Madalena Guasco: trajetória, lutas e prioridades para a educação brasileira

Professora, pesquisadora e dirigente sindical, Madalena Guasco é um dos nomes históricos do movimento educacional brasileiro. Doutora em Educação pela PUC-SP, construiu, desde a década de 1980, uma trajetória marcada pela coragem de lutar, pela capacidade de formar educadores e pela defesa inabalável de políticas públicas democráticas.

Foi vice-presidente da Associação Docente – APROPUC-SP durante o período histórico da fundação do Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior – ANDES-SN (1981) e presidiu a associação entre 1991 e 2001, sempre guiada pela convicção de que a educação é um direito, e não uma mercadoria.

Esteve na linha de frente da criação da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), contribuindo decisivamente para sua consolidação e ocupando cargos estratégicos, incluindo a coordenação-geral por quatro mandatos consecutivos. Na gestão passada, esteve à frente da secretaria-geral da Contee e, no último Congresso, realizado em julho deste ano, assumiu a Coordenação da Secretaria de Assuntos Educacionais.

Na PUC-SP, Madalena também deixa marcas profundas: foi diretora de centro por três gestões, diretora de departamento e, posteriormente, dirigiu a Faculdade de Educação por oito anos, em duas gestões. Hoje, como diretora adjunta, continua integrando a vida acadêmica com a mesma dedicação e vigor. Sua experiência une teoria e prática, levando para a universidade o pulsar das lutas sociais e, para o movimento sindical, a riqueza da reflexão crítica e da produção de conhecimento.

Pioneirismo na construção da Contee

Madalena Guasco lembra que o movimento sindical dos trabalhadores da educação, especialmente no setor privado, ganhou força no final da década de 1970 e início dos anos 1980, impulsionado pela retomada das lutas sociais e pelo processo de redemocratização do país. “Na época, enquanto professores e técnico-administrativos da rede pública organizavam associações segmentadas, nós, do setor privado, estávamos empenhados em renovar as diretorias dos nossos sindicatos — os SINPROs — e fortalecer as Associações Docentes (ADs) nas Instituições de Ensino Superior”, relata.

Um marco desse período foi a luta em São Paulo contra a direção pelega que controlava o Sindicato dos Professores. A eleição de uma nova diretoria — com nomes como Luiz Antônio Barbagli e Fábio Zambon — representou não apenas a democratização do SINPRO-SP, mas também a retomada da relação entre a APROPUC e o sindicato. “As pessoas da APROPUC estavam proibidas de se filiar ao sindicato pelo antigo dirigente. Só conseguimos superar essa barreira com a democratização do SINPRO-SP, o que fortaleceu o movimento docente e abriu caminho para novas articulações”, recorda Madalena.

Em 1981, nasceu a ANDES, reunindo ADs públicas e privadas. Com a promulgação da Constituição de 1988, que passou a permitir a sindicalização de funcionários públicos, diversas associações das redes públicas se transformaram em sindicatos. No mesmo período, a ANDES criou o Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES-SN), incorporando tanto a rede pública quanto a privada — mas o processo foi, segundo Madalena, marcado por ações antidemocráticas. “Percebemos que a atuação se concentrava quase totalmente no setor público, desconsiderando a representatividade já consolidada dos SINPROs junto aos docentes privados”, salienta.

Essa lacuna acendeu o alerta: era preciso uma representação própria e unificada para os trabalhadores do setor privado. As entidades que não se sentiram contempladas se desfiliaram do ANDES, e a mobilização culminou, em 1991, na fundação da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee). “Foi um passo histórico. Reunimos SINPROs, sindicatos de auxiliares e federações para garantir voz e articulação nacional aos trabalhadores da educação privada”, afirma.

