Indústria 4.0: os empresários estão pensando no futuro. E nós?
Ao ler a publicação da CNI me lembrei de 2 livros que li faz mais de 20 anos. Em “Era dos extremos”, do historiador britânico Eric Hobsbawn, ele cunhou que o século 20 “foi breve” por tudo que aconteceu. Talvez, o século 21 seja mais breve ainda por tudo que está acontecendo. E em “O futuro dura muito tempo”, do filósofo marxista francês Louis Althusser, publicado depois de sua morte em 1990, aos 72 anos. A frase que dá título ao livro — é originalmente do estadista francês Charles de Gaulle, que liderou, em 1940, as “Forças Francesas Livres” durante a ocupação alemã na França, na 2ª Guerra Mundial —, reflete bem os tempos atuais, que o futuro não é apenas 1 estágio temporal.
Em 2017, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) divulgou excelente publicação “Relações trabalhistas no contexto da indústria 4.0”, em que expressa nas entrelinhas as orientações do setor para o mundo do trabalho. Claro, não preciso dizer que esta é a ótica do mercado e do capital sobre o fenômeno tecnológico no mundo do trabalho e suas relações.
Marcos Verlaine*
Você já ouviu falar ou já leu algo sobre a 4ª Revolução Industrial e os impactos no mundo do trabalho e nas relações trabalhistas? Se ainda não, corra, pois entender esses novos processos produtivos é imperioso para que se possa intervir nesse debate sob a ótica do Mundo do Trabalho, mas não para negar o desenvolvimento tecnológico. É sobre isto que vamos escrever/pensar. Primeiro entendendo a lógica dos donos das empresas e suas estratégias para tirar proveito desse novo fenômeno da modernidade tecnológica.
Você certamente já ouviu falar ou leu algo sobre: robótica avançada, impressão 3D, Big Data, computação em nuvem, inteligência artificial, “Internet das Coisas” (IoT) e materiais inteligentes. Pois então, a 4ª Revolução Industrial é o uso combinado de todas estas tecnologias inovadoras e como este fenômeno está sendo usado e impacta o mundo do trabalho e em suas relações laborais e de produção. Há outras, mas só trataremos destas. Leia no intertítulo “Conceitos” breve explicação dessas inovações.
É em razão dessas novas tecnologias, que o mundo do trabalho e suas relações estão mudando profundamente. A terceirização da mão de obra, que no Brasil agora se estendeu também para as atividades fins da empresa, a Reforma Trabalhista que além de introduzir novas modalidades de contratação retirou direitos históricos dos trabalhadores e tem ainda o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo em discussão no Congresso Nacional.
Todas essas mudanças não são aleatórias. Estão sendo debatidas, conduzidas e introduzidas na legislação laboral brasileira pelas transformações tecnológicas — chamada de a 4º Revolução Industrial. Em 2017, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) divulgou excelente publicação “Relações trabalhistas no contexto da indústria 4.0”, em que expressa nas entrelinhas as orientações do setor para o mundo do trabalho. Claro, não preciso dizer que esta é a ótica do mercado e do capital sobre o fenômeno tecnológico no mundo do trabalho e suas relações.
Na publicação observa-se, nitidamente, que as mudanças processadas nas relações de trabalho até então têm diretrizes e objetivos claros, na ótica do mercado e do capital, alinhado com a crescente transformação tecnológica — “a necessidade de que nossa legislação do trabalho esteja adequada e alinhada ao cenário tecnológico e sociodemográfico que se tem pela frente, para que possa absorver estas mudanças e, com isso, promover uma profícua relação entre empregado e empregador, reduzir a insegurança jurídica, estimular investimentos, gerar mais empregos e aumentar a competitividade”, expressa a “Carta de Apresentação” da publicação assinada pelo presidente da CNI, Robson Braga de Andrade.
Este trecho da “Carta” é revelador: “reduzir a insegurança jurídica, estimular investimentos, gerar mais empregos e aumentar a competitividade”.
Para “reduzir a insegurança jurídica”, o mercado está fazendo profundas mudanças nas leis laborais, como fez na Reforma Trabalhista, que transformou a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) numa “consolidação das leis patronais”, isto é, a nova lei desprotegeu os trabalhadores e passou a proteger/beneficiar os empresários.
Com legislação frouxa em relação à proteção da mão de obra, o mercado, por meio da grande mídia, reverberou que iria “estimular investimentos”, “gerar mais empregos” e “aumentar a competitividade”. Após 2 anos de vigência da Lei 13.467/17 nada disso aconteceu.
