Leonel Cupertino: O peso da TV nas eleições no Brasil

Muitos acreditam justamente na hipótese que, com o crescimento da militância cibernética, novo tempo será inaugurado nas disputas eleitorais do país, onde o protagonismo do horário eleitoral gratuito será dividido igualmente à enxurrada de informações existentes nos aplicativos de mensagens instantâneas e nas poderosas redes sociais. Contudo, não existem dados suficientes quanto à capacidade de a internet por si só oferecer “viradas de mesa” numa disputa da dimensão que é a corrida presidencial no Brasil. Este papel, até segunda ordem, ainda cabe à televisão.

Leonel Cupertino*

A partir desta sexta-feira (31), brasileiras e brasileiros terão, em seu dia a dia, até 26 de outubro, quando encerra-se o horário eleitoral gratuito, em 2º turno, a companhia ilustre dos candidatos aos cargos de deputados distrital/estadual e federal, senador, governador e presidente da República, por meio do horário eleitoral nas rádios e TV, ou como é conhecido popularmente, o famigerado “horário político”.

Ao todo, serão exatos 35 dias de campanha no rádio e na televisão, de segunda a sábado, em 2 horários diferentes: das 13h às 13h25, e das 20h30 às 20h55. Serão reservadas as segundas, quartas e sextas aos candidatos a senador (5 minutos); deputado estadual (10 minutos); e governador (10 minutos) e as terças, quintas e sábados aos candidatos a presidente da República (12,5 minutos) e deputado federal (12,5 minutos).

Historicamente, esse é o período em que o cidadão que pouco se interessa pela disputa eleitoral — ou pelo tema “política”, propriamente dita — se vê inserido no processo de escolha, ainda que à revelia da sua vontade. Para além dos blocos diários reservados à disputa, em que o eleitor poderá fugir dos programas de campanha desligando a televisão, serão muitas as inserções dos candidatos em períodos aleatórios, sempre nos intervalos comerciais das emissoras abertas e fechadas de rádio e televisão, por meio das curtas aparições de 30 segundos.

Sobretudo na disputa pelo cargo de presidente da República, o horário eleitoral é importante. A despeito do crescimento vertiginoso de brasileiros conectados à internet e partícipes das redes sociais, ainda hoje os blocos e inserções diárias no rádio e na televisão representam a forma mais democrática e eficiente de aproximar o eleitor — sobretudo dos estratos mais pobres da sociedade — dos discursos proferidos pelos candidatos que pretendem governar um país de dimensões continentais, como o Brasil, pelos próximos 4 anos.

De acordo com levantamento publicado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em agosto deste ano, a televisão ainda é o principal meio pelo qual os cidadãos se informam.

A pesquisa aponta que 62% dos eleitores se utilizam da televisão para obter informações sobre política e eleições. No contexto desse universo, 25% não se informam por outro veículo que não seja a TV. A sondagem mostrou, ainda, que 48% dos entrevistados usam a internet para se informar sobre os candidatos, mas o fazem predominantemente em veículos tradicionais de imprensa (jornais, blogs e revistas em versão digital). Nesse grupo, apenas 5% declararam se informar unicamente por blogs ou redes sociais.

Outro levantamento, divulgado em fevereiro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), apontou que, num universo de 69 milhões de casas, apenas 2,8% não têm nenhum aparelho de televisão. Isso reafirma a máxima de que, apesar de o aceso à internet estar próximo da universalização em algumas regiões, a TV continua sendo o veículo de mídia mais democrático do País.

Já faz algum tempo, os partidos perceberam a relevância do horário eleitoral gratuito para o resultado final das eleições e, diante disso, correm atrás de extensas alianças no período reservado às convenções partidárias para garantir, entre outras coisas, bom tempo de TV e rádio para impulsionar seus candidatos.

Numericamente, a equação é simples: quanto mais tempo determinado candidato dispuser no horário eleitoral gratuito, mais ele será lembrado pelos eleitores. Assim sendo, fica mais fácil a apresentação de suas biografias, propostas e visões de país. Mais que isso, amplia-se a capacidade de resposta aos ataques dos adversários, evitando processo de eventual desconstrução capitaneado pelos opositores.

Nas eleições de 2002, por exemplo, o candidato Ciro Gomes, à época no PPS, chegou ao 1º dia do horário eleitoral gratuito — 20 de agosto — com 26% das intenções de voto, de acordo com o Ibope. Após uma extensa campanha de desconstrução liderada, sobretudo pelo candidato tucano José Serra, que dispunha de mais tempo de TV, Ciro já aparecia 14 pontos a menos, em pesquisa do mesmo instituto no dia 24 de setembro — portanto, com 12% das intenções de voto. Nas urnas, o resultado foi muito semelhante: Ciro obteve 11,97% dos votos válidos, enquanto Serra garantiu sua ida ao 2º turno com 23,19% dos votos válidos, numa curva ascendente de mais de 12% se comparado com a pesquisa do dia 20/08. Neste caso, podemos afirmar, o horário eleitoral fez toda a diferença.

