Indígenas ingressam na universidade para melhorar educação nas aldeias

Moradores de aldeias diferentes, mas com um objetivo semelhante: melhorar a qualidade da educação indígena nas localidades em que moram. Essa é a meta da maioria dos indígenas de Guajará-Mirim (RO), que consegue ingressar na Universidade Federal de Rondônia (Unir). O município possui uma população de 41 mil habitantes e cerca de 4 mil são indígenas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Meu sonho é ter o nível superior para trabalhar na aldeia. Cidade para mim é tempo limitado. É triste chegar à escola e não ter professor formado, preparado. Me formar, concluir a universidade e voltar para aldeia será uma vitória”, diz a indígena Rosana Macurap, 35 anos, da aldeia Baia da Coca, localizada na margem do Rio Guaporé, em Guajará-Mirim, estudante do segundo período do curso de letras na Unir.

Para Rosana, terceira melhor colocada no vestibular para o curso de letras, não foi difícil disputar uma vaga com candidatos não índios. “Gosto de estudar, não foi difícil fazer o vestibular. Estava preparada”, destaca a indígena que antes do vestibular já dava aulas na aldeia através do Projeto Açaí, iniciado em 1996. O projeto oferecia ensino médio profissionalizante, com licença para o magistério aos indígenas que aceitassem lecionar nas aldeias.

O sonho de Rosana é reflexo da uma vida de luta em busca dos estudos. Segundo ela, somente foi possível estudar além da quinta série, ensino oferecido na aldeia, devido ao convite de uma missionária, que a levou para morar e estudar em Belém, no Pará. Apesar da distância dos familiares, a indígena conseguiu concluir o ensino fundamental.

Remar para chegar à escola

Edimilson Oronao, 35 anos, da aldeia Capoeirinha, localizado na margem do Rio Pacaás Novas, em Guajará-Mirim é estudante de licenciatura em educação básica intercultural, curso de graduação da Unir, voltado para indígenas, com aulas semestrais no campus de Ji-Paraná, a 700 quilômetros de Guajará.

Edimilson relembra as dificuldades para concluir o ensino fundamental. “Eu precisa remar de canoa mais de uma hora, pelo Rio Pacaás Novas, até a aldeia Tanajura, onde funcionava a escola. Se não fosse meu pai falar para eu continuar estudando, teria desistido. Ele foi meu grande incentivador”, relembra Oronao, que atualmente é professor na aldeia onde mora.

“Meu sonho era ser soldado, mas fui dispensado pelo Exército. Entrei na educação porque faltava professor numa aldeia, que fica longe cerca de dois a três dias de viagem de rabeta [pequena embarcação com motor]. Encontrei muita dificuldade, não estava preparado. Por isso, pretendo me formar”, destaca Edimilson que pretende se especializar em linguística.

Professor indígena preparado

Dorival Oronao, 37 anos, da aldeia Tanajura, localizada na margem do Rio Pacaás, atualmente mora na área urbana de Guajará-Mirim, mas pretende retornar para a aldeia, quando concluir o ensino superior. Dorival também é estudante do curso de licenciatura em educação básica intercultural da Unir e trabalha na Secretaria Indígena de Ensino, órgão ligado a Representação de Ensino do Estado, em Guajará-Mirim, que faz a ponte entre as aldeias e o Governo de Rondônia.

“Estamos estudando porque quando o não indígena, que dá aula na aldeia, volta para cidade, não tem quem fique no lugar dele. A partir do momento que nos formarmos, nos especializarmos, cada um sua área: matemática, ciência, português, vamos ter professores específicos voltados para a comunidade indígena”, argumenta Dorival Oronao.

Dorival, que estudou o ensino fundamental na própria aldeia e o ensino médio através do Projeto Açaí, participou dos movimentos de reivindicação pelo direito do indígena ao acesso à universidade. Segundo ele, no início do ano 2000, o ensino superior para indígenas já era uma realidade em outros estados, apenas em Rondônia que não funcionava.

“Foi uma grande luta das lideranças indígenas para conseguir o benefício do ensino superior. Eles [Governo do estado] dificultavam, não passavam verba, não tinha quem assumisse fazer o projeto. Até que um dia, uma professora do Projeto Açaí fez um projeto, apresentou em Brasília e conseguiu que fosse aprovado pelo MEC”, relembra o indígena.

Escolas sem paredes

A preocupação com a baixa qualidade no ensino e a falta de ensino médio nas aldeias chama a atenção para o fato de que cada vez mais jovens indígenas migram para a cidade para estudar. “Longe da proteção dos pais, alguns acabam se envolvendo com drogas e álcool. Outros precisam trabalhar em troca de um teto. Eles passam por dificuldades financeiras, de moradia e até de alimentação”, alerta Dorival Oronao.

Nas aldeias, a estrutura das escolas também não é a melhor. Segundo o professor indígena Edimilson Oronao, na aldeia Capoeirinha os alunos estudam em duas salas de aula sem parede, uma coberta com telas de alumínio e outra com palhas. “Quando vem a chuva tem que parar a aula. Nos dias de sol também é muito quente. Nossa esperança é que no próximo ano o Governo construa uma escola na aldeia”, afirma.

Suruí no mestrado

Na Terra Indígena 7 de Setembro, em Cacoal, o indígena Chicoepab Suruí, 32 anos, se prepara para defender sua tese de mestrado na Universidade de Brasília (UnB), em janeiro. Chicoepab tem dois cursos superiores, teologia e gestão ambiental. A tese do suruí é sobre o uso sustentável da floresta. “Em relação à preservação das florestas da nossa aldeia, quero saber se houve alguma mudança de pensamento do nosso povo e se estão visando à alternativa econômica”, diz Chico.

Segundo o indígena, conseguir a vaga no mestrado não foi fácil. “Durante a seleção eram apenas 13 vagas, para 150 concorrentes. Consegui me classificar na oitava colocação”. O curso foi oferecido através do Programa de Desenvolvimento Sustentável de Brasília. Chico é bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq).

De acordo com a associação indígena Metareilá, Cacoal tem 1,4 mil indígenas da etnia suruí, que vivem em 25 aldeias na Terra Indígena 7 de Setembro, distante aproximadamente 60 quilômetros da cidade. Atualmente, nove indígenas estudam em faculdades do município. Pilatos Mopidgoe Suruí, 20 anos, cursa o segundo período de processos gerenciais, e diz que tem percebido as mudanças de visão educacional dos indígenas. “Há pouco tempo nós vivíamos da caça e da pesca, hoje não conseguimos mais sobreviver somente dessa forma. Com tanta tecnologia, precisamos nos reciclar para conseguirmos avançar intelectualmente”, avalia Pilatos.

Com informações do G1

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