Estudo do MEC aponta IES com 500 estudantes por turma

Contee denuncia há anos prática de ensalamento das IES, em fragrante prejuízo ao ensino ministrado e às condições de trabalho docente

A Folha de S. Paulo noticiou ontem (22) que avaliação preliminar do Ministério da Educação encontrou indícios de desproporcionalidade na quantidade de alunos por professor em cursos de ensino a distância de faculdades particulares. “Para avaliar se há risco à qualidade do ensino, a pasta decidiu apurar 11 instituições”, diz a notícia.

O levantamento feito pela Secretaria de Regulação e Supervisão do Ensino Superior (Seres), segundo a Folha, identificou que “essas 11 faculdades apresentam uma proporção de 500 alunos por docente em cursos a distância —média muito superior ao do restante da rede privada nessa modalidade, que é de 171 alunos por docente”.

A estarrecedora notícia pode ter pegado boa parte da sociedade de surpresa, mas não a Contee. Pelo contrário. Há anos a Confederação vem denunciando o avanço desregulado da educação a distância (EaD) no ensino superior e o processo de ensalamento, que concentra centenas de estudantes, espalhados por todo o Brasil, numa mesma sala remota.

No dia 21 de agosto do ano passado, inclusive, a Contee enviou ofício ao presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Lélio Bentes Correa, com pedido de revisão de jurisprudência sobre relações de trabalho docente. Uma das questões diz respeito à OJ (Orientação Jurisprudencial) 244, que que autoriza a redução unilateral de carga horária e remuneração, mantendo-se, como garantia única, a irredutibilidade do valor do salário-aula.

Entre os argumentos, a Confederação apontou justamente que, “nos últimos anos, as instituições de ensino superior, em grande proporção, passaram a adotar a nefasta prática de junção de turmas, o chamado ensalamento, em flagrante prejuízo da qualidade do ensino ministrado e dos professores/as, porquanto isso se constitui em pretexto para a redução da carga horária semanal a eles atribuídas, e, por conseguinte, de seus salários, sem que haja diminuição da quantidade de trabalho que lhes é exigido e do número de alunos/as que atendem”.

Outra revelação feita pela notícia — a lista das instituições envolvidas — tampouco é nova para a Contee. Mais uma vez, pelo contrário: a prática dessas empresas é alvo de enfrentamento e luta da entidade há mais de uma década, desde a fase da campanha “Educação não é mercadoria” contra a financeirização e a oligopolização do ensino.

No rol, formado por Universidade Estácio de Sá, Universidade Cruzeiro do Sul, Universidade Pitágoras Unopar Anhanguera, Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), Universidade de Franca, Universidade Cesumar (Unicesumar), Centro Universitário Estácio de Ribeirão Preto, Centro Universitário Planalto do Distrito Federal (Uniplan), Centro Universitário Leonardo da Vinci (Uniasselvi), Centro Universitário Internacional e Centro Universitário Estácio de Santa Catarina (Estácio Santa Catarina), estão, como se percebe, estabelecimentos de ensino cujas mantenedoras são empresas de capital aberto, como Cogna, Estácio e Vitru. Some-se a isso, conforme destacado pela própria Seres, que essas IES representam cerca de 65% do total de matrículas em cursos na modalidade a distância no país.

Em nota técnica, a Seres considerou que é importante “observar a queda absoluta ocorrida nos últimos anos acerca do número de docentes em atuação na educação superior de graduação na rede privada”. “De acordo com dados do Censo da Educação Superior 2022, a quantidade de docentes em atuação no ensino superior privado no ano de 2015 era de 190 mil, caindo para 151 mil, uma queda de 20,7% em sete anos. O número de matrículas, no entanto, cresceu nesse período, saindo de 6 milhões para 7,3 milhões. A razão aluno-docente na rede privada tem, portanto, crescido nos últimos anos, o que pode representar indicativo de deficiência na oferta da educação superior.”

A nota acrescenta que a pasta, por “necessidade de alocação eficiente dos limitados recursos humanos e materiais da Administração Pública”, optou “por reunir somente aquelas IES que possuíam uma razão sensivelmente elevada de alunos por docente, mas que também representassem um volume significativo de oferta de educação superior na modalidade EaD”.

Vale destacar, no entanto, que a média aferida no restante no setor privado de ensino superior, correspondente, a 171 alunos por docente, tampouco é aceitável como garantia de uma educação de qualidade e de condições de trabalho adequadas para os professores. Se aqui coubesse uma analogia como o famoso artigo de mesmo número no Código Penal, que tipifica o crime de “obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”, esse seria o delito metafórico dessas empresas de ensino. O alvo desse “estelionato educacional” são os estudantes, que têm roubado seu direito a uma educação de qualidade, e os trabalhadores em estabelecimentos de ensino, que cada vez mais têm sido usurpados de seus direitos trabalhistas.

A situação-alvo da reportagem da Folha e da nota técnica do MEC exemplifica a importância e urgência da campanha nacional da Contee pela regulamentação da educação privada. E, como reforça a Confederação, a criação de uma agência reguladora não cumpre esse papel, porque representa autorregulação do setor. Representa chancelar os cartéis da educação que colocam 500 estudantes numa mesma turma, que agem em conluio mesas de negociação, recusando-se a conceder direitos básicos de remuneração ou de condições de trabalho aos professores e técnicos administrativos que atuam nessas empresas, e que não cumprem padrões mínimos de qualidade no ensino que ofertam.

Às vésperas da Conferência Nacional Extraordinária de Educação (Conae 2024) e diante dessa ampla e necessária publicidade de dados que, para a Contee, como dito, infelizmente estão longe de serem inéditos, a Confederação reafirma sua luta histórica contra a financeirização da educação privada e por sua urgente regulamentação.

Brasília, 23 de janeiro de 2024.

Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee

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