Inflação sobe e custo de vida dobra em junho para consumidores de renda mais baixa
A empregada doméstica Luciene Ferreira, moradora de Queimados, na região metropolitana do Rio de Janeiro, tem feito compras em um supermercado popular no bairro de Copacabana, onde trabalha, e carregado as sacolas no transporte público até a sua casa. Ela afirma que lá encontra algumas promoções que não acha perto de seu bairro.
“Está tudo muito caro, é absurdo. Tenho deixado de comprar, principalmente carne. Até os legumes que estão muito caros, tem que ficar procurando promoção. Os legumes entram na promoção quando estão começando a ficar; aí eu compro. Mas a carne não tem jeito”, lamentou.
Já Elisângela Lima, que vive na periferia de São Paulo, reclama que não tem conseguido fechar as contas com o salário que recebe como gari. “Está tudo mais caro. Antes, um pacote de cinco quilos de arroz custava 5 reais, agora é 10, tem até de 18. Feijão, que antes o quilo era de 1 real, agora chega a 7 reais. As coisas aumentam, mas o salário que é bom nada. Quando aumenta um pouquinho, os preços vão lá para cima”, disse.
No caso da professora Kátia Rejane Lopes, moradora de Ouricuri, no sertão pernambucano, o preço que tem mais impactado no orçamento tem sido o do botijão de gás. Ela afirma que, na região, os moradores têm trocado o botijão e o gás encanado por fogão a lenha.
“A gente consegue sentir na pele. Quando tem uma crise, uma dificuldade no país, normalmente quem sofre primeiro são as classes desfavorecidas, as mulheres, os jovens, o Nordeste. Se você for pensar, o que você comprava há um ano com determinada quantidade de dinheiro, hoje você não consegue mais comprar. Do golpe para cá aumentou bastante. O gás era 50 reais e agora está por 85 reais. Aqui na região estão até vendendo fogões à lenha adaptados para a cidade”, contou.
Custo de vida deve subir ainda mais
As três mulheres ouvidas pelo Brasil de Fato revelam os impactos do aumento no custo de vida e da inflação na rotina dos brasileiros em diferentes estados. Nesta semana, diversas pesquisas, índices e anúncios do governo expuseram que essa situação continuará se intensificando nos próximos meses.
Divulgado nesta sexta-feira (6) o IPCA, índice oficial de inflação do país, cresceu para 1,26%, a maior alta para o mês de junho desde o ano de 1995. Considerando todos os meses do ano, foi o maior índice desde janeiro de 2016.
Já a pesquisa do Índice do Custo de Vida do município de São Paulo, produzido pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), e também divulgada na sexta-feira, mostrou uma variação de 1,38% de maio para junho. No último ano, o custo de vida na região aumentou em 4,24%.
Outro estudo, divulgado na quinta-feira (5) pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre FGV), mostrou que o Índice de Preços ao Consumidor – Classe 1 (IPC-C1), que abrange famílias que ganham até 2,5 salários mínimos por mês, teve um aumento de 0,60% para 1,52% entre maio e junho deste ano, indicando que a inflação para os mais pobres teve sua maior taxa desde janeiro de 2016.
A queda na inflação vinha sendo uma das principais bandeiras do governo de Michel Temer (MDB), que comemorou, na virada de 2018, a inflação anual em 2,95%, abaixo do piso estipulado de 3%. De acordo com o economista Pedro Lapa, no entanto, a inflação relativamente baixa do governo Temer vem no mesmo cenário de uma austeridade fiscal.
“O governo não investe, os empresários não investem, e a inflação apenas assegura o ganho financeiro e não a atividade produtiva. O que a gente tem encontrado, a partir da solução conservadora, é inflação baixa e atividade produtiva baixa. Para quem pode corrigir os preços, ela não representa ameaça, mas para quem compra é sempre uma perda”, afirmou.
Preços administrados
A recente alta na inflação e no custo de vida tem sido justificada por veículos de imprensa, como os jornais Valor Econômico e Folha de S. Paulo,como uma consequência da paralisação dos caminhoneiros, que aconteceu na última semana do mês de maio. Para Lapa, no entanto, o principal culpado é a política de aumento dos preços administrados, caracterizados pelos preços fixados pelo Estado, como o GLP (gás liquefeito de petróleo), a luz, o álcool, o diesel e as tarifas de transportes públicos.
“Eu acho que a greve dos caminhoneiros foi muito importante e teve uma influência grande no funcionamento da economia, mas não acredito que seja responsável por essa variação. Isso porque, tanto as estruturas produtivas quanto comerciais estão na mão de um número muito pequeno de grandes corporações. Parte do preços são administrados pelo Estado e outra parte por grandes corporações. Nesse sentido podemos afirmar que o consumidor é um expectador do aumento de preços”, afirmou o economista.
