Fragilidade no Inep evidencia crise no Enem e reforça retrocesso do ‘conteudismo’, avalia professor
Daniel Cara cita erro de gestão, desvalorização de servidores e avanço de exames que estimulam menos o raciocínio
A anulação de questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) pela semelhança com pré-testes evidenciou um problema na estrutura do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), avaliou o professor Daniel Cara, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Para ele, o episódio revela um “erro de estratégia” da atual gestão e um banco de itens insuficiente, resultado de anos de falta de investimento.
Segundo Cara, “ocorreu um desinvestimento na produção de itens porque são muito caros”, processo que atravessou diferentes governos. Ele criticou também a condução do presidente do Inep, Manuel Palácios. “A gestão do Inep tem prescindido dos técnicos do Inep. Até agora não tinha dado problema, mas esse problema vem revelar uma fragilidade que nós temos para o exame e que precisa ser corrigido imediatamente”, complementou.
O professor acrescentou ainda que a anulação das três questões prejudica candidatos e altera a competição por vagas muito concorridas. “É claro que vai ter prejuízo com a anulação das questões, mas é o procedimento correto”, defendeu. Para ele, porém, o ponto central é outro. “O ideal é ter um Enem com uma gestão mais sólida, e, nesse sentido, o Inep tem passado por muitos problemas”, indicou.
Para Cara, existe um erro de estratégia do governo que precisa ser corrigido, que é, na prática, uma questão de gestão. “É preciso ter maior competência para construir um banco de questões e fazer pré-testes que sejam mais seguros. Agora, isso custa caro”, pontua.
Ele também reforçou que os servidores do Inep, que enfrentaram um desmonte nos governos Michel Temer (MDB) e Bolsonaro (PL), hoje têm menos espaço na instituição. “Não estão tendo no governo Lula o mesmo espaço que deveriam ter”, observou.
‘Conteudismo’ nos vestibulares
Ao comentar os temas presentes na primeira fase da prova da Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest) 2026, o professor reconheceu a relevância social das escolhas, mas apontou um problema estrutural maior no modelo avaliativo do país. “Estamos avançando para uma perspectiva de exame vestibular mais pautado no conteudismo do que no raciocínio”, criticou.
Ele lembrou que o Enem já foi uma exceção positiva. “O Enem representava um fio de esperança em relação a um vestibular mais inteligente, mais reflexivo”, disse. Ele defendeu que o exame recupere sua função original. “O Enem era melhor. Precisa voltar.”
Segundo Cara, esse retrocesso tem um impacto direto na formação universitária. “Recebemos um estudante que é muito bom de reproduzir informações, mas tem muita dificuldade em construir novas visões, novos conteúdos”, explicou.





