Indígenas pressionam por reunião de urgência com Pacheco sobre marco temporal; PL deve ser votado no Senado na quarta (23)

Lideranças do segmento tentam barrar avaliação do PL 2903/2023 pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA)

Cristiane Sampaio

Lideranças indígenas intensificaram ontem (22) a mobilização política em Brasília (DF) contra a tese do marco temporal, que tem previsão de votação para esta quarta-feira (23) na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado.

Uma comitiva formada por diferentes interlocutores da chamada Mobilização Nacional Indígena, frente que reúne organizações do segmento, protocolou documento no gabinete do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), pedindo uma audiência “em caráter de urgência” com o parlamentar para tratar da proposta.

O movimento pressiona Pacheco para que as entidades sejam ouvidas a respeito do ritmo de tramitação do projeto de lei (PL) 2903-2023, como é conhecido o texto que formaliza a tese do marco temporal. Lideranças do campo disseram ao Brasil de Fato que tentam uma agenda com o presidente do Senado desde quando o PL teve o regime de urgência aprovado na Câmara dos Deputados, em maio deste ano. O texto foi aprovado na Casa em 30 de maio e chegou ao Senado no início de junho.

“Estamos aqui desde ontem fazendo essa incidência em Brasília. Viemos protocolar o documento no gabinete do presidente reivindicando que ele garanta a palavra [que deu anteriormente] de que não iria colocar o PL em votação sem passar pelas comissões”, destaca Ernestina Macuxi, do Conselho Indígena de Roraima (CIR), instância que esteve representada na comitiva.

Pacheco falou sobre o assunto à imprensa no final de maio, logo após a Câmara aprovar a urgência do texto. Na ocasião, o senador recebeu a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, para tratar do assunto. Ao falar em “cautela” e “prudência”, Pacheco sugeriu, na época, que o texto não iria ao plenário sem que fosse debatido pelos colegiados competentes para tratar do tema. O PL ainda precisa passar pelo crivo da Comissão de Constituição e Justiça, por exemplo.

“[O PL] coloca em risco a nossa vida, todos os nossos territórios e, ao final, o próprio planeta Terra. Então, estamos aqui dizendo que não concordamos, que não queremos que os senadores votem sem passar pelas comissões e queremos também o respeito à Constituição Federal porque aprovar esse PL é rasgar a Constituição, que garante os nossos direitos”, reforça Ernestina Macuxi.

Ainda como desdobramento das articulações puxadas pelas lideranças indígenas em Brasília esta semana, o segmento deverá ser recebido no final da tarde desta terça-feira (22) pelo gabinete da ministra Rosa Weber, presidenta do Supremo Tribunal Federal (STF). O grupo deverá se reunir com a assessoria da magistrada para tratar do julgamento da ação que trata do marco temporal. O assunto está em debate na Corte desde 2017 por meio de um recurso extraordinário apresentado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

Entenda

Entoada pela bancada ruralista, a ideia de um marco temporal para demarcação de territórios tradicionais consiste no entendimento de que os indígenas só poderiam ter suas áreas formalmente reconhecidas caso estivessem vivendo nesses locais ou pelo menos travando disputa por eles antes de 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a atual Constituição Federal.

A tese é duramente rechaçada por ambientalistas, entidades da sociedade civil organizada e outros especialistas nesse tipo de agenda. Eles afirmam que os direitos do segmento precisam ser garantidos sem estarem condicionados à data da promulgação da Constituição, pelo fato de as populações indígenas serem comprovadamente nativas do território que hoje se denomina Brasil e que, no passado, foi colonizado por tropas portuguesas a partir de 1500.

No documento entregue ao gabinete do senador, o movimento indígena ressalta que a tese do marco temporal bate de frente com uma série de parâmetros internacionais que asseguram direitos das comunidades tradicionais. Por essa razão, o texto foi “objeto de denúncias de organismos internacionais de direitos humanos e de parlamentares mundo afora”. O texto cita o Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), o Parlamento do Reino Unido, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos e a ONU Mulheres como exemplos de instâncias internacionais que já pediram a rejeição da proposta.

Edição: Thalita Pires

Do Brasil de Fato

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