Em 2006, a campanha no rádio e na televisão teve início em 15 de agosto. A 1ª pesquisa Ibope divulgada após o horário eleitoral gratuito ter começado data do dia 31 do mesmo mês, e apresenta o ex-presidente Lula, à época candidato à reeleição, com 48% das intenções de voto — 4 pontos percentuais a mais que o registrado na última pesquisa, que havia sido encomendada antes de o horário eleitoral começar. Naquele ano, a ausência do então presidente nos debates televisionados pesou na decisão do eleitor, e o cancelamento repentino, minutos antes de sua participação no encontro entre os candidatos na Rede Globo, às vésperas da eleição, elevou os índices do seu adversário, Geraldo Alckmin, que chegou ao 1º turno com 41,64% dos votos válidos, ante 48,61% do petista. Não fosse a sua ausência nos debates, é bem possível presumir que Lula seria reeleito ainda em 1º turno. A televisão, mais uma vez, foi decisiva.

No pleito de 2010, o horário eleitoral teve início em 17 de agosto e, na ocasião, a dúvida referia-se à capacidade de o candidato oposicionista José Serra (PSDB), levar a disputa para o 2º turno. Nos levantamentos de 26 de agosto e 27 de setembro, as pesquisas indicaram estabilidade do tucano, que obtinha 27% das intenções de voto e vitória da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) já no 1º turno. Entretanto, com o discurso de 3ª via e uma campanha voltada ao eleitorado mais jovem, a candidata Marina Silva viveu uma ascensão de 6 pontos percentuais no mesmo período. Marina não dispunha de muito tempo na TV, portanto, utilizou-se de inédita e bem-sucedida campanha virtual para apresentar-se ao eleitor.

Em agosto, a então candidata pelo Partido Verde obtinha 7% das intenções de voto, no fim de setembro chegou aos 13% e, no dia da eleição, rompeu a barreira dos 19% dos votos válidos, sendo responsável direta por levar a disputa para o 2º turno, já que Dilma e Serra obtiveram 46,91% e 32,61% dos votos válidos, respectivamente. A ascensão de Marina representou, na prática, a 1ª demonstração de força da internet na disputa pela Presidência, mas ainda incapaz de disputar em pé de igualdade com as grandes estruturas partidárias.

Na disputa de 2014, o acidente aéreo que vitimou o ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), foi fator determinante para o tom adotado pelos candidatos e partidos políticos no horário eleitoral gratuito. Com a comoção da tragédia e a assunção de Marina Silva para ocupar o vácuo deixado na campanha do PSB, no início de setembro, a então socialista chegou a ficar apenas 1 ponto percentual atrás da petista (35% Dilma / 34% Marina, em 3 de setembro de 2014) conforme dados da pesquisa Datafolha. Coube à candidata Dilma Rousseff e ao PT, portanto, pôr em prática engenhoso plano de desconstrução da ex-ministra do Meio Ambiente, sobretudo no horário eleitoral de rádio e TV. Em consequência às investidas de Dilma e ao bom desempenho registrado pelo candidato Aécio Neves (PSDB) no debate da Rede Globo às vésperas da eleição, Marina terminou a disputa com 21,32% dos votos válidos, fora, portnsto, do 2º turno. A televisão, neste aspecto, foi mais uma vez responsável por definir os 2 candidatos que deveriam disputar o voto dos brasileiros na segundada rodada da eleição.

Em resumo, o que assistimos ao longo das últimas disputas foi a utilização das grandes máquinas partidárias — sobretudo do PT e do PSDB — em detrimento de candidaturas que não dispunham do mesmo “poder de fogo”, uma vez acolhidas em legendas de menor exposição. Neste contexto, a televisão se insere como “arma” quase “letal”, de disseminação em massa de informações e que pode, a depender das condições e da capacidade de comunicação e marketing do candidato que as utilizar, garantir a ele um lugar no 2º turno, ou evitar a presença de seu principal adversário nesta mesma disputa.

É importante salientar, finalmente, que o papel das redes sociais nesta eleição não será, nem de longe, desprezível. Se, no passado, o período de campanha no rádio e na TV sempre interferiu diretamente no debate, chegando a ser decisivo em algumas situações, conforme demonstrado anteriormente, por que seria diferente agora?

Muitos acreditam justamente na hipótese que, com o crescimento da militância cibernética, novo tempo será inaugurado nas disputas eleitorais do país, onde o protagonismo do horário eleitoral gratuito será dividido igualmente à enxurrada de informações existentes nos aplicativos de mensagens instantâneas e nas poderosas redes sociais.

Contudo, não existem dados suficientes quanto à capacidade de a internet por si só oferecer “viradas de mesa” numa disputa da dimensão que é a corrida presidencial no Brasil. Este papel, até segunda ordem, ainda cabe à televisão.

(*) Graduando em ciência política pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UDF) e assistente legislativo da Queiroz Assessoria Parlamentar e Sindical.

DIAP

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