A Petrobras anunciou na quarta-feira (4) um aumento de 4,4% no preço médio dos botijões de até 13 kg, para uso residencial, o chamado gás de cozinha. A alta é sobre o preço cobrado nas refinarias, e já começou a valer no dia seguinte do anúncio. Desde o início deste ano, a estatal passou a adotar uma regra de reajuste trimestral para o GLP. Desde outubro de 2016, a Petrobras adotou o pareamento de GLP com os preços internacionais, política que vem sendo amplamente criticada pelos petroleiros.
Em nota, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) destacou que a atual ordem da Petrobrás é reduzir o processamento das refinarias e comprar GLP do mercado estrangeiro. A FUP também anunciou uma greve de abastecimento, principalmente do Nordeste, região mais afetada.
“O governo Temer está desabastecendo o país com essa política de desmonte que reduziu a carga das refinarias e elevou os preços dos combustíveis e do gás de cozinha, obrigando milhões de brasileiros a voltarem a cozinhar com lenha e carvão. Nossa greve é para que as refinarias voltem a operar com carga máxima, e a Petrobrás, a cumprir a sua missão”, destaca a nota.
Conta de luz mais cara
Paralelamente, também nesta semana, A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) comunicou que a conta de luz dos brasileiros ficará ainda mais cara em julho, já que a bandeira tarifária vermelha patamar 2, nível mais alto dentro do sistema criado para sinalizar aos consumidores os custos da energia, será mantida. Com a bandeira nesse nível, os consumidores terão que pagar 5 reais a mais a cada 100kWh (quilowattz-hora) de energia elétrica consumido. Com a chegada do inverno e seus dias mais curtos, o aumento da demanda por energia tende a prejudicar ainda mais as contas. Já nas cidades da região metropolitana de São Paulo, a AES Eletropaulo divulgou um reajuste médio de 15,84% nas tarifas de energia a partir da quarta-feira (4).
De acordo com a economista Patrícia Lino Costa, responsável pela pesquisa do ICV no Dieese, os preços administrados e seus constantes aumentos representam a maior preocupação para o custo de vida.
“Quando olhamos para a inflação e vimos ela tão baixa a sensação que dá, e o que o governo coloca, é que o brasileiro está ganhando poder de compra. Mas a inflação está baixa porque é uma média. Quando você abre esse número, vê que os preços administrados sobem muito acima da inflação, em patamares de 20%. Se a população tem uma renda limitada e gasta mais da metade dela apenas para pagar os serviços essenciais, sobra muito pouco para comer, para viver. Em algumas capitais, as famílias de baixa renda gastam 40% de sua renda apenas para comprar um botijão de gás, como você vive assim?”, questionou.
Para Pedro Lapa, além da política de preços, a ameaça de privatização do setor energético no país colabora para a instabilidade dos preços. “No último caso você tem uma mudança na tarifa mas também tem o anúncio e um forte processo de privatização. Então estamos vendo uma transição de uma política pública de preço para energia para uma política privada’, afirmou.
Cesta básica
O aumento dos preços administrados impactam, direta e indiretamente, em diversos serviços, como a produção de alimentos, o que impacta nos custos do cidadão. Lançada na quinta-feira (5), a Pesquisa Nacional de Cesta Básica de Alimentos do Dieese, que mede a variação da cesta básica em 20 capitais brasileiras, mostrou um aumento nos alimentos pelo segundo mês consecutivo. Em junho, houve uma elevação do conjunto de alimentos essenciais em 16 capitais. Em maio, a cesta básica mais cara era a do estado do Rio de Janeiro, custando R$446,03, o que representa 50,82% do salário mínimo. Já no mês de junho, a cesta básica em Porto Alegre ficou em primeiro lugar na lista (R$452,81), seguida por São Paulo (R$451,63) e o estado fluminense (R$445,58).
De acordo com a economista Patrícia Lino Costa, com o alto preço dos alimentos e a alta taxa de desemprego — são 13 milhões de desempregados e um crescimento de 6% do trabalho informal, de acordo com dados divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 29 de junho — as famílias brasileiras estão precisando substituir os hábitos de consumo para fechar as contas no fim do mês.
“Para as famílias de baixa renda, a estratégia de sobrevivência está ficando cada vez mais complicada, porque você não gera empregos de longa duração, e sim intermitentes, então não dá a segurança para a família conseguir o crédito, e de outro lado, a renda do cotidiano é gasta toda para pagar preços administrados. Elas vêm em processo de empobrecimento. Você tem a opção da substituição de alimentos, mas com isso, há uma queda na qualidade da própria vida dos brasileiros, que vão se alimentar mal, menos e com produtos mais baratos que são pagos depois de que todos os preços administrados são pagos”, afirmou.
O economista Pedro Lapa conclui afirmando que “o golpe tornou a cesta básica mais cara e menor para o cidadão, e em muitos casos, prendeu muitos brasileiros na pobreza”.