Integração latino-americana e caribenha: o papel das organizações sindicais dos trabalhadores em educação
O artigo abaixo, escrito pela coordenadora da Secretaria de Políticas Internacionais da Contee, Maria Clotilde Lemos Petta, é o primeiro de uma série de textos que visam subsidiar e aprofundar o tema das relações internacionais em várias frentes – sindical, trabalhista e educacional – na América Latina. Não deixem de ler e refletir!
#SoyLatino#VivaLaIntegracion
Por Maria Clotilde Lemos Petta*
A integração dos povos latino-americanos e caribenhos, um sonho acalentado pelos grandes líderes das guerras da independência, está avançando na ultima década. Importantes iniciativas de integração solidária têm possibilitado aos países da região uma inserção mais soberana no cenário internacional. Essas mudanças em curso colocam novos desafios para o movimento sindical classista. É necessário que as organizações sindicais assumam papel protagonista na luta por uma integração mais profunda e abrangente, que seja estabelecida além das relações econômicas.
Neste contexto, torna-se fundamental um maior aprofundamento acerca do papel das organizações sindicais dos trabalhadores em educação no processo de integração soberano e solidário entre os países da América Latina e do Caribe. Nesse sentido, os trabalhadores têm construído experiências de luta contra a ofensiva neoliberal, pautando a educação como estratégica no processo de integração latino-americano a caribenho. A reflexão sobre essas experiências, que precisam ser estudadas e analisadas, é fundamental na construção de plataformas unitárias.
O grande desafio é uma maior articulação de ações que visam superar o programa das políticas educacionais neoliberais implementadas na América Latina durante os anos 90 e que têm continuidade neste início de século. Este artigo, que pretende ser o primeiro de uma série sobre esta questão, objetiva abordar de forma inicial e pontual a pauta aprovada nos recentes encontros de trabalhadores em que a Contee esteve presente. Nossa Confederação, no seu último Congresso, criou a Secretaria de Políticas Internacionais visando uma maior inserção no movimento internacional. Nesse sentido, é filiada à Federação Internacional Sindical dos Educadores (Fise) – vinculada à Federação Sindical Mundial (FSM) –, à Internacional da Educação (IE) – vinculada à Confederação Sindical Internacional (CSI) – e à Confederação dos Educadores Americanos (CEA).
Iniciamos nossa análise abordando os encontros realizados pela Internacional da Educação para a América Latina (Ieal). Essa organização lançou em 2010 um movimento denominado Movimento Pedagógico Latino-Americano, a ser desenvolvido pelas entidades filiadas à IE. Esse movimento se propõe a articular as organizações da América Latina em torno da defesa de uma educação que seja integral, libertadora, inclusiva, solidária, com equidade de gênero, laica, gratuita e garantida pelo Estado como um direito social. Com esse objetivo, tem realizado uma série de encontros regionais, sub-regionais e nacionais que passaram por países como Brasil, Argentina, Uruguai, Colômbia, Equador, Chile, Bolívia, Guatemala, El Salvador, Costa Rica e República Dominicana. O objetivo é a elaboração de propostas alternativas que gerem políticas públicas de educação para cada país, com o intuito de avançar rumo à qualidade da educação latino-americana.
Nesse marco, foi realizado em setembro de 2013, na cidade de Recife, Porto de Galinhas, o segundo encontro do Movimento Pedagógico Latino-Americano. Esse encontro foi organizado pela Comissão Regional de Educação Internacional da América Latina, presidida por Hugo Yaski, dirigente sindical da Central dos Trabalhadores Argentinos (CTA). Na abertura do encontro, Hugo salientou a importância da integração do continente, da união de todos os sindicatos e movimentos democráticos e populares e o objetivo comum, que é a construção horizontal de mais liberdade para o povo latino-americano. Para isso, a escola não pode replicar a ideologia do individualismo e da desigualdade, tampouco aceitar como natural a pobreza. Fátima Silva, vice-presidenta da Ieal e secretária de relações internacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), na sua fala, reforçou a necessidade de que os sindicatos da educação da América Latina sejam protagonistas nas mudanças educacionais na América Latina e no Caribe.
Esse segundo encontro reafirmou os princípios do movimento e aprovou resoluções que apontam para uma proposta pedagógica conjunta que possibilite a unidade de ações, visando negociações com os governos de cada país. A Contee contribuiu com os debates com um documento no qual explicita suas propostas referentes à questão educacional. Neste documento, em síntese, a Contee compartilha as lutas e bandeiras dos trabalhadores em educação do setor privado por uma educação verdadeiramente democrática. Considera que o fortalecimento da educação pública e a regulamentação da educação privada são pontos primordiais no projeto democrático de educação.
A Ieal busca também a consolidação e articulação do setor da educação superior no Movimento Pedagógico Latino-Americano. Para isso, tem buscado articular uma rede latino-americana de organizações sindicais de educação superior, na construção coletiva de uma proposta que documente sua visão sobre o projeto latino-americano de educação superior pública de qualidade, gratuita e com sentido social.
Com esse objetivo, tem realizado encontros anuais, que reúnem professores universitários de vários países. No primeiro encontro, realizado em Buenos Aires, no ano de 2009, foi aprovada uma carta de compromisso que sintetiza o diagnóstico sobre a educação superior dos países da América Latina e aponta os desafíos para a unificação das ações. Há consenso de que a mercantilização da educação superior é um problema comum, que ameaça agravar-se inclusive nos países com governos progressistas. Decorre daí a necessidade de as organizações sindicais serem parte ativa da construção de políticas públicas que sustentem uma estratégia de defesa e fortalecimento da educação superior pública e da universidade pública e democrática. Nessa perspectiva considera-se que o desafío colocado é elaborar propostas e interferir na definicão de políticas públicas capases de reconstruir os sistemas de educação superior públicos e reorientar a atividade de nossas universidades, promovendo uma integração acadêmica entre as nações da região, sobre a base de cooperação, solidariedade e busca de um horizonte comum para a emancipaçao dos povos latino-americanos .
Esses princípios e propostas têm sido reafirmados nos encontros seguintes. Neste ano, em Porto Alegre, no final de abril, ocorreu o V Encontro das Organizações Sindicais de Educação Superior da América Latina e Caribe. Esse encontro, o primeiro realizado no Brasil, foi promovido pela Federação de Sindicatos de Professores de Instituições Federais de Ensino Superior (Proifes-Federação), pela Contee e pela CNTE, entre outras entidades sindicais, com o apoio do Sindicato dos Professores das Instituições
Federais de Ensino Superior de Porto Alegre (ADUFRGS-Sindical) e do Sindicato dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS). Um dos temas de grande destaque no encontro foi o papel das universidades, sobretudo as públicas, no proceso de integração latino-americano. “Devemos avançar na construção de universidades mais democráticas e inclusivas na América Latina e é hora de definirmos estratégias de trabalho para todo o continente”, afirmou Carlos De Feo, secretário de Relações Internacionais da Federação Nacional de Docentes Universitários da Argentina (Conadu) e coordenador da Comissão de Educação Superior da Ieal.
A Contee tem integrado a delegação brasileira juntamente com diretores do Proifes e representantes de diversas associações de docentes de universidades federais brasileiras. Como uma das entidades organizadoras do encontro, a Contee teve uma participação destacada, integrando várias mesas de debates, contribuindo para que os participantes de outros países tivessem uma maior compreensão do atual quadro de financeirização da educação no Brasil. Além dos encontros proporcionarem um intercâmbio de ideias a respeito da realidade dos países da América Latina, verifica-se em comum a preocupação com problemáticas relacionadas com o processo de mercantilizarão e com o futuro da integração regional das universidades latino-americanas.
Encerro este artigo citando uma fala da coordenadora-geral da Contee, Madalena Guasco Peixoto, na abertura do quinto encontro, que considero sintetizar os desafios principais colocados por esses encontros. Na sua fala, ressaltou a importância da troca de experiências entre as entidades que representam os trabalhadores e trabalhadoras do setor em toda a América Latina, mas, mais do que isso, “a possibilidade, oferecida pelo encontro, de construção efetiva de políticas que assegurem a educação como instrumento de transformação social, desenvolvimento e soberania para os países do continente”. Sem dúvida, este é o grande desafio.
*Maria Clotilde Lemos Petta é diretora do Sinpro Campinas e Região e coordenadora da Secretaria das Políticas Internacionais da Contee