Justiça suspende reintegrações de posse em escolas ocupadas
A APEOESP, juntamente com a Defensoria Pública do Estado e o Ministério Público, obteve no início da noite desta sexta-feira, 13 de novembro, a suspensão das reintegrações de posse das escolas estaduais, entre elas a EE Fernão Dias Paes, localizada em Pinheiros.
Para embasar essa decisão, o Juiz Felipe Ferrari Bendendi, que concedera as reintegrações a pedido do Governo Estadual, ponderou diversas questões de que tomou conhecimento em audiência de conciliação entre o Governo do Estado e os estudantes que ocupam a EE Fernão Dias Paes, ocorrida na tarde desta sexta, assim relatadas em seu despacho:
“(…) este magistrado tomou contato, ao longo desta tarde de sexta-feira, na feliz reunião designada pelo Juiz Corregedor da Central de Mandados e pelas manifestações ulteriores juntadas aos autos, com um panorama mais amplo e real, não tão estritamente apegado à frieza do processo.
Ciente também estou das notórias novas ocupações em outras unidades escolares ao longo da semana, as quais sequer ainda foram trazidas aos autos.
Tudo isso levou à conclusão de que as ocupações – realizadas majoritariamente pelos estudantes das próprias escolas [fato esse que também motivou a reconsideração das decisões anteriores, como se explicará em sequência] – revestem-se de caráter eminentemente protestante. Visa-se, pois, não à inversão da posse, a merecer proteção nesta via da ação possessória, mas sim à oitiva de uma pauta reivindicatória que busca maior participação da comunidade no processo decisório da gestão escolar.
Conforme explanado pelo Ministério Público – e aqui não pretendo julgar tal fato, porque estranho ao processo -, busca-se maior envolvimento da população nas decisões de remanejamento de alunos, turnos escolares etc., o que se constitui num fundamento, em princípio, razoável.
Com isso quero dizer que o cerne desta lide possessória não é a proteção da posse, mas uma questão de política pública, funcionando as ordens de reintegração como a proteção jurisdicional de uma decisão estatal que, em tese, haveria de melhor ser discutida com a população.
Repito: objetivamente, tem-se esbulho de um bem público; mas a solução da questão foge, e muito, da simples tutela possessória. A questão é mais ampla e profunda, a merecer melhor atenção do Executivo.”
O Juiz levou em conta, ainda, o fato de a maior parcela dos envolvidos ser constituída de adolescentes e crianças e chamou a atenção para que “Caso imprescindível a utilização de força policial, por mais preparada e capacitada seja a Corporação Estadual, existe a probabilidade de ocorrer algum prejuízo aos menores, já que o calor da situação, aliado à pressão popular no entorno da escola são elementos suficientes a algum acontecimento trágico.
Este Juízo, assim, ciente dos desdobramentos concretos que sua decisão produza, está buscando reduzir as chances de risco à integridade física das crianças e dos adolescentes, mesmo diante de eventual dano ao patrimônio das escolas e à perda de aulas.”
A decisão do magistrado recoloca toda a discussão sobre a reorganização da rede estadual de ensino numa perspectiva correta e, como a APEOESP, os estudantes, os pais, os funcionários de escolas e diversos outras entidades e movimentos sociais reivindicam, que o Governo Estadual discuta essas medidas com as comunidades escolares e com a população, sem pretender fechar 94 escolas e reorganizar outras 752 sem qualquer tipo participação das pessoas que serão diretamente atingidas.
Assim como não aceitamos que mudanças tão profundas sejam impostas de cima para baixo de forma autoritária, não aceitamos também que um conflito provocado pelas políticas autoritárias do Governo do Estado seja tratado como caso de polícia e não como questão social e educacional. Por isso nossa luta vai continuar e se intensificar.
Maria Izabel Azevedo Noronha
Presidenta da APEOESP
Contato: 11.984432775
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Íntegra do Despacho do Juiz:
Decisão Proferida
Vistos.
Cuida-se de interdito proibitório proposto pela FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO contra o SINDICATO DOS PROFESSORES DO ENSINO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO – APEOESP e PESSOAS INDETERMINADAS, tendo por objeto inicial a ameaça de turbação/esbulho dos prédios das Diretorias de Ensino do Estado de São Paulo e da Secretaria Estadual de Educação, bem como demais prédios públicos.
A liminar foi deferida a fls. 37/38.
Posteriormente, a FESP apresentou novas petições [fls. 60/66 e 86/88], onde, calcada no princípio da fungibilidade, postulou a concessão de ordem de reintegração de posse de duas escolas estaduais, esbulhadas por estudantes e terceiros, dentre os quais supostos agentes sindicalizados.
O Juízo deferiu a liminar em ambas as petições, restringindo apenas o âmbito de sua competência [fls. 77/81 e 99/100].
