Inflação dos combustíveis gera ‘corrida de propostas’ no Congresso; veja detalhes dos textos
Área econômica do governo defende corte modesto de impostos, mas projetos em tramitação propõem medidas mais amplas. Textos incluem gás, energia elétrica e até auxílio a caminhoneiros
A disparada no preço dos combustíveis e do gás de cozinha fez com que, nas últimas semanas, integrantes do governo e parlamentares protagonizassem uma “corrida” de apresentação de propostas no Congresso Nacional.
Os textos sugerem diferentes medidas para evitar que os múltiplos fatores que pressionam a inflação desse setor sejam repassados ao consumidor final – e que, com isso, os preços fiquem ainda maiores.
Pelo menos duas propostas de Emenda à Constituição (PECs) e dois projetos de lei sobre o tema estão em discussão simultânea no parlamento. Até esta sexta-feira (4), ainda não era possível cravar qual das propostas vai avançar no Congresso.
A ideia de aprovar novas regras para reduzir o preço dos combustíveis partiu do próprio governo – que, entre outras coisas, teme o impacto negativo da inflação na campanha de reeleição do presidente Jair Bolsonaro.
A equipe econômica, no entanto, defende um texto bem mais “modesto” que as propostas na mesa até o momento. Técnicos do Ministério da Economia defendem reduzir, ou até zerar, apenas os impostos que incidem sobre o óleo diesel e o gás de cozinha.
Parlamentares e integrantes da “ala política” do governo, no entanto, defendem propostas mais amplas – que também permitem derrubar a zero os impostos sobre a gasolina e o etanol. A ideia tem a simpatia da Casa Civil de Bolsonaro, por exemplo, como informou a colunista do g1 Ana Flor.
Há congressistas que vão além e propõem ainda mais: auxílio a caminhoneiros e criação de um fundo de estabilização do preço dos combustíveis.
Em comum, todas as opções driblam a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) ao permitir que impostos sejam reduzidos ou zerados sem medida de compensação — redução de alguma despesa ou aumento de outro imposto.
As propostas em análise também ultrapassam o tema dos combustíveis e do gás de cozinha e incluem os chamados “tributos extrafiscais” (que têm outras funções além de encher os cofres públicos). Está na mira, por exemplo, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), ideia que partiu do próprio governo.
Se aprovadas, as propostas vão contribuir para aumentar o rombo nas contas públicas em 2022, já que União, estados e municípios poderão abrir mão de arrecadação. O Orçamento sancionado já prevê déficit de R$ 79,3 bilhões para a União.
Para o economista e tributarista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), a disparada no preço dos combustíveis é fruto da alta das cotações do petróleo no mercado internacional e da desvalorização do câmbio, e não, dos impostos que são cobrados.
“A tributação é responsável pela alta do preço dos combustíveis? Não. Os governadores congelaram o ICMS desde novembro do ano passado e o PIS/Cofins já faz muito tempo que é um valor fixo por litro”, afirma.
Appy acrescenta que, enquanto o mundo inteiro está migrando para tributar mais combustíveis fósseis, o país discute ir na direção inversa.
O economista diz, ainda, que faria sentido do ponto de vista tributário fazer uma mudança estrutural na cobrança do ICMS – um tema que não é encarado por nenhuma das propostas em tramitação.
PEC na Câmara
O deputado Christino Áureo (PP-RJ) apresentou na quinta-feira (3) uma PEC para zerar os impostos que incidem sobre combustíveis e o gás de cozinha, além das alíquotas do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI), tudo sem precisar de compensação.
A colunista do g1 Ana Flor apurou que o texto foi costurado com a área política do governo e com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), embora desagrade a área econômica.
Para começar a tramitar oficialmente na Câmara, o texto ainda precisa do apoio de 171 deputados.
Os principais pontos da PEC são:
- permitir que União, estados e municípios reduzam ou zerem impostos sobre os combustíveis (diesel, etanol e gasolina) e o gás de cozinha em 2022 e 2023 sem medida de compensação;
- permitir que União, estados e municípios reduzam as alíquotas de quaisquer tributos de caráter extrafiscal, como o IPI, o IOF e a Cide, nos anos de 2022 e 2023 sem necessidade de compensação.
A equipe econômica calcula que somente a desoneração dos combustíveis custaria em torno de R$ 54 bilhões anuais.
Projetos no Senado
O senador Jean Paul Prates (PT-RN) é relator de dois projetos em tramitação no Senado que buscam diminuir o preço do combustível.
Um dos textos cria um fundo de estabilização do preço do petróleo e derivados, que seria abastecido por um novo imposto a incidir sobre a exportação do petróleo bruto. O projeto conta com o apoio do Fórum Nacional dos Governadores.
Os principais pontos do projeto são:
- criar o “Programa de Estabilização”, uma espécie de “conta de compensação” para ser usada para atenuar o reajuste do preço dos combustíveis ao consumidor final. O governo ficará responsável por estabelecer os parâmetros que vão disparar o uso da conta;
- financiar o programa, principalmente, a partir da criação do Imposto de Exportação incidente sobre o petróleo bruto. As alíquotas são progressivas, e serão aplicadas a partir do momento que o preço do barril de petróleo ultrapassar US$ 45. As alíquotas variam de 2,5% a 20%.
Além desse novo tributo, o fundo de estabilização poderá ser abastecido, segundo a proposta, com:
- dividendos da Petrobras;
- parcela da União na exploração de óleo e gás no regime de partilha de produção e de concessão;
- resultado positivo apurado no balanço semestral do Banco Central com as reservas cambiais, e
- eventuais superávits do governo central.
O texto foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado e está à espera de análise do plenário.
O outro projeto relatado por Prates muda a cobrança sobre o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre combustíveis, estabelecendo valores fixos, definidos em lei estadual. O texto ainda não teria o apoio dos governadores.
PEC no Senado
O senador Carlos Fávaro (PSD-MT) apresentou na sexta-feira (4) uma PEC para tentar minimizar os efeitos da alta dos combustíveis.
A proposta é ainda mais ampla que a deu seus pares, ao criar um auxílio diesel a caminhoneiros e ao permitir que os impostos sobre a energia elétrica sejam zerados.
Para começar a tramitar oficialmente no Senado, o texto precisa do apoio de 27 senadores – o que já foi alcançado, segundo a assessoria de Fávaro. A equipe econômica é contra, devido ao alto impacto fiscal.
Os principais pontos da PEC projeto são:
- permitir que União, estados e municípios reduzam ou zerem impostos sobre diesel, biodiesel, gás e energia elétrica em 2022 e 2023 sem precisar de medida de compensação;
- permitir que União, estados e municípios reduzam as alíquotas de quaisquer tributos de caráter extrafiscal, como o IPI, o IOF e a Cide, nos anos de 2022 e 2023 sem necessidade de compensação;
- permitir que a União crie um auxílio diesel mensal de até R$ 1,2 mil para caminhoneiros autônomos, fora do teto de gastos;
- permitir que a União suba de 50% para 100% o subsídio pago às famílias de baixa renda para a compra do gás de cozinha;
- repassar R$ 5 bilhões para os municípios injetarem no setor de transporte público.
O dinheiro para bancar o auxílio a caminhoneiros, o repasse ao municípios e o vale-gás viria, segundo a proposta, de:
- recursos do pré-sal;
- dividendos distribuídos pela Petrobras, e
- eventuais leilões do pré-sal na área conhecida como “cessão onerosa”.