Gilmar Mendes cassa condenação de empresa por débitos trabalhistas de outra do mesmo grupo

Um processo trabalhista tramita, em média, por 40 meses, para percorrer todas as instâncias jurídicas. Para a execução, o tempo médio é de 31 meses e 10 dias. Pois bem, o que já era tarefa difícil ficou, agora, mais dificultoso, em decorrência de decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes. Empresas que não primam pelo respeito a elementares direitos de seus empregados ficam suspensas da responsabilização por condenações proferidas em processos dos quais não participaram da fase conhecimento.

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

O Relatório Geral da Justiça do Trabalho, relativo ao ano de 2020, divulgado em 2021, traz relevantes dados sobre ações que visam a restaurar direitos descumpridos- mais apropriado seria dizer subtraídos-, no curso dos contratos de trabalho.

A apresentação, assinada pela presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Maria Cristina Peduzzi, sintetiza-os de modo bem objetivo, destacando que os assuntos mais recorrentes foram: “aviso-prévio, multa de 40% do FGTS, multa prevista no artigo 477 da CLT e multa prevista no artigo 467 da CLT”.

Dentre os mencionados dados, merecem destaque os seguintes:

I “o tempo médio entre o ajuizamento de uma ação e o seu encerramento demonstra que, no TST, esse prazo foi de 1 ano, 10 meses e 9 dias; nos Tribunais Regionais do Trabalho, 10 meses e 19 dias; e, nas Varas do Trabalho, 7 meses e 6 dias na fase de conhecimento e 2 anos, 7 meses e 10 dias na fase de execução”;

II “as execuções iniciadas somadas às pendentes de anos anteriores – pendentes de execução e em arquivo provisório – totalizaram 3.604.710 processos. Desse total, foram encerradas 731.261 (20%). Os Tribunais Regionais que alcançaram os maiores percentuais de execuções encerradas em relação ao total a executar foram os da 22ª Região, com 51%; 20ª Região, com 36%; 17ª Região, com 34%; 6ª Região com 32%; e 21ª Região, com 30%”; e

III “foram pagos aos reclamantes R$ 28.830.521.013,84, valor 10,2% inferior ao de 2019. Os valores pagos decorrentes de acordos judiciais representaram 46,6% do total e diminuíram 6,9%; os decorrentes da execução de sentenças representaram 39,2% e reduziram 9,7%”.

Extrai-se desses reveladores dados que o processo trabalhista entre a data do ajuizamento da ação e a do início da execução de sentença, tramita, em média, por 40 meses, para percorrer todas as instâncias (vara do trabalho, tribunal regional e TST).

Já, para a execução, última fase processual, o tempo médio é de 31 meses e 10 dias; o que, por si só, caracteriza-se como bastante para demonstrar os percalços que os trabalhadores enfrentam para ver satisfeitos seus créditos, oriundos de direitos trabalhistas elementares, como os acima citados; quando o conseguem.

Não sem razão, em 2020, havia 3.604.710 processos trabalhistas em fase de execução; sendo que, deles, apenas 731.261, ou seja, 20% foram encerrados.

Várias são razões que respondem por esse quadro caótico, tais como: sonegação de bens e numerários pelos devedores recalcitrantes; recursos protelatórios a perder-se de vista, com objetivo de retardar ao máximo a satisfação dos créditos de que são devedores; e prescrição intercorrente no curso da execução, nefasto instituto jurídico incorporado à CLT- Art. 11-A-, pela Lei N. 13467/2017- lei da (de) reforma trabalhista, com cristalino propósito de beneficiar o mau pagador, em prejuízo dos trabalhadores.

Pois bem! O que já era tarefa difícil ficou, agora, mais dificultoso, em decorrência de recente decisão monocrática do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, provendo agravo no recurso extraordinário (ARE) 1.160.361, para cassar decisão do TST, que não admitiu recurso de revista que impugnava a inclusão, como devedora, de empresa pertencente a grupo econômico, que não participou do processo na fase de conhecimento; bem assim para determinar a esse Tribunal que profira outra, por meio de sua composição plena, em observância à Súmula Vinculante N. 10, que dispõe:

“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”.

Muito embora tenha determinado ao TST que aprecie o caso pelo seu órgão pleno, o ministro Gilmar Mendes já assentou em sua decisão que, com base no Art. 513, § 5º, do Código de Processo Civil (CPC), não será admitida a execução de sentença contra empresa que não participou o processo de conhecimento, ou seja, desde o início. Um colossal retrocesso, que contribuirá decisivamente para que se amplie o estratosférico número de processos em fase de execução sem a satisfação dos créditos que encerram.

Na fundamentação de sua decisão, o ministro Gilmar Mendes assevera:

“[..]

No entanto, a partir do advento do Código de Processo Civil de 2015, merece revisitação a orientação jurisprudencial do Juízo a quo no sentido da viabilidade de promover-se execução em face de executado que não integrou a relação processual na fase de conhecimento, apenas pelo fato de integrar o mesmo grupo econômico para fins laborais.

Isso porque o §5º do art. 513 do CPC assim preconiza: ‘Art. 513. O cumprimento da sentença será feito segundo as regras deste Título, observando-se, no que couber e conforme a natureza da obrigação, o disposto no Livro II da Parte Especial deste Código.

§ 5º O cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento’.

Nesse sentido, ao desconsiderar o comando normativo inferido do 3 §5º do art. 513 do CPC, lido em conjunto com o art. 15 do mesmo diploma legal, que, por sua vez, dispõe sobre a aplicabilidade da legislação processual na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, o Tribunal de origem afrontou a Súmula Vinculante 10 do STF e, por consequência, a cláusula de reserva de plenário, do art. 97 da Constituição Federal.

[…]

Por essa razão, o Tribunal a quo incorreu em erro de procedimento. Sendo assim, reconhecida essa questão prejudicial, faz-se imprescindível nova análise, sob a forma de incidente ou arguição de inconstitucionalidade, pelo Juízo competente, antes da apreciação, por esta Corte, em sede de recurso extraordinário, da suposta violação aos arts. 5º, II, XXXV, LIV e LV, do texto constitucional”.

Com essa decisão, empresas que não primam pelo respeito a elementares direitos de seus empregados, muito menos por sua observância, marcam mais um precioso ponto contra esses. Isto porque, ganham tempo, pois que ficam suspensas por tempo indeterminado a comentada responsabilização por condenações proferidas em processos dos quais não participaram da fase conhecimento; e a clara perspectiva de que, quando a matéria voltar à apreciação do STF, esse refrigério se tornará definitivo.

Como bem registrou o escritor francês Vitor Hugo: “Raspai o juiz, encontrareis o carrasco”.

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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