Indicação de pastor cria crise sem precedentes no Iphan

A iminente nomeação de um pastor, Tassos Lycurgo, designado para a Direção do Patrimônio Imaterial (DPI) do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), pode levar à implosão do órgão. Lycurgo é também advogado, pós-doutor em apologética cristã e professor de pós-graduação em design na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), mas não tem experiência na área, que é quem protege manifestações como o maracatu, o samba, o ofício da baiana do acarajé, os maracatus e locais sagrados para povos amazônicos, entre outros.

Pastor do Ministério da Defesa da Fé em Natal (RN), Lycurgo afirmou em seu site que uma de suas missões é “apresentar de maneira científica, histórica e filosófica razões para seguir Jesus Cristo”.

O primeiro impacto de sua nomeação se deu na feitura da mais tradicional publicação do Iphan, a Revista do Patrimônio, publicada desde 1937. Os especialistas e articulistas do patrimônio que iriam participar da edição 2020 retiraram seus textos do processo e resolveram editar a publicação fora do Iphan, uma iniciativa inédita. Uma das editoras, que é também uma das mais importantes especialistas na área no País, Márcia Sant’Ana, da Bahia, tomou uma decisão contundente em relação à questão. Ela enviou o seguinte e-mail respondendo a pergunta da reportagem:

“No último dia 05/12, ao tomar conhecimento da iminente exoneração do atual Diretor do Departamento do Patrimônio Imaterial do Iphan, Hermano Queiroz, enviei carta ao DECOF/Iphan – departamento responsável pela edição da Revista do Patrimônio – informando sobre a minha decisão de não mais organizar o n. 41 dessa revista, cujo objetivo seria celebrar os 20 anos da política de salvaguarda do patrimônio imaterial. Esta edição estava sendo também com-organizada por Hermano Queiroz e Claúdia Márcia Ferreira, Diretora do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular do Iphan.

Minha decisão deve ser vista como um ato de solidariedade e respeito ao trabalho excepcional de Hermano Queiroz à frente do DPI e também de protesto contra a nomeação para assumir este posto de uma pessoa que, embora possua diversos títulos acadêmicos, é totalmente estranha a esse campo e tem postado declarações nas redes sociais que demonstram sua inadequação para liderar essa política. Uma política que se baseia em princípios de tolerância, inclusão e participação social. Muitos bens culturais registrados no Brasil como patrimônio imaterial estão vinculados a sistemas religiosos que precisam ser respeitados e acolhidos como importantes manifestações da cultura e das distintas visões de mundo que caracterizam a sociedade brasileira.

Assim, a política de salvaguarda não pode e nem deve estabelecer hierarquias ou juízos de valor com relação a essas manifestações. As postagens e declarações do senhor Tasso Lycurgo não nos autorizam a pensar que esses princípios serão observados.

Entendo que a nomeação deste senhor para o cargo de diretor do Departamento do Patrimônio Imaterial é mais uma ação de desmonte do Iphan que, caso vá adiante, produzirá impactos negativos nesta e nas demais políticas culturais. Márcia Sant’Anna”

DESMONTE

A investida contra o patrimônio se alastra em todas as áreas do governo. Na semana passada, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, anunciou intenção de transformar em hotel um edifício do século 19, o Museu do Meio Ambiente, de crucial importância simbólica do Rio. Esse tipo de barbaridade só é possível com um amplo desmonte da capacidade técnica dos órgãos do patrimônio. Na sexta, Farofafá informou que uma gestora sem qualificação tinha sido nomeada Superintendente do Iphan em São Paulo.

Carta Capital

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