História: da ‘operação limpeza’ à ‘cura gay’: Os 40 anos de luta do movimento LGBT no Brasil

Neste domingo (3) aconteceu a 22ª edição da Parada do Orgulho LGBTde São Paulo. O evento, que todos os anos reúne centenas de milhares de pessoas na avenida Paulista, é uma das maiores celebrações da diversidade do mundo, competindo em quantidade de público com a Marcha do Orgulho de Nova York, o berço do movimento LGBT.

Neste ano, a Parada é especialmente simbólica por duas razões: o tema escolhido foi “Eleições” e com o mote “Poder para LGBTI . Nosso voto, nossa voz”, o evento promete trazer o debate sobre representatividade na política para o desfile; e, neste ano, completa 40 anos que a luta por direitos LGBT no Brasil ganhou corpo.

“Em 2018, se completam 40 anos do começo da organização do movimento LGBT no Brasil, que se chamava movimento homossexual no início, em 1978, e vai se diversificando e ganhando esse contorno do movimento LGBT, com as várias identidades”, afirma o advogado e militante de direitos humanos Renan Quinalha. Ainda que contabilizando avanços, discussões recentes foram levantadas com a decisão sobre “cura gay” de um juiz do Distrito Federal e a morte de Matheusa. “Isso mostra o quanto ainda é preciso fazer avançar o combate a LGBTfobia no Brasil”, completa o ativista.

A primeira edição da Parada de São Paulo aconteceu em 1997, mas organização do movimento começou a tomar forma no País no final da década de 1970, inicialmente lutando pelos direitos de gays e lésbicas. À época, diversos movimentos sociais e grevistas ganharam força na luta pela redemocratização do País, que vivia, desde 1964, uma ditadura militar. Dentre as forças políticas que se engajaram nessa mobilização pelos direitos civis e pela cidadania, estava o então chamado “movimento homossexual”, formado majoritariamente por homens gays.

O ano de 1978 é marcado pela fundação do jornal “O Lampião da Esquina”, editado por um grupo de intelectuais homossexuais no Rio de Janeiro. A publicação independente era engajada na oposição à ditadura e na discussão de temas relacionados à homossexualidade masculina, mas também trazia questões relativas ao feminismo, às mulheres, aos negros e outras minorias. O “Lampião” fazia oposição à ditadura e servia para denunciar abusos contra LGBTs, como a prisão arbitrária de lésbicas devido a sua orientação sexual em 1980, em São Paulo, no que foi apelidado de “Operação Sapatão”.

Entre o final de 1978 e o início de 1979 é criado o primeiro grupo de mobilização por direitos, o “Somos – Grupo de Afirmação Homossexual”. O grupo se manifestou em público pela primeira vez durante um debate promovido pela Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), em 1979, abrindo caminho para que outras organizações se estruturassem nos anos seguintes. Em 1980, ocorre o primeiro encontro de grupos homossexuais organizados.

Nesse mesmo ano, o Somos se divide e surge o primeiro grupo exclusivamente lésbico, o Grupo de Ação Lésbica Feminista (GALF). Em 1981, é fundado o ChanacomChana, primeira publicação ativista lésbica do Brasil. O jornal era comercializado no Ferro’s Bar, mas, em 1983, os donos do estabelecimento expulsam as ativistas do local. No dia 19 de agosto do mesmo ano, o GALF organiza um ato político no local que resulta no fim da proibição da venda do jornal. O episódio é muitas vezes lembrado como o “Stonewall brasileiro”. Por causa dele, no dia 19 de agosto comemora-se o Dia do Orgulho Lésbico no Estado de São Paulo.

Mobilização contra a Aids e o preconceito

Antes de chegar a metade da década de 80, há uma drástica redução no número de grupos organizados, conta a pesquisadora Regina Facchini, no artigo “Movimento homossexual do Brasil: recompondo um histórico”. Se no início da década, o antropólogo Edward MacRae situou 22 grupos homossexuais atuantes no Brasil nesse período, concentrados, sobretudo no eixo Rio de Janeiro-São Paulo, um documento produzido pelo Grupo Gay da Bahia falava em 7 grupos existentes em 1984 e 6 em 1985. O “Lampião da Esquina” deixou de ser publicado em 1981 e o Somos se dissolveu em 1983.

O cenário coincide com os estágios finais da ditadura, que geraram uma crise entre movimentos sociais no geral, que precisam pensar outras formas de mobilização não pautadas no governo militar como grande inimigo, e com a explosão da epidemia do vírus HIV que, no início, afetou com mais força homossexuais homens, bissexuais, travestis e transexuais.

Os militantes homossexuais foram os responsáveis pelas primeiras mobilizações contra a epidemia, tanto no âmbito da assistência solidária à comunidade, quanto na formulação de demandas para o poder público.

