Lula assume articulações para tentar aprovar a PEC da Transição
Presidente eleito deve passar a semana em Brasília para destravar as negociações do Bolsa-Família com o Congresso
Brasília – O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), assume hoje, em Brasília, as articulações com o Congresso Nacional para destravar as negociações da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que viabiliza a manutenção do Bolsa-Família de R$ 600 em 2023 e que precisa ser aprovada em dezembro.
O petista deve passar a semana toda na capital federal para participar de várias reuniões com aliados e a cúpula do Congresso para definir por quanto tempo o benefício ficará fora do teto de gastos. Na quarta-feira, ele começará a receber os relatórios produzidos pelos grupos de trabalho de sua equipe de transição, que estão analisando os dados da administração federal em múltiplas áreas.
São 31 grupos com 416 integrantes, incluindo 50 em cargos comissionados, que entregar um amplo diagnóstico que indicará as primeiras medidas que o novo governo deverá tomar.
O relator do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), disse, na semana passada, que espera apresentar amanhã o texto final da PEC. O maior impasse da PEC é o estouro do teto de gastos, que limita as despesas ao Orçamento do ano anterior, mais a inflação. A equipe de Lula não chegou ainda a um acordo com o Congresso sobre o prazo de validade e o valor da PEC. O PT queria que o Bolsa-Família ficasse fora do cálculo do teto por tempo indeterminado, mas já admite negociar limite de dois anos.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já adiantou que manter o benefício fora das regras fiscais de forma definitiva não tem “ressonância” no Congresso. “A lógica de ter com prazo indefinido, ou seja, determinar a retirada do teto de gastos dos recursos do Bolsa-Família integralmente, já está claro que não encontra ressonância no Congresso Nacional”, disse ele, em entrevista coletiva, na semana passada.
“É necessário somar a responsabilidade social com a responsabilidade fiscal. Neste momento, tem a situação mais emergencial. O que pode acontecer eventualmente é uma situação mais emergencial. E a discussão da âncora fiscal, forma e método que leve em conta a dívida pública, o crescimento e o teto de gastos pode ser feita ao longo do tempo. O teto de gasto público é uma conquista do povo brasileiro, mas toda essa discussão tem que ser feita com bastante zelo pelo Senado”, disse também Pacheco.
A chegada de Lula a Brasília, adiada por causa da participação dele na Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27) e de uma cirurgia na garganta, é tida como fundamental por interlocutores da transição. Se antes Lula foi poupado porque o PT julgava simples a aprovação da PEC, agora, o petista se torna central para acalmar o mercado, demonstrando que seu compromisso com o social estará combinado com responsabilidade fiscal, e para a articulação com o Parlamento e também formação da base parlamentar do futuro governo.
Para o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que coordena um grupo técnico da transição, é necessário “conformar” uma base. “Tem que haver lealdade a apenas um L, o L de Lula”, disse o parlamentar. Segundo ele, fica a dúvida se um outro “L”, que não Lula, seria de Lira, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), um dos principais líderes do Centrão, mais um com quem o presidente eleito vai se reunir durante a semana para agilizar o andamento da PEC, que precisa ser aprovada em tempo recorde. Mas Randolfe lembra que a proposta de emenda com tramitação mais rápida no Parlamento levou 37 dias. Um sinal de que a equipe de transição, mesmo insistindo na PEC, já trabalha com a possibilidade de ela ser aprovada após a posse presidencial, ou mesmo em fevereiro com o novo Congresso.
Tudo vai depender das inúmeras conversas de Lula previstas para esta semana. Amanhã é a data limite para o texto iniciar a tramitação no Congresso. Randolfe aponta outra dificuldade. “É um Parlamento antigo querendo fazer exigências a um governo novo”, ponderou. Já em fevereiro, a Câmara renova 44% dos deputados, e a negociação deve ser outra. Nas conversas com interlocutores da transição não se fala em desistir da PEC. Ela deve sair, seja nessa legislatura, seja na próxima, se essa for a vontade de Lula.
Apesar dos lobbies e grupos de interesse que estão batendo à porta dos grupos técnicos do gabinete de transição no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), ninguém sabe qual será o mapa a ser desenhado por Lula na Esplanada dos Ministérios. Mesmo com aliados já falando à imprensa com a desenvoltura de ministro, costumam repetir o mantra de que a escolha será feita pelo presidente eleito, e tudo ao seu tempo.
NOMES INDEFINIDOS
Fontes da transição têm apostas, mas sabem que as escolhas, em alguns casos, serão de nomes que estão apenas na cabeça de Lula. “O problema é que não tem nome na mesa, tem na cabeça do presidente”, avalia o senador Jaques Wagner (PT), responsável pela articulação política da PEC no Congresso. O político baiano protagonizou demonstração do ruído dentro da equipe de transição quando, ao reconhecer que a PEC está travada, disse “faltar um ministro da Fazenda” para facilitar a articulação da proposta. A declaração rendeu, poucas horas depois, uma crítica da presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), que alfinetou Wagner: “Falta é articulação política no Senado, por isso, que eu acho que nós travamos na PEC”.
Outro aliado, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), principal articulador da aproximação de Lula com o MDB, tem disparado críticas à PEC. No caso dele, por razões regionais, já que a proposta aproximou o PT do presidente da Câmara, principal antagonista de Calheiros em Alagoas. “O que se recomenda como encaminhamento para um governo que se elegeu em uma eleição tóxica, cheia de pensamentos, é que se construa em primeiro lugar uma maioria congressual. Com ela, que se elejam os presidentes das duas Casas”, disse.