Frustrante, nova Constituição do Chile tem rascunho conservador
Pesquisa aponta que 54% da população chilena diz que votará no “Não” no plebiscito
Os chilenos já têm o rascunho para uma nova Constituição. No sábado (7), o Conselho Constitucional do Chile apresentou à Comissão de Peritos o texto-base para uma Carta Magna, que pode substituir a atual Constituição chilena, sancionada em 1981, sob a ditadura de Augusto Pinochet.
Os 24 peritos, indicados por partidos políticos com representação em um Congresso de maioria centro-direitista, farão a revisão e devem emitir um parecer em cinco dias. O rascunho voltará ao Conselho Constitucional, que precisa ajustar o texto e votá-lo até o próximo dia 16 de outubro. Um Comitê Técnico de Admissibilidade também terá cinco dias para se posicionar. O plebiscito está previsto para 17 de dezembro.
É difícil haver um texto mais nefasto que o da Constituição vigente, que virou, tão logo foi aprovada, referência de legislação neoliberal. Sua promulgação, há mais de quatro décadas, foi o ponto de partida para a privatização de serviços essenciais, como a previdência social e a educação.
Mas o novo texto, frustrante, parece nascer com cara de velho e reflete o avanço da direita no Congresso do Chile. O artigo 24 é um dos poucos avanços, ao propor que o Estado adote “medidas adequadas para concretizar os direitos à saúde, à habitação, à água e saneamento, à segurança social e à educação”. Porém, não há mais previsão de um “sistema nacional” público e gratuito para essas áreas.
Há outros retrocessos. A exemplo do que ocorreu no Brasil durante o governo Jair Bolsonaro, o Conselho Constitucional do Chile quer a autonomia do Banco Central, com “composição, organização, funções e competências são determinadas por lei institucional”.
Do ponto de vista dos trabalhadores, não há conquistas relevantes. Em entrevista à Folha de S.Paulo, Carlos Meléndez, doutor em Ciência Política e professor da Universidade Diego Portales, afirmou que a esquerda chilena “não reivindica a classe trabalhadora” como uma pauta prioritária. “O principal movimento social que hoje apoia o governo Boric não são os sindicatos, mas as feministas. O campo de luta dele é o cultural”, diz Diego.
Ainda assim, no rascunho, a proteção à “vida que está por nascer” foi substituída pela proteção à “vida de quem está por nascer” – uma adequação conservadora que pode dar margem para o discurso antiaborto até em casos previstos em lei. Não é a só. Se a nova Constituição for aprovada, imigrantes clandestinos deverão ser “expulsos no menor tempo possível”, salvo “em casos de refúgio ou asilo”.
A proposta anterior para uma nova Constituição, muito mais audaciosa, foi rejeitada em setembro de 2022 por 61,87% dos votos válidos, contra 38,13%. A crer na popularidade do governo Gabriel Boric, as dificuldades persistem. Conforme pesquisa do instituto Cadem divulgada em 1º de outubro, 41% dos eleitores são contrários à mudança de Carta Magna, 27% dizem preferir a versão que virá dos peritos e apenas 19% manifestam interesse em apoiar o texto do Conselho Constitucional. O levantamento aponta ainda que 54% da população diz que votará no “Não” no plebiscito.