História mostra que há um passado tenebroso no Future-se
João Batista da Silveira*
‘Não é de hoje que o sistema capitalista compreendeu que a mercantilização do Ensino Superior é extremamente lucrativa’
Controle da administração universitária, exílio de professores, comprometimento da qualidade da educação pública — aliado à ruptura de um modelo econômico de distribuição de renda atrelada ao arrocho salarial —, perda de qualidade na formação dos educadores, mudança curricular — com a retirada de disciplinas cruciais para o desenvolvimento da reflexão crítica. Tudo isso se deu como resultado da pressão do governo ditatorial que se instaurou em 1964 sobre o Ensino Superior, particularmente na área das humanidades, mas poderia muito bem se referir a hoje.
Naquela época, a reforma universitária introduziu no país o programa conhecido como MEC-Usaid, fruto de um acordo entre o Ministério da Educação e a Agência para o Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos da América. O principal objetivo era de quebrar a estrutura universitária então existente e substituí-la por outra baseada na fragmentação e na pulverização.
A mudança em questão consistiu na desintegração das faculdades e departamentalização dos cursos. Desse modo, um pequeno grupo de professores passava a ter o controle sobre a totalidade do departamento e sobre as decisões. Uma das intenções era desmantelar a unidade e o consequente debate ideológico, o que também esteve presente na suspensão de diretórios acadêmicos, no fechamento dos diretórios centrais dos estudantes até culminar no fechamento da própria União Nacional dos Estudantes (UNE), passando inclusive pela demolição do prédio que servia de sede à entidade. Além disso, é significativo lembrar que a reforma do ensino superior aconteceu justamente em 1969, quando os governos militares se tornaram mais fechados, após o Ato Institucional Nº 5, baixado em dezembro de 1968.
Havia ainda um outro propósito. Em 2014, quando dos 50 anos do golpe de 1964, a revista Conteúdo, editada pela Contee, entrevistou a pedagoga Patrícia Trópia, doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), sobre os impactos da ditadura sobre a educação. Segundo a pesquisadora, os acordos MEC-Usaid visavam estabelecer convênios de assistência técnica e cooperação financeira à educação brasileira, desde a educação primária ao Ensino Superior.
A questão é que a tal ‘ajuda técnica’ aos governos militares tinha, na realidade, um objetivo mais sistêmico e político: o de fornecer as diretrizes políticas e técnicas para uma reorientação do sistema educacional brasileiro à luz das necessidades do desenvolvimento capitalista internacional. Foi precisamente nessa época que houve uma ampliação acentuada do Ensino Superior privado, sustentado a partir do mesmo apoio ideológico dado à ditadura pela classe média. Em síntese, de acordo com Patrícia Trópia, a educação na ditadura levou ao aumento da dependência entre educação e mercado de trabalho, à racionalização do sistema educacional, ao avanço do ensino pago, à profissionalização do Ensino Médio e ao controle político-ideológico por meio tanto do rebaixamento da formação de professores quanto das reformas curriculares.
Não é de hoje, portanto, que o sistema capitalista compreendeu que a mercantilização do Ensino Superior é extremamente lucrativa — e a Contee denuncia isso há décadas. Tampouco é novidade que os ataques às universidades passem pela perda de sua autonomia, pela perseguição à livre organização e à formação política e por um suposto “acordo” de cooperação com o capital privado. É o que acontece quando o atual governo nomeia reitores que não foram eleitos; quando lança via Medida Provisória uma carteira de meia-entrada como tentativa de fragilização das entidades estudantes; quando propõe um pretenso plano de financiamento das universidades federais por meio da entrada de capital privado nessas instituições — ou seja, privatização da educação pública. A história mostra que não há nada de “Future-se” nisso. É um retorno assustador ao passado e não para se aprender com ele.
*João Batista da Silveira é secretário de ensino, advogado, professor de História e membro das diretorias executivas da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), da Federação Sindical dos Auxiliares de Administração Escolar no Estado de Minas Gerais (Fesaaemg) e do Sindicado dos Auxiliares de Administração Escolar de Minas Gerais (Saaemg)