Faces da desprofissionalização: A Lei da Mordaça

O Ministério da Educação publicou no último dia 30 de outubro, no Diário Oficial da União, uma chamada pública para a candidatura de professores interessados em participar da etapa de avaliação pedagógica das obras inscritas no Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) 2019. Os candidatos, que podem ser docentes da rede pública e do setor privado da educação básica e do ensino superior, têm até o dia 27 de novembro para se inscrever. Serão selecionados cerca de 600 profissionais que tenham, pelo menos, mestrado para avaliar cerca de 260 coleções com, em média, cinco livros cada.

Bastou uma semana de chamada aberta e circulava ontem (7) nas redes sociais, sobretudo Facebook e Whatsapp, a seguinte mensagem:

“Bom dia, pastores,
Graça e paz

Peço a gentileza de nos ajudarem anunciando neste domingo nas suas igrejas, sobre esta 👇 oportunidade que temos os professores cristãos participarem:

URGENTE!
Você que é professor de PORTUGUÊS, ARTE, EDUCAÇÃO FÍSICA, MATEMÁTICA, CIÊNCIAS, HISTÓRIA ou GEOGRAFIA e tem MESTRADO em alguma dessas áreas!

SEJA um AVALIADOR dos livros didáticos do MEC para 2019!

É nossa oportunidade de fiscalizar e denunciar conteúdos que promovem a IDEOLOGIA DE GÊNERO nas obras didáticas.”

Em julho deste ano, o Portal da Contee já havia denunciado os aspectos privatista e obscurantista presentes no novo PNLD de Temer, este escancarado agora na mensagem em circulação. Sobre este último, a professora e historiadora Sonia Miranda, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), apontara que “o decreto [de refundação do PNLD] é muito ardiloso, porque ele retira as universidades do processo e vincula a prática da avaliação a equipes do MEC com instituições de representação política”. Ainda segundo ela, “não tem mais a instância crítica exercida pelas universidades, que, nos últimos tempos, desceu seu olhar sobre a expansão da bancada evangélica e sua tentativa de fazer valer para a rede pública coleções com caráter criacionista ou expulsar tudo o que envolve o tratamento de gênero e diversidade, por exemplo. Com o decreto, o MEC assume a possibilidade de uma nova mesa censória”.

É exatamente o que se vê agora com essa convocação na rede para se que promova uma espécie de “caça às bruxas” a qualquer tipo de educação inclusiva e emancipadora, bem como com a criação do termo “ideologia de gênero” para tentar criminalizar a promoção da igualdade de gênero e o respeito à diversidade de orientação sexual.

Essa questão, exaustivamente debatida e infelizmente derrotada no Plano Nacional de Educação (PNE), assim como em diversos planos estaduais e municipais, tem direta relação com as Leis da Mordaça que tentam impor ao magistério em todo o país — mordaças, aliás inconstitucionais, como argumentado no próprio Supremo Tribunal Federal (STF) pelo ministro Roberto Barroso em resposta à Ação Direta de Insconstitucionalidade movida pela Contee. Porque os mesmos grupos que bradam contra a suposta “ideologia de gênero” são aqueles que protestam contra exposições de arte, contra a palestra da filósofa Judith Butler e também contra a pretensa “doutrinação marxista” nas escolas. Nesse sentido, o ultradireitista Movimento Brasil Livre (MBL) e o reacionário Escola Sem Partido se dão as mãos e guardam muitas semelhanças: a começar pelo fato de que de “livre” e “ sem partido” só têm os respectivos nomes.

Acontece que a mordaça que tais grupos tentam amarrar são um dos muitos nós do processo de desprofissionalização que o magistério tem enfrentado e que a Contee denuncia e combate com a campanha “Apagar o professor é apagar o futuro”. Ainda que a mensagem dirigida aos “pastores” supostamente vise a convocar “professores”, a tarefa é clara: só vale se for para denunciar a “ideologia de gênero” nos livros didáticos; não serve se for para pensar, para analisar, para defender uma educação libertadora. A profissão professor, portanto, não interessa, nesse caso; o que querem são censores, assim como, na sala de aula, desejam apenas repetidores de conteúdo. De forma análoga, os defensores do programa Escola Sem Partido se dizem contrários à doutrinação, mas são eles mesmos que a praticam, apagando da escola qualquer tipo de pensamento crítico e, com isso, o próprio papel do professor, sua liberdade de cátedra e a possibilidade de desenvolvimento do estudante para a cidadania.

Na verdade, ao acusar os educadores de suposta “ideologia de gênero” ou de “catequese partidária”, esses movimentos é que mostram seu atraso, seu preconceito, seu racismo, seu machismo, sua homofobia, sua transfobia, seu desapreço pelos direitos humanos e uma doutrinação nos moldes da praticada pelo fascismo e pelo nazismo. Doutrinação que, como a Contee já manifestou publicamente, tem como um de seus objetivos sustentar o golpe de Estado que foi dado no Brasil. Todavia, tanto a Constituição de 1988 quanto a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996 compreendem que a educação é inspirada nos princípios de liberdade e de solidariedade e que o ensino deve ser ministrado com base no pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e na liberdade de aprender e de ensinar. Apagar o professor desse processo é apagar o futuro.

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Por Táscia Souza

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