O protagonismo da Contee se deu, desde o início, em torno de uma bandeira estratégica: defender a educação pública e, ao mesmo tempo, regulamentar a educação privada. Madalena explica que o artigo 209 da Constituição garante liberdade à iniciativa privada, desde que regulamentada e respeitando as leis nacionais — mas abriu brechas para a mercantilização da educação. “Tivemos uma derrota nesse ponto e percebemos que era essencial criar uma entidade nacional que defendesse a educação pública de qualidade e exigisse responsabilidade social da rede privada”, sublinha.

A Contee passou, então, a articular politicamente no Brasil e no exterior para afirmar a importância da organização dos trabalhadores da rede privada. Na época, era a única entidade do gênero no mundo, já que em muitos países, inclusive na América Latina, a rede pública predominava. “Esse protagonismo chamou atenção até de entidades internacionais, que viam como inovador termos um estatuto democrático, com participação de todas as forças políticas, garantindo a disputa sem perder a unidade”, destaca Madalena. Esse modelo, mantido e aprimorado em congressos ao longo dos anos, segue como um dos legados mais importantes da Confederação.

Entre o sindicalismo e a sala de aula

Mesmo nos períodos em que assumiu grandes responsabilidades na Contee, Madalena Guasco nunca deixou de lecionar. Ainda que, em alguns momentos, com uma carga horária mais reduzida, ela considera essencial estar no chão da escola para compreender de perto os desafios da educação. “Muitos sindicalistas acabam se desvinculando da docência, mas eu sempre achei isso errado. É na prática que a gente entende de fato os problemas e as possibilidades da educação. A sala de aula mantém você atualizado, aprendendo com as novas gerações e incorporando diferentes olhares sobre o mundo.”

Esse vínculo, afirma, fortalece tanto a luta por direitos como a qualidade da formação dos futuros educadores. “Tem pesquisadores que não têm uma visão sindical e, por isso, analisam políticas públicas só pela teoria. Quando você é sindicalista, vive a construção da política pública na prática, na luta. Isso muda completamente o olhar sobre o estudo dessas políticas.”

Na sua visão, manter-se na docência foi a escolha correta para unir teoria e prática, levando para a pesquisa e para a militância sindical um olhar realista e transformador.

Projeto Interministerial Escola que Protege

Madalena Guasco integrou a comissão de especialistas responsável pela elaboração de um documento nacional com medidas para combater a violência nas escolas, em parceria com Daniel Cara e outros pesquisadores. Junto com Cristina Castro e Leandro Batista, também coordenadores da Contee, participou de uma comissão de entidades que discutiu o tema e propôs ações concretas.

Dessa articulação nasceu o projeto interministerial “Escola que Protege”, voltado a apoiar municípios e estados no enfrentamento da violência escolar. No programa, Madalena destaca a gestão democrática como ferramenta essencial para prevenir conflitos e promover ambientes educacionais saudáveis.

“Gestão democrática é sinônimo de escola acolhedora, participativa e inclusiva. Ela combate o bullying, amplia o debate sobre inclusão e fortalece a convivência. Infelizmente, esse modelo foi desmontado por governos autoritários, que defenderam projetos de escolas antidemocráticas — e essas, por sua natureza excludente e desigual, tendem a gerar violência”, afirma.

Atuação junto ao MEC

Durante a conversa, Madalena relembra que ajudou a construir o Fórum Nacional de Educação e que, em 2002, o espaço foi fortalecido e tornou-se muito atuante. Na condição de coordenadora-geral da Contee, realizou reuniões com ministros para discutir temas como regulamentação e avaliação da educação superior. Nesse período, foi aprovado o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), e ela participou da primeira reunião da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes) como representante da Contee, contribuindo para regulamentar critérios de qualidade — como a exigência de mestres e doutores e a criação de comissões próprias de avaliação nas instituições.

Essa atuação também resultou na criação da Secretaria de Regulação (Seres), voltada especificamente para a rede privada, fruto de uma histórica demanda da Contee. No entanto, com o impeachment de Dilma Rousseff, o Fórum Nacional foi destituído e esvaziado, dando lugar a maior influência da rede privada e do governo antidemocrático. Diante disso, as entidades criaram o Fórum Nacional