O discurso que sustentou o debate introduzido pelo mercado no governo (Temer), no Congresso e na grande imprensa que a flexibilização das leis trabalhistas iria gerar mais empregos não se concretizou (pelo menos até agora). Na verdade, o que aumentou foi a informalidade, que o mercado cinicamente chama de “empreendedorismo”. O trabalhador, diante do cenário de desemprego e pauperização, não está empreendendo, está sobrevivendo.
O resultado do desemprego, da flexibilização dos direitos e da informalidade crescente é o achatamento assustador da renda do trabalhador. E os novos contratos introduzidos pela Reforma Trabalhista são precários e oferecem, no mais das vezes, remuneração muito baixa. Assim, ao fim e ao cabo, frente a esse cenário incerto para o trabalhador viabilizar sua força de trabalho num mercado comprimido terá de preparar-se, capacitar-se e especializar-se mais, porque muitas funções e profissões tendem a ser substituídas pelas novas tecnologias.
Diante desse cenário incerto, abrangente e ainda impalpável para a grande maioria do povo e dos trabalhadores é e será preciso, repito, estudar e se preparar. Nesse sentido “O movimento sindical precisa intervir nesse cenário com inteligência estratégica e propostas alternativas de políticas públicas, não para negar o desenvolvimento científico e tecnológico, que passou a ser imperativo dos tempos atuais, mas para colocá-lo a serviço do ser humano, inclusive daquele que é vítima de desemprego decorrente da automação, da digitalização, da robótica e de outras inovações produtivas”, reflete em seu artigo, Antônio Queiroz do DIAP “A revolução tecnológica e o movimento sindical”.
Conceitos
Robótica avançada é a tecnologia que possibilita a substituição de humanos por robôs em tarefas de fabricação, bem como em alguns serviços como limpeza e manutenção.
Impressão 3D, também chamada de fabricação aditiva, é uma “família” de processos que produz objetos ao adicionar material em camadas que correspondem a seções transversais sucessivas de um modelo 3D. O plástico e as ligas de metal são os materiais mais comumente usados para impressão 3D, mas quase tudo pode ser usado — de concreto a tecido vivo.
Big Data é o termo em TI (Tecnologia da Informação) que trata sobre grandes conjuntos de dados que precisam ser processados e armazenados, o conceito do Big Data se iniciou com 3V: Velocidade, Volume e Variedade.
Computação em nuvem, sinteticamente, é o fornecimento de serviços de computação, incluindo servidores, armazenamento, bancos de dados, rede, software, análise e inteligência, pela Internet (“a nuvem”) para oferecer inovações mais rápidas, recursos flexíveis e economias de escala.
Inteligência Artificial é um ramo de pesquisa da ciência da computação que busca, por meio de símbolos computacionais, construir mecanismos e/ou dispositivos que simulem a capacidade do ser humano de pensar, resolver problemas, ou seja, de ser inteligente. O estudo e desenvolvimento desse ramo de pesquisa tiveram início na 2ª Guerra Mundial. Os principais idealizadores foram os cientistas: Hebert Simon, Allen Newell, Jonh McCarthy e vários outros, que com objetivos em comum tinham a intenção de criar um “ser” que simulasse a vida do ser humano.
“Internet das Coisas” (IoT) refere-se a uma revolução tecnológica que tem como objetivo conectar os itens usados do dia a dia à rede mundial de computadores. Cada vez mais surgem eletrodomésticos, meios de transporte e até mesmo tênis, roupas e maçanetas conectadas à Internet e a outros dispositivos, como computadores e smartphones.
Materiais Inteligentes consistem num grupo de materiais de última geração que estão sendo estudados e terão grande influência na tecnologia. São materiais que possuem uma ou mais propriedades que podem ser alterados de forma controlada por meio de estímulos externos, tais como: stress mecânico, mudanças de temperatura, ph, eletricidade, campos magnéticos, entre outros. São chamados de materiais inteligentes devido à capacidade de sentir mudanças no seu ambiente e assim responder à essas mudanças de maneira predeterminada, como também ocorre nos organismos vivos.
As 3 revoluções anteriores e a diferença para a 4ª
A 1ª Revolução Industrial correspondeu à primeira fase da Revolução Industrial, período caracterizado pelo grande desenvolvimento tecnológico iniciado na Europa e que, posteriormente, espalhou-se pelo mundo, provocando inúmeras e profundas transformações econômicas e sociais. A principal característica da 1ª Revolução Industrial foi a substituição do trabalho manual pelo uso das máquinas, em fábricas.