Na sequência, o Ministério Público manifestou-se [fls. 104/112], requerendo a suspensão das ordens.
Também o fizeram no mesmo sentido a Defensoria Pública [fls. 173/183] e a APEOESP [fls. 223/228 e 277/279].
Pela Central de Mandados deste Fórum Hely Lopes Meirelles, realizou-se reunião contando com a presença de todos os envolvidos, para se buscar a melhor solução de retirada dos ocupantes [ata a fls. 281/283].
DECIDO.
Entendo seja necessária a suspensão das ordens de reintegração de posse.
Quando da prolação das decisões, especialmente da primeira, a situação mostrava-se restrita à questão da posse: de um lado, pessoas indeterminadas esbulhando um prédio público, de forma a interromper a prestação educacional e ultrapassar as barreiras constitucionais do direito de livre reunião e manifestação.
Não nego que, objetivamente, essa seja de fato a situação.
Contudo, este magistrado tomou contato, ao longo desta tarde de sexta-feira, na feliz reunião designada pelo Juiz Corregedor da Central de Mandados e pelas manifestações ulteriores juntadas aos autos, com um panorama mais amplo e real, não tão estritamente apegado à frieza do processo.
Ciente também estou das notórias novas ocupações em outras unidades escolares ao longo da semana, as quais sequer ainda foram trazidas aos autos.
Tudo isso levou à conclusão de que as ocupações – realizadas majoritariamente pelos estudantes das próprias escolas [fato esse que também motivou a reconsideração das decisões anteriores, como se explicará em sequência] – revestem-se de caráter eminentemente protestante. Visa-se, pois, não à inversão da posse, a merecer proteção nesta via da ação possessória, mas sim à oitiva de uma pauta reivindicatória que busca maior participação da comunidade no processo decisório da gestão escolar.
Conforme explanado pelo Ministério Público – e aqui não pretendo julgar tal fato, porque estranho ao processo -, busca-se maior envolvimento da população nas decisões de remanejamento de alunos, turnos escolares etc., o que se constitui num fundamento, em princípio, razoável.
Com isso quero dizer que o cerne desta lide possessória não é a proteção da posse, mas uma questão de política pública, funcionando as ordens de reintegração como a proteção jurisdicional de uma decisão estatal que, em tese, haveria de melhor ser discutida com a população.
Repito: objetivamente, tem-se esbulho de um bem público; mas a solução da questão foge, e muito, da simples tutela possessória. A questão é mais ampla e profunda, a merecer melhor atenção do Executivo.
Há, ainda, um outro problema: caso mantidas as ordens, há a chance de se tornarem inócuos os comandos jurisdicionais futuros.
A cada dia, uma nova escola pode ser invadida; expede-se, na sequência, a reintegração de posse, é ela cumprida e o ciclo se repete, com a possibilidade, inclusive, de existir a reocupação de uma escola já liberada.
Ora, de que adianta a jurisdição, nesse caso, se não estará a promover a solução do caso concreto, com a pacificação social? Permanecerá tratando um problema com comandos dissonantes aos necessários, até porque não há como se proteger, com policiais, o conjunto todo de escolas, evitando novas invasões.
Toda essa argumentação reforça a ideia de que não se está a tratar de posse, mas de uma questão de política pública.
Por fim, o fato de que a maior parcela dos ocupantes é de adolescentes ou crianças.
Estabelecem os artigos 18 e 18-A do Estatuto da Criança e do Adolescente o seguinte:
Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
Art. 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.
Há, portanto, de se dispensar o melhor tratamento à criança e ao adolescente, com vistas à boa formação de sua personalidade e manutenção da integridade física e psicológica.
Caso imprescindível a utilização de força policial, por mais preparada e capacitada seja a Corporação Estadual, existe a probabilidade de ocorrer algum prejuízo aos menores, já que o calor da situação, aliado à pressão popular no entorno da escola são elementos suficientes a algum acontecimento trágico.
Este Juízo, assim, ciente dos desdobramentos concretos que sua decisão produza, está buscando reduzir as chances de risco à integridade física das crianças e dos adolescentes, mesmo diante de eventual dano ao patrimônio das escolas e à perda de aulas.
É que, no confronto entre os interesses prejudicados – o da regularidade da Administração e da prestação do serviço educacional e a integridade física de menores -, absolutamente adequado proteger-se o segundo, novamente devendo o Estado procurar uma solução amigável menos traumática que a reintegração.
Por todo o exposto, atendendo às petições de fls. 104/112, 173/183 e 223/228, reconsidero as decisões de fls. 77/81 e 99/100, e suspendo as ordens de reintegração de posse.
Servirá a presente de mandado, a ser encaminhado à Central de Mandados.