Governo mostra que não quer combater trabalho escravo, diz Contag

“É absurdo que o governo decida se preocupar com o agressor e não com a vítima de trabalho escravo”, afirma dirigente. Para associação de juízes, objetivo é “eternizar a ocultação” do cadastro

Fiscalização de trabalho escravo
SÉRGIO CARVALHO/MTE

São Paulo – A suspensão da divulgação da chamada “lista suja” do trabalho escravo é “extremamente perigosa” e sinaliza desinteresse do governo em combater a prática, avalia o secretário de Assalariados e Assalariadas Rurais da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Elias Borges. Segundo ele, o tema será discutido na próxima reunião da Comissão Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae). “Não se trata de uma medida do Ministério do Trabalho isoladamente, é uma decisão do governo. Mesmo tendo recebido parecer da Conatrae contrário à não divulgação da lista, o governo orientou a AGU (Advocacia-Geral da União) a buscar a suspensão, por isso cobraremos do governo se ele quer ou não combater o trabalho escravo. Com a recente medida, estamos entendendo que não.”

A divulgação do cadastro foi suspensa em dezembro de 2014, por decisão liminar do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), atendendo a pedido de uma associação empresarial. Com a aprovação de nova portaria mudando os critérios da lista, em maio de 2016, a ministra Cármen Lúcia suspendeu a proibição, mas mesmo assim o Ministério do Trabalho não retomou a publicação.

Em função disso, o Ministério Público do Trabalho entrou com uma ação civil pública. Conseguiu decisões favoráveis em primeira instância (11ª Vara do Trabalho do Distrito Federal) e em segunda (Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região), mas a AGU recorreu ao presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Filho, e conseguiu um efeito suspensivo, na última terça-feira (7). O Ministério Público do Trabalho considerou “lamentável” a decisão.

“É um absurdo que o governo brasileiro decida se preocupar com o agressor e não com a vítima de trabalho escravo”, diz Elias, da Contag. “O mais grave, ainda, é o governo contar com a ajuda do presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Sobretudo se imaginarmos que se essa é a posição da presidência do Tribunal relacionada a um tema gravíssimo, o que devemos esperar nos casos que envolvam outras violações de direitos?”, acrescenta.

O presidente do TST concedeu o efeito suspensivo, contra a divulgação da lista, até que um grupo constituído pelo Ministério do Trabalho conclua suas atividades, o que deve acontecer apenas daqui a quatro meses. O dirigente da Contag observa que esse grupo atuará paralelamente à Conatrae, que historicamente trata do tema. “É muito estranho esse comportamento do Ministério do Trabalho; primeiro, porque já existe uma comissão nacional que trata do trabalho escravo, a Conatrae, que sequer foi convidada para esse espaço. Segundo, porque o único membro da Conatrae que faz parte deste grupo de trabalho citado pelo ministro é a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária.”

Em nota, o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Germano Siqueira, também criticou a decisão de Gandra Filho, considerando a medida um equívoco e um retrocesso. “Criar aparentes novos critérios para divulgação da lista não representa mais que embaraços injustificáveis a algo que já foi parametrizado de forma simples pelo Supremo Tribunal Federal (STF)”, observa.

Para ele, o verdadeiro objetivo é “eternizar a ocultação da lista, corroborando uma prática vexatória, contra os direitos humanos, e que deveria envergonhar todos os brasileiros”.

Divulgada desde 2003, a “lista suja” é tida como referência internacional no combate ao uso de mão de obra análoga à escravidão. No site do Ministério do Trabalho, persiste a informação, defasada, de que o cadastro está suspenso pela decisão liminar de 2014.

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