A 1ª Revolução Industrial iniciou-se por volta de 1760, marcando a transição de um sistema feudal para o sistema capitalista de relações e produção, e durou até meados de 1850, quando, então, iniciou-se a 2ª fase da Revolução Industrial.
A Revolução Industrial foi dividida em 3 fases, baseadas nos avanços tecnológicos alcançados e suas consequentes transformações. São essas:
• 1ª Revolução Industrial: de 1760 até meados de 1850;
• 2ª Revolução Industrial: entre 1850 e meados de 1945; e
• 3ª Revolução Industrial: meados de 1950 até os dias atuais.
A 2ª Revolução Industrial iniciou-se na segunda metade do século 19 (1850-1870), e terminou durante a 2ª Guerra Mundial (1939-1945), envolvendo uma série de desenvolvimentos no contexto da indústria química, elétrica, de petróleo e de aço.
A principal ou maior característica da 2ª Revolução Industrial foi o surgimento da máquina a vapor, que impulsionou os modais de transporte, tal como a produção de barcos a vapor e as locomotivas movidas à lenha. O chamado “motor a vapor” funcionava por meio da conversão da energia térmica; sendo que essa invenção praticamente gerou todas as mudanças relativas ao crescimento e surgimento das linhas de produção do período.
A 3ª Revolução Industrial corresponde ao período após 2ª Guerra Mundial em que o aprimoramento e os novos avanços no campo tecnológico passaram a abranger o campo da ciência, integrando-o ao sistema produtivo. Essa fase da Revolução Industrial é também conhecida como Revolução Técnico-Científica-
As principais características da 3ª Revolução Industrial são:
• utilização de várias fontes de energia (antigas e novas): petróleo, energia hidrelétrica, nuclear, eólica, etc. Passa a aumentar, principalmente a partir da década de 1990, a preocupação com a diminuição do uso das fontes de energia poluidoras e aumento da energia limpa;
• uso crescente de recursos da informática nos processos de produção industrial. A Robótica é o principal exemplo;
• diminuição crescente do emprego de mão de obra humana (principalmente em tarefas braçais), sendo substituída pelas máquinas, sistemas automatizados, computadores e robôs industriais;
• uso de tecnologias no processo de produção, visando diminuir os custos e o tempo de produção;
• ampliação dos direitos trabalhistas;
• globalização: produção de produtos com peças fabricadas em várias partes do mundo;
• desenvolvimento da Biotecnologia, ampliando a produção da indústria de medicamente e melhorando a qualidade e eficiência;
• surgimento, na década de 1970, de novas potências industriais e econômicas como a Alemanha e o Japão. Neste cenário, já na década de 1990, surge a China;
• massificação dos produtos tecnológicos, ligados aos meios de comunicação e Internet, no começo do século 21. Exemplos: telefones celulares, computadores pessoais, notebooks, tablets e smartphones; e
• aumento da consciência ambiental, a partir da década de 1980, por grande parte das indústrias, que passam a buscar processos produtivos sem ou com baixo impacto ambiental.
“Trabalho vivo” e “trabalho morto”
Talvez a diferença fundamental entre a 4ª Revolução Industrial e as 3 anteriores seja o fim, em muitos setores da economia, do “trabalho vivo” e sua substituição pelo “trabalho morto”. Isto é, a substituição de trabalhadores humanos por máquinas inteligentes capazes de trabalhar mais, com mais eficiência, a um custo infinitamente menor, com mais produtividade, gerando mais lucro.
Analistas preveem que, no auge da 4ª Revolução, as fábricas do futuro operarão apenas com os chamados sistemas ciberfísicos, que usam recursos computacionais como a IA (Inteligência Artificial) para controlar componentes físicos e aperfeiçoar processos.
Uma máquina da linha de produção, por exemplo, será capaz de prever falhas e iniciar sua manutenção de forma autônoma. Conectada a uma série de outros dispositivos por meio da chamada “Internet das Coisas” (IoT), abrirá inúmeras possibilidades para ampliar a eficiência das corporações sem a limitação das instalações físicas.
Taí, o tema é abrangente, instigante e diria até amedrontador. E não se esgota neste breve/longo artigo. É uma provocação ao Movimento Sindical, que precisa “embrenhar-se” neste debate, a fim de recuperar, em alguma medida, o tempo perdido, com propósito de contribuir para que a legislação laboral, diante da 4ª Revolução, não seja alterada para atender “a necessidade de ajustes na legislação trabalhista brasileira”, apenas pela lógica do mercado e do capital.
(*) Jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap