Lei da mordaça: até comissionados podem impor sigilo a dados públicos
O presidente em exercício, general Hamilton Mourão, assinou um decreto modificando a Lei de Acesso à Informação (LAI), que entrou em vigor em 12 de maio de 2012, quando foi sancionada pela presidenta Dilma Rousseff. Publicado na edição do Diário Oficial da União desta quinta-feira (24), o decreto autoriza servidores comissionados e dirigentes de fundações, autarquias e empresas públicas a decidir sobre o sigilo de dados públicos até o nível ultrassecreto. Isso torna os dados indisponíveis por um período de 25 anos.
Antes, somente o presidente, o vice-presidente da República, ministros de Estado e autoridades equivalentes, além dos comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas no exterior podiam fazer esse tipo de classificação.
O grau máximo de sigilo é o ultrassecreto, em seguida vem o grau secreto, com 15 anos de sigilo, e o reservado, que estabelece prazo de cinco anos até que as informações possam ser tornadas públicas.
Os servidores comissionados que poderão gerenciar o carimbo do sigilo são os DAS (Direção e Assessoramento Superiores) 101.6 e 101.5., com salários de R$ 16.944,90 e R$ 13.623,39, respectivamente.
Medida criticada
A decisão de Mourão está sendo criticada por parlamentares e jornalistas por impor censura e acabar com a transparência. Em post publicado no Twitter, o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), disse que a lei vai cobrir rastros de corrupção e questionou o ministro da Justiça Sérgio Moro e a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge.
O deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), corrobora a avaliação de Pimenta. Ele, que prometeu apresentar um projeto para sustar o decreto assinado por Mourão, disse via redes sociais que “quem não rouba não teme”.
“Vou apresentar no 1º dia de legislatura um decreto legislativo para sustar essa vergonha. Temos que conservar os instrumentos para combater a corrupção. Não se combate corrupção com Fake News, populismo, demagogia, mas com transparência”, disse.
O deputado é autor da Lei de Acesso à Informação, um dos principais instrumentos de combate à corrupção que, segundo ele, “sofreu um grave golpe com o decreto do General Mourão, que propõe destruir os instrumentos de transparência no país”.
“Quem não deve, não teme. Quem não rouba, não se esconde. Acesso à informação é um direito e uma conquista da democracia”, disse o parlamentar no Twitter.
“O decreto é uma vergonha, permite que amigos sejam nomeados para esconder informações. Querem esconder o que? Quem não rouba, não esconde”, concluiu o deputado mineiro.
Já o jornalista Ricardo Kostcho disse que Mourão decretou o fim da Lei de Acesso a Informação.
Segundo ele, a Lei, o principal instrumento da sociedade para se informar sobre o que os governos querem esconder, era muito utilizada por jornalistas investigativos, uma raça em extinção.
Ao analisar as regras do decreto, Kostcho disse que o objetivo de Mourão é o de que os documentos “nunca se tornem públicos”.
Entidades que militam pela transparência na administração pública também criticaram duramente o decreto de Mourão. Para o diretor Executivo da Transparência Brasil, Manoel Galdino, as alterações podem representar um retrocesso na publicação dos dados do governo.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) disse que o decreto é “esquisito” e “bastante prejudicial”.
O ex-presidente da Comissão de Ética da Presidência da República, Mauro Menezes (de 2016 a 2018), classificou a mudança como deplorável.
“O sistema de transparência pública sofre um golpe duro com essa ampliação indiscriminada dos agentes capazes de impor sigilo a dados públicos”.
Decreto altera a LAI, sancionada por Dilma
A Lei de Acesso à Informação (LAI) colocou o Brasil em 89º do ranking de países com legislação específica para regulamentar o direito, previsto na Constituição Federal, de acesso a informações públicas.
Antes de sair da presidência, em maio de 2016, Dilma assinou outro decreto que ampliava o escopo da LAI, instituindo a Política de Dados Abertos do Poder Executivo Federal.
A LAI criou mecanismos que possibilitavam a qualquer pessoa (física ou jurídica) o acesso às informações públicas dos órgãos e entidades, sem necessidade de apresentar motivo.
“Cartilha de Moro”
A alteração feita no governo Bolsonaro na prática amplia as possibilidades de sigilo de dados decretados pelo Estado. A iniciativa que vai no sentido contrário ao que prega o livro Novas medidas contra a corrupção, ostentado pelo então juiz Sergio Moro quando viajou de avião para se encontrar com o então presidente eleito Jair Bolsonaro, no encontro que selou sua ida ao governo.
A obra, tida por parte da imprensa como “cartilha de Moro”, já que, em tese, seria um de seus guias na gestão, surgiu depois do fracasso das chamadas ‘Dez medidas contra a corrupção’, propostas pelo Ministério Público.
O livro diz pretender resolver problemas como “a excessiva generalidade das hipóteses de sigilo previstas na LAI”, que, segundo o texto, “tem dado margem a uma interpretação ampliativa que inclui como sigilosas informações diversas, sem apresentação de justificativa adequada”.
O livro defende ainda “que todos os órgãos e entidades sujeitos à LAI deverão criar uma Unidade de Transparência e Acesso à Informação”, além de pregar a instituição de “testes de Danos e de Interesse Público com o objetivo de exigir uma formulação mais específica e restrita nos casos de sigilo, firmando este como exceção ao direito de acesso à informação”.
Após sua confirmação como futuro ministro, em breve entrevista coletiva, Moro disse que aquele era “o momento propício para a apresentação de um projeto legislativo. As dez medidas que foram apresentadas pelo Ministério Público estão dentro desse radar. Algumas dessas propostas serão resgatadas; outras, talvez, agora não sejam tão pertinentes quanto foram no passado”.
Com apoio da RBA e agências de notícias