FMI critica a expansão do emprego de baixa qualidade pós-reforma trabalhista na Espanha
O Fundo Monetário Internacional (FMI) reconhece que o mercado de trabalho da Espanha experimentou uma forte recuperação, impulsionado pela “moderação salarial” (ou seja, salários menores), a retomada da competitividade externa e a reforma trabalhista — que inspirou o Governo de Michel Temer no Brasil, segundo o próprio mandatário admitiu. Em seu relatório anual sobre a economia espanhola publicado na sexta-feira, entretanto, o órgão coloca um importantíssimo ‘mas’ nessa melhora: “Foi conduzida predominantemente por uma expansão do emprego de baixa produtividade”. Em conclusão, o FMI não observa uma mudança de modelo no mercado de trabalho.
“Boa parte do crescimento criado foi em setores de baixa qualificação e baixa produtividade, onde os incentivos para se investir nos trabalhadores são baixos”, afirma a instituição baseada em Washington no chamado Artigo IV, um estudo anual que o Fundo faz de todos os países a partir das visitas de suas equipes.
Em um trecho em que analisa o mercado de trabalho, o FMI explica que a criação de emprego obedece, em boa parte, a um movimento de um setor de baixa produtividade a outros. Ou seja, quase metade do emprego destruído na crise pertencia à construção, cujos trabalhadores têm baixos níveis de formação. E nesses momentos, segundo argumenta o Fundo, a maioria dos postos de trabalho se encontra no comércio, na hotelaria e outros setores relacionados ao turismo, serviços de baixo valor agregado, atividades administrativas e setor público, todos eles com produtividade mais baixa.
O FMI admite que existem crescimentos de emprego significativos em setores mais produtivos como a comunicação e alguns tipos de indústria. Mas em termos de quantidade representam muito pouco e se concentram mais em um território: Madri.
De acordo com os números do órgão, 6% do emprego criado durante a recuperação corresponde estritamente ao ramo do turismo, isso é, transporte aéreo, alojamento, serviços de agências e operadores de viagens. Mas esse número sobe para um de cada quatro empregos criados se forem levadas em consideração todas as atividades relacionadas ao turismo incluindo hotelaria. Outra quarta parte da ocupação gerada está ligada a atividades administrativas e profissionais. E 14% foram contratações no setor público. Mas todos esses fatores têm uma produtividade abaixo da média da economia, afirma o Fundo.
Por sua vez, os setores mais produtivos são menores. Comunicação e atividades imobiliárias projetam mais produtividade e crescem fortemente. Mas equivalem a somente 3,5% de todo o emprego. Também sobe a ocupação em consultoria, serviços profissionais qualificados e atividades científicas e técnicas. Mas, como explica o Fundo, todas essas áreas juntas só abarcam 2% do total do trabalho.
O FMI corrobora um estudo com conclusões muito parecidas divulgado pelo Banco da Espanha na semana passada. Nele se constatava que o padrão de crescimento do emprego era “novamente, muito semelhante” ao do ciclo expansivo anterior. A instituição presidida por Luis Linde detectou que existia um transpasso de mão de obra pouco qualificada da construção à hotelaria. E acrescentou: “Diante da possibilidade de que a hotelaria e a construção se aproximem de seus limites de criação de postos de trabalho em um futuro próximo, parece necessária a busca de fórmulas para expandir as oportunidades de trabalho dos desempregados com menor formação”.
Por outro lado, o FMI considera que a Espanha tem um problema porque muitos dos postos criados não estão relacionados às habilidades e conhecimentos dos trabalhadores. “Ainda que a força de trabalho espanhola esteja melhorando sua formação, o grosso do novo emprego está em áreas com menores exigências de habilidades, baseadas em tarefas rotineiras e de serviços. Muitos desses trabalhos foram ocupados por pessoas com maior formação, enquanto os menos qualificados têm dificuldades em encontrar emprego”, afirma.
Ou, o que é a mesma coisa, existe muita gente superqualificada para seu desempenho. Em parte, porque a Espanha oferece menos trabalhos de alta qualificação do que a média dos outros países europeus. Mas também porque a população que recebeu formação profissional para tarefas de qualificação intermediária é muito menor. Como descreve o Fundo, a Espanha possui mais universitários e pessoas de baixa formação do que a média europeia. Mas tem uma proporção muito menor de formados em áreas técnicas profissionais. E isso produz dinâmicas perversas: enquanto os superqualificados sofrem de falta de motivação, os pouco formados têm dificuldades em entrar no mercado de trabalho.
A RECEITA CLÁSSICA PARA COMBATER A TEMPORALIDADE
O FMI afirma que metade do emprego criado com a recuperação foi temporário. E esse uso da temporalidade foi generalizado. O Fundo destaca que é mais numerosa na construção, alguns serviços e no setor público, especialmente no sistema de saúde. Por outro lado, tende-se a contratar mais trabalhadores fixos nas atividades profissionais e técnicas, na comunicação e, paradoxalmente, no turismo apesar de seu caráter sazonal. De modo que o Fundo indica que as perspectivas de crescimento do setor influem muito. Para combater a temporalidade, o FMI recomenda a implementação do contrato único ou do modelo austríaco (sistema de indenização no caso de demissão adotado na Áustria).