Com o estigma de serem vetores do vírus e da Aids, o movimento pela libertação sexual se esvaziou e muitos grupos passam a atuar em projetos de combate à doença. Nessa nova fase, tomam a frente o Grupo Gay da Bahia, fundado em 1980 em Salvador, e o Triângulo Rosa, criado em 1985 no Rio de Janeiro.

“Diante do crescimento dos casos da doença e da demora em ser produzida uma resposta governamental, a exemplo da maioria dos países ocidentais, os militantes homossexuais foram os responsáveis pelas primeiras mobilizações contra a epidemia, tanto no âmbito da assistência solidária à comunidade, quanto na formulação de demandas para o poder público”, explica Regina. A crise serviu para aumentar a visibilidade dessa população e grupos e eventos passaram a receber verbas estatais e de agências internacionais para atuar no combate à epidemia.

Outra mudança importante desse período é a adoção do termo “orientação sexual”, de modo a deslocar a polarização acerca da homossexualidade pensada como uma “opção” ou como uma “condição” inata”.

Nesse período, o GGB também encabeça a campanha de nacional para retirar a homossexualidade do código de doenças do sistema de saúde brasileiro. A conquista foi garantida em 1985, quando o Conselho Federal de Medicina retirou o termo do rol de patologias. A despatologização ocorreu no Brasil cinco anos de a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirar a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças.

“Outra mudança importante desse período é a adoção do termo “orientação sexual”, de modo a deslocar a polarização acerca da homossexualidade pensada como uma “opção” ou como uma “condição” inata”, escreve a pesquisadora. O Grupo Triângulo Rosa defendeu a inclusão do termo “orientação sexual” na Constituinte de 1987, nos artigos que vetam a discriminação e diferença salarial. A inclusão não foi adiante, mas posteriormente foi adotada em legislações municipais e Estaduais.

LGBTs ganhando as ruas (e reconhecimento)

As diversidades dentro do próprio movimento começam a ganhar mais visibilidade no início dos anos 1990, como foco em demandas específicas de cada um desses coletivos. Apesar de estarem na militância desde o início, as lésbicas são incluídas oficialmente na sigla geral do movimento em 1993, quando o evento anual passa a se chamar Encontro Brasileiro de Homossexuais e Lésbicas. No encontro seguinte, realizado em Curitiba, em 1995, as travestis – que começaram a se organizar no início da década em função do impacto da Aids e o consequente aumento de casos de violência contra essa população – reivindicaram e tiveram aprovada, sem polêmicas, a inserção do T para os encontros seguintes.

Em 1995, ocorre a fundação da primeira rede de organizações LGBT brasileiras, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis, ABGLT e, a partir disso, ocorre uma multiplicação das redes nacionais. No mesmo ano, o Rio de Janeiro recebe a 17º conferência da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersex, que terminou em uma pequena marcha na praia de Copacabana. No ano seguinte, um ato na praça Roosevelt, em São Paulo reúne cerca de 500 pessoas e partir de então, começa a se planejar a primeira parada LGBT do país, que acontece no ano seguinte, na avenida Paulista. Em 2008, a Conferência Nacional GLBT decide que T identifica, simultaneamente, travestis e transexuais homens e mulheres, e também posiciona a letra L em frente ao G, com o intuito de dar maior visibilidade às lésbicas.

Conquistas recentes

Embora existam projetos de lei que autorizam a união e o casamento civil entre homossexuais tramitando no Congresso desde a década de 1990, esse direito foi concedido pelo Judiciário. A união estável foi reconhecida em 2011 pelo Supremo Tribunal Federal e o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo em 2013, pelo Conselho Nacional de Justiça.

O processo de redesignação sexual – conhecido popularmente como cirurgia de “mudança de sexo” – do fenótipo masculino para o feminino passou a ser oferecida SUS em 2008. Em 2010, o processo cirúrgico do fenótipo feminino para o masculino também começou a ser feito na rede pública de saúde. A espera, no entanto, pode levar mais de 20 anos, e apenas uma parcela da população trans com interesse é atendida.

O ano de 2018, além de marcar os 40 anos de luta por direitos LGBT também algumas conquistas importantes para pessoas trans. Neste ano, o nome social – aquele que pessoas transexuais e travestis, por exemplo, usam para se identificar – começa a ser aceito nas escolas e pode ser incluído no título de eleitor, mesmo sem a alteração do registro civil. Também neste ano foi autorizada, pelo Supremo Tribunal Federal, a alteração do nome no registro civil sem a necessidade de cirurgia de redesignação sexual.

Fonte: Huffpost Brasil, por Leda Antunes. Foto: Reprodução/A História do Movimento LGBT Brasileiro

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