Isto não é uma eleição
Havia um burburinho, uma espécie de sussurro no ar, uma dúvida: após o golpe parlamentar-jurídico-midiático de 2016, as eleições de 2018 se realizariam? As forças que orquestraram aquele golpe devolveriam tão rápida e facilmente a decisão às mãos da sociedade, por meio de eleições diretas?
A resposta que vemos hoje é sim, mas também é não. Estamos às vésperas do segundo turno das eleições mais importantes desde o pleito de 1989 e que em muito se assemelha a ele pela quantidade de candidatos (inferior à de 29 anos atrás, é claro, mas ainda assim significativa), pela comoção social e pelas forças em disputa — incluindo, até mesmo, a ressurreição da metáfora do “caçador de marajás” com a qual Fernando Collor de Mello se elegeu naquele ano. No entanto, esta eleição direta atual, fruto da luta de toda uma geração, é trespassada de várias indiretas: a da disseminação das fake news, a da distorção de informações, a da ausência de debate. Discursos indiretos e sub-reptícios articulados para falsear a realidade e interferir na escolha de grande parte do eleitorado, tirando-lhe, ainda que ele não perceba a manipulação, o direito e a possibilidade de avaliar e decidir por si mesmo. Isso sem falar da cassação da liberdade de expressão de instituições, como as universidades, por uma Justiça Eleitoral que, com seu ato de considerar material antifascismo como propaganda irregular, não só atesta, mas se conluia àquilo que temos denunciado há tempos: uma das candidaturas em disputa é fascista.
Se isso não é suficiente para compor um cenário surrealista, estamos como diante de um quadro de Magritte e seu “Ceci n’est pas une pipe” (ou “Isto não é um cachimbo”). Isto que vivemos hoje não é uma eleição. É o simulacro de uma. É um plebiscito. Como destacou a Contee em nota pública divulgada no último dia 17, “Os projetos de Haddad e Bolsonaro são antagônicos. De um lado, a defesa da democracia, da inclusão e dos direitos sociais. No lado oposto, o fascismo, as figuras que se fizeram notáveis pela ignorância, difusão de mentiras (fake news), pela violência, pela crueldade, pela estupidez, pelo que existe de sórdido na natureza humana”. Portanto, não estamos perante uma opção entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro, nem entre PT e PSL, nem entre esquerda e (extrema) direita. É uma escolha, como já salientado antes pela Confederação, entre democracia e autoritarismo. Entre civilização e barbárie.
Há uma frase de Brecht que afirma que “continuemos a nos omitir da política é tudo o que os malfeitores da vida pública mais querem”. E, se numa eleição normal, os votos nulos e brancos, ou mesmo as abstenções, podem até ser interpretados como protesto, num plebiscito eles representam apenas um lavar de mãos, uma omissão, uma indiferença. E a indiferença aperta gatilhos, esgana pescoços nos porões, mata pessoas.
Quando pressionarmos o botão verde na urna no domingo (28), que nossos dedos não estejam assinando a retirada de mais direitos trabalhistas e sociais, que não estejam rasgando livros, que não estejam se fechando ao redor de armas, que não estejam torturando gente. Que, pelo contrário, nossas mãos estejam estejam trabalhando pela redução das desigualdades, que estejam defendendo a democracia e a liberdade.
Não abramos mão de nosso direito de escolha enquanto ele ainda existe. Pelos direitos sociais, pela educação, pela democracia, pela liberdade, pela civilização, pela humanidade, o voto no domingo é em Haddad, é 13.
Por Táscia Souza