexibilidade para investir o dinheiro do petróleo em outras áreas, como infraestrutura e saúde. Dentro do governo, consideramos que os 100% das receitas dos royalties das futuras concessões representam um volume bastante significativo”, disse.

A assessoria de imprensa do MEC informou que a não participação de Estados e municípios na composição do patrimônio do Fundo Social do Pré-Sal foi uma fórmula encontrada pelo governo para evitar eventual judicialização. Segundo Cláudio Madureira, procurador estadual do Espírito Santo, governos e prefeituras têm direito de discordar das regras estabelecidas pelos vetos e pela MP.

“Os estados estão acompanhando atentamente a apreciação dos vetos e a aprovação da medida provisória. A obrigatoriedade do uso dos royalties na educação pode ser interpretada como interferência na autonomia federativa, além de trazer o risco de engessar o orçamento. Priorizar a educação é uma boa iniciativa, mas a exploração de petróleo impacta várias outras áreas, que também precisam ser endereçadas com do petróleo”, diz Madureira, que também é autor do livro “Royalties de Petróleo e Federação”, da Editora Fórum.

As regras atuais de exploração de petróleo no país estabelecem dois modelos: concessão (1997), para áreas menos produtivas em terra e mar, e partilha (2010), para o pré-sal, onde as reservas são mais abundantes em óleo e gás natural. A recente discussão pretendeu mudar as normas de distribuição da riqueza da produção petrolífera, ampliando a participação de Estados e municípios não produtores na divisão do bolo.

De acordo com a MP 592, as receitas oriunda das novas concessões ficaram 100% vinculada à educação. Os royalties originados no pré-sal ficaram “livres”, sem vinculação obrigatória no caso de Estados e municípios, embora não possam ser gastos para pagar pessoal ou dívidas, conforme lei de 1989. Como obras em infraestrutura estão liberadas, não está proibido, por exemplo, o uso da verba para colocar porcelanato em calçadas da orla, como fez a Prefeitura de Rio das Ostras (RJ).

Com informações do Valor Econômico

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo