Fepesp: O feminismo precisa encontrar o mundo do trabalho
Uma pesquisa sobre dados relativos a professoras na educação superior revela-se sintomática, na medida em que dialoga com a realidade: ao detectar ‘professoras’, o portal de buscas Google sugere automaticamente a alteração para… ‘professores’
Por Milena Buarque
A emancipação e o empoderamento das mulheres deram passos gigantescos nos últimos dois anos. A pauta feminista entrou no discurso em diferentes esferas da vida social. No entanto, ainda que o ganho no debate tenha sido evidente, para uma das mais antigas profissões da humanidade, notadamente feminina, os contornos do machismo ainda traçam a mesma forma. Se a professora é a figura mais associada aos primeiros anos da educação infantil e ao ensino básico, ainda há uma barreira, de espessas camadas, para a mulher como docente do ensino superior.
Uma pesquisa sobre dados relativos a professoras na educação superior revela-se sintomática, na medida em que dialoga com a realidade: ao detectar ‘professoras’, o portal de buscas Google sugere automaticamente a alteração para ‘professores’. O mesmo não acontece com a educação básica, que conta com farto material sobre o papel da professora nos anos iniciais da infância. Para Andrea Harada, mestre em Educação pela Unicamp e diretora do Sinpro Guarulhos, o acúmulo de jornadas segue sendo a grande questão para as mulheres. “O fato de acumularmos dupla jornada, termos filhos e assumirmos uma responsabilidade maior na educação e no cuidar sempre retarda [a carreira acadêmica]. Estou falando de mulheres da minha geração. Não sei se o avanço da pauta feminista alterou isso. Mas as mulheres que emendavam a formação retardavam o casamento”, afirma.
Conciliar trabalho e família com cursos de mestrado e doutorado, que exigem e demandam muito do tempo, quase nunca é viável. Entretanto, na visão da professora, a pauta feminista interseccional deve encontrar o mundo do trabalho, ainda mais em um momento de precarização tanto para homens quanto para mulheres, estas sempre mais impactadas. “Para onde o feminismo avançou, ele não retrocede. O que me parece carente ainda na pauta feminista é a questão do trabalho. Para a mesma jornada de trabalho, eu tenho uma diferença de salários entre homens e mulheres. E, quando eu penso no acúmulo de tarefas, a distância torna-se ainda maior”, explica Andrea, para quem o corte de classes é crucial para entender a questão da carreira docente no universo feminino.
Segundo os dados mais recentes do Censo da Educação Superior, divulgados pelo Ministério da Educação e pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Estatísticas Educacionais Anísio Teixeira) em 2016, tanto no ensino privado quanto na rede pública a maioria do corpo docente é composta por homens, com idade entre 34 e 36 anos.
Educação Básica, o cenário inverso
Já na educação básica, o cenário inverso – e nada atual – também é demonstrado pelo último Censo Escolar, principal instrumento de coleta de informações e o mais importante levantamento estatístico educacional brasileiro da área. O número de mulheres é quase cinco vezes maior do que o de homens no segmento. Como ressalta Andrea, de um modo geral homens normalmente ocupam o lugar do especialista. “Na educação básica, acredito que exista um número maior de mulheres principalmente pelo infantil e pelo fundamental 1. Homens, por outro lado, é comum vermos dando aulas de música, esportes. Quase nunca é um professor titular da turma”, diz.
Se a profissão reflete um pensamento social de que cabe apenas à mulher o papel de cuidar, uma habilidade dissociada propriamente de um conhecimento específico, a jornada na educação básica e o caminho da pedagogia também se mostram como caminhos possíveis numa longa trajetória que já começa desigual. Para a professora Sandra Baraldi, presidente do Sinpro Jundiaí e que dedicou nove anos seguidos da carreira ao ensino fundamental, a mobilidade é um dos fatores cruciais. “No fim, é a busca por um emprego que tome menos tempo. A professora faz a sua faculdade e já pensa em uma possibilidade de fazer quatro ou cinco horas diárias e ter espaço para cuidar da família”, diz.
Na visão de Sandra, contudo, essa perspectiva não condiz com a responsabilidade que costuma assumir uma professora nas séries iniciais – e nem se reflete no salário. “É um dos trabalhos mais maçantes. Ter de dar conta de 30 crianças diariamente, além de virar parte de suas famílias, o que costuma acontecer, é claro. E, ainda assim, é o estágio menos valorizado, financeiramente falando”, ressalta.
Se incontestáveis são os avanços e as conquistas das mulheres nas últimas décadas, sobretudo, e apenas, por suas próprias lutas travadas diariamente, as duas professoras concordam que o caminho ainda é longo. “O feminismo botou o assunto na roda. Da materialidade para essa transformação ocorrer, acho que ainda há muito a superar”, diz Andrea.