EUA vetam resolução do Brasil por corredor humanitário na Faixa de Gaza e aprofundam crise
O texto brasileiro conseguiu 12 votos de apoio no Conselho de Segurança da ONU, três a mais do que o necessário. Mas o poder de veto dos Estados Unidos foi suficiente para derrubar a proposta. Principal aliado de Israel, governo Biden é acusado de ter as mãos “sujas de sangue”
Os Estados Unidos exerceram seu poder de veto no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e derrubaram, nessa quarta-feira (18), a resolução costurada pelo Brasil que pedia cessar-fogo e a abertura de um corredor humanitário na Faixa de Gaza, na Palestina. O objetivo era permitir a saída de civis estrangeiros do território para o Egito. Além de garantir a entrada de suprimentos para a população local, que há 11 dias vem sendo bombardeada por Israel.
Na busca pela aprovação, o Brasil, que neste mês preside o Conselho de Segurança, reforçava no documento o alerta de entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Cruz Vermelha, sobre o risco de uma tragédia humanitária sem precedentes na Palestina. Ao final do processo de negociação, o país conseguiu 12 votos entre os 15 integrantes do órgão da ONU. Três a mais do que mínimo necessário. Votaram pela medida: Brasil, França, Malta, Japão, Gana, Gabão, Suíça, Moçambique, Equador, China, Albânia e Emirados Árabes. Rússia e Reino Unido se abstiveram.
Apesar da maioria, o regime prevê que o projeto não pode contar com nenhum veto dos membros permanentes, como EUA, Reino Unido, França, Rússia e China. Por isso o poder dos estadunidenses foi suficiente para derrubar o texto.
Brasil lamenta veto
“Tristemente, muito tristemente, o silêncio e inação prevalecem”, lamentou o embaixador do Brasil na ONU, Sérgio Danese, em entrevista ao jornalista Jamil Chade do UOL. O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, também destacou ao g1 que o Brasil fez “todo o esforço possível” para que a resolução fosse aprovada. A votação chegou a ser adiada em duas ocasiões, na esperança de que um consenso pudesse ser negociado. O texto também ficou sob consulta de todos os membros desde sexta-feira (13).
“Fizemos todo o esforço possível para que cessassem as hostilidades e que se parassem com os sacrifícios humanos. E que se pudesse dar algum tipo de assistência às populações locais, aos brasileiros que estão na Faixa de Gaza. A nossa preocupação sempre foi a questão humanitária neste momento, e cada país terá sua inspiração própria”, afirmou Vieira.
O Conselho de Segurança da ONU já havia se reunido em três ocasiões desde o começo da nova fase do conflito entre Israel e o grupo armado Hamas, no dia 7 de outubro. Por exigência dos estadunidenses, os encontros ocorreram a portas fechadas. Mas não houve nenhum entendido, sequer para pedir o fim da violência que já matou mais de 4 mil pessoas, de ambos os lados, principalmente na Palestina. A avaliação, de acordo com Chade, é que o bloqueio aprofunda a crise política e humanitária, e escancara a incapacidade das potências de chegar a um entendimento para frear o massacre palestino.
Justificativa dos EUA é repudiada
Por meio de sua embaixadora na ONU, o governo de Joe Biden justificou seu veto devido ao texto não fazer referência ao direito de autodefesa de Israel. A postura é a mesma adotada pelo presidente dos EUA que realiza visita oficial a Israel. Nessa terça (17), mesmo diante do bombardeio de um hospital em Gaza, que deixou cerca de 500 pessoas mortas, Biden fez defesa irrestrita do aliado e reproduziu a versão do país, que nega as acusações sobre a autoria do massacre e culpa o grupo Jihad Islâmica, uma organização islâmica que atua em Gaza e também nega qualquer envolvimento no bombardeio.
A posição de Biden vem sendo alvo de protestos pelo mundo e no próprio EUA, onde ele é acusado de ter “as mãos sujas de sangue” e ser responsável pelo genocídio palestino.
O veto também foi repudiado pelo embaixador da Rússia na ONU, Vassily Nebenzia. “Somos testemunhas da hipocrisia dos Estados Unidos. Eles não queriam uma solução aqui”. A China também declarou estar em “choque” com o comportamento do governo Biden.
Risco de genocídio na Palestina
A delegação de Pequim destacou ao UOL que a resolução costurada pelo Brasil era a “visão da comunidade internacional”. “Esperávamos que iriam votar a favor”. Há sete anos o Conselho de Segurança da ONU não chega a um consenso sobre a questão entre Israel e Palestina.
O risco, contudo, é que o ataque sem precedentes que vem sendo perpetrado pelo governo de Benjamin Netanyahu promova uma nova “limpeza étnica em massa” do povo palestino. Como a ocorrida na catástrofe de Nakba, em 1948, com a criação do Estado de Israel, que obrigou quase 700 mil palestinos a deixarem suas casas, indo para a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e outros países da região, como a Síria.
O alerta foi feito pela própria relatora especial da ONU para os territórios palestinos ocupados, a italiana Francesca Albanese. “A reação de Israel aos crimes horrendos cometidos pelo Hamas vai muito além do que é razoável e proporcional. Está se tornando uma operação militar interminável. Israel gerou uma catástrofe dentro da catástrofe. E a resposta da comunidade internacional é repugnante. A situação saiu do controle, e, se não for interrompida, veremos o terceiro e maior deslocamento forçado de palestinos de suas terras”, denunciou.
Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima