JBS e “reforma trabalhista”

O encadeamento dos fatos conduz, razoavelmente, à conclusão de que o Grupo de Pesquisa de Direito do Trabalho do IDP, liderado pelo presidente do TST, coordenado por juízes auxiliares da presidência do TST, secretariado pela secretária-geral do Conselho Superior da Justiça do Trabalho – também presidido pelo ministro Ives -, produziu subsídios para a reforma trabalhista, que foram integralmente acolhidos pelo relator da matéria na Câmara dos Deputados, havendo suspeita de que até as emendas apresentadas ao relator tenham saído do gabinete da presidência do TST. O mais grave: tudo financiado pela JBS, que repassou ao IDP mais de R$ 2 milhões, nos últimos dois anos.

Hugo Cavalcanti Melo Filho*

O Jornal Folha de S.Paulo noticiou, na edição de ontem [quarta-feira, 14], que o grupo J&F, controlador da JBS, patrocinou iniciativas do IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público, ao qual destinou, nos últimos dois anos, mais de R$ 2 milhões. Como é notório, o ministro Gilmar Ferreira Mendes é um dos sócios do IDP.

De acordo com a Folha de S.Paulo, o Instituto informou que os recursos foram destinados a cinco eventos, além do suporte a um grupo de estudos em Direito do Trabalho e cursos gratuitos para a comunidade.

Para além das já noticiadas relações do ministro Gilmar Mendes com os sócios da JBS, a reportagem chama a atenção por outro aspecto: o financiamento, com dinheiro da JBS, do grupo de estudos em Direito do Trabalho.

Na página do IDP na Internet, obtêm-se as informações de que o Grupo de Pesquisa de Direito do Trabalho foi lançado em 30 de junho de 2016, sob a coordenação do presidente do TST, ministro Ives Gandra Filho, para, segundo a apresentação ali feita, a produção de estudos e artigos temáticos, realização de seminários, “buscando encontrar soluções para os problemas que ora são mais cruciais na seara laboral, passíveis de embasar projetos de lei ou ser supedâneo para decisões judiciais”.

Além dos ministros Gilmar e Ives, figuram como coordenador do Grupo e como professores orientadores três juízes do Trabalho que, coincidentemente, são juízes auxiliares da presidência do TST, afastados da jurisdição. Outra coincidência: a Secretaria-Executiva do Grupo de Pesquisa coube à mesma senhora que é secretária-geral do CSJT – Conselho Superior da Justiça do Trabalho, também presidido pelo ministro Ives.

É muito importante examinar as linhas de pesquisa do Grupo, no campo do Direito Material do Trabalho, retiradas da página do IDP:

“A) Direito do Trabalho

– A extração de novos direitos trabalhistas a partir da exegese do ordenamento jurídico vigente à luz dos princípios constitucionais e laborais – baseado em levantamento de que direitos trabalhistas têm sido criados ou ampliados pela jurisprudência do TST invocando princípios constitucionais ou legais próprios do Direito do Trabalho e seu impacto na empregabilidade.

– Um marco regulatório seguro para o fenômeno da terceirização – perquirindo-se sobre quais seriam os parâmetros justos para se disciplinar o fenômeno da terceirização, inclusive no setor público.

– As micro e pequenas empresas e o Direito do Trabalho – perquirindo sobre que reformas trabalhistas seriam necessárias para não comprometer a existência e funcionamento das micro e pequenas empresas, especialmente em contexto de crise econômica.

– O tempo à disposição do empregador e sua remuneração – estudo para aperfeiçoar o conceito, hipóteses, efeitos e remuneração do período não laborado do trabalhador.

– O Direito e a Justiça do Trabalho e a empregabilidade – partindo do levantamento de que encargos sociais as empresas mais reclamam como entraves à competitividade e empregabilidade, para subsidiar eventuais reformas trabalhistas.

B) Direito Sindical

– Os meios alternativos de composição de litígios na seara trabalhista – analisando a jurisprudência e a realidade fática atual, para verificar como inserir adequadamente na seara laboral os meios alternativos de composição de litígios, constituídos pela arbitragem, mediação, conciliação prévia e negociação coletiva, de forma a desafogar a demanda judicial não assimilada pela Justiça do Trabalho.

– O conceito de Indisponibilidade de direitos – partindo da conjugação dos princípios da proteção e da subsidiariedade, propostos pela Doutrina Social Cristã, verificar quais seriam os parâmetros adequados para fixar um conceito de indisponibilidade de direitos em matéria de negociação coletiva.

– Os limites da autonomia negocial coletiva – baseado em levantamento de quais cláusulas de acordos e convenções coletivas de trabalho têm sido anuladas pela Justiça do Trabalho e por que razão.

A reforma sindical possível – estudando que reformas sindicais seriam precisas para tornar mais legítima a negociação coletiva.

As fontes de financiamento do sistema sindical – estudo das fontes atuais de custeio do sistema sindical e propostas de seu aperfeiçoamento.”

No dia 30 de março de 2017, o Grupo de Pesquisa lançou o 1º Caderno de Pesquisas Trabalhistas do GPDT, com onze artigos. Foram premiados, com um total de R$ 20 mil, os autores dos três melhores trabalhos selecionados. Sobre o evento, publicou o sítio do IDP na Internet: “De acordo com o ministro Ives Gandra, o principal propósito do GPDT, a partir da publicação do 1º Caderno de Pesquisa Trabalhista, é ‘que, da análise de nossa jurisprudência trabalhista, cotejada com a legislação e a doutrina, verificando os impactos que provoca na realidade econômica e social, possa-se chegar a soluções e propostas que contribuam para o aperfeiçoamento e modernização de nossa legislação laboral”. E mais: “De acordo com o ministro Gilmar Mendes, que coordenou junto ao ministro Ives Gandra a publicação do Caderno de Pesquisas Trabalhistas, o Brasil vivencia um grande desafio acerca da legislação trabalhista nacional, que se utiliza de modelos obsoletos que não correspondem à realidade globalizada: ‘Hoje, o nosso país tem uma massa de desempregados graças a essa brutal recessão. Há famílias que são dilaceradas por esse fenômeno. Não queremos um sistema engessado e precisamos ter uma visão diferente sobre a reforma trabalhista’.

Em 26 de abril de 2017 foi aprovada, na Câmara dos Deputados, a denominada reforma trabalhista, a partir de substitutivo apresentado pelo relator da matéria. A coincidência entre os eixos centrais da reforma e as linhas de pesquisa do Grupo de Pesquisa de Direito do Trabalho (IDP) é absoluta! Sem nenhuma dúvida, o propósito de “subsidiar eventuais reformas trabalhistas” foi plenamente alcançado. Por outro lado, a lógica que direcionou o trabalho do relator é em tudo coincidente com a visão dos ministros Gilmar e Ives sobre o Direito do Trabalho.

No dia 28 de abril de 2017, a ministra do TST Kátia Arruda encaminhou ofício ao presidente da Corte questionando se propostas de emendas da reforma trabalhista teriam saído da presidência do tribunal, conforme indicara reportagem publicada pelo The Intercept Brasil.

Por todo esse tempo, nos jornais e na TV, pôde-se ver outro juiz do Trabalho, também assessor da presidência do TST, a reproduzir as curiosas ideias do ministro Ives, em pronunciamentos e entrevistas, magistrado este que, declaradamente, atuou em comissão na Presidência da República, criada para redigir a proposta de “reforma” e, depois, no auxílio ao relator da “reforma trabalhista”, na Câmara, devidamente liberado das funções jurisdicionais, nas duas situações.

O encadeamento dos fatos conduz, razoavelmente, à conclusão de que o Grupo de Pesquisa de Direito do Trabalho do IDP, liderado pelo presidente do TST, coordenado por juízes auxiliares da presidência do TST, secretariado pela secretária-geral do Conselho Superior da Justiça do Trabalho – também presidido pelo ministro Ives -, produziu subsídios para a reforma trabalhista, que foram integralmente acolhidos pelo relator da matéria na Câmara dos Deputados, havendo suspeita de que até as emendas apresentadas ao relator tenham saído do gabinete da presidência do TST. O mais grave: tudo financiado pela JBS, que repassou ao IDP mais de R$ 2 milhões, nos últimos dois anos.

Ninguém ignora que os ministros Gilmar e Ives, especialmente este, não têm nenhum apreço pelo Direito do Trabalho e pela Justiça do Trabalho e que querem, a todo custo, ver aprovada a brutal “reforma trabalhista”, de interesse exclusivo do grande capital.
Só não se sabia, até ontem, que esses custos tinham sido suportados pela JBS, empresa envolvida no mais escandaloso esquema de corrupção do país e, desde sempre, impiedosa exploradora dos seus infelizes empregados, contumaz demandada na Justiça do Trabalho e notória devedora da Previdência Social.

A origem espúria dos recursos é indiscutível e reconhecida pelo próprio IDP: “Ao ser questionado pela Folha sobre o assunto, o instituto disse que devolveu R$ 650 mil deste total no dia 29 de maio, após revelação de acordo de delação premiada de executivos da empresa. O IDP diz que, em razão de uma cláusula contratual relacionada à conduta ética e moral do patrocinador, rescindiu um contrato assinado em junho de 2015 com o grupo”. Restam R$ 1.450 mil.

E o ministro Ives, a título de, digamos, contribuição pessoal, escalou mão-de-obra altamente qualificada para assegurar o resultado pretendido e abriu mão da integral concorrência nos serviços do gabinete da presidência do TST de quatro de seus juízes auxiliares e da secretária-geral do CSJT.

Parece ter sido simples assim: a JBS financiou, o TST e o CSJT indicou quadros qualificados, o GPDT/IDP orientou a produção de textos e os publicou, estes subsídios foram apresentados ao relator da “reforma trabalhista” que os acolheu, prontamente, para escravizar os trabalhadores brasileiros. Será que isso se harmoniza com a Doutrina Social Cristã?

(*) Juiz do Trabalho e presidente da Associação Latino-americana de Juízes do Trabalho (ALAJT).

Reproduzido pelo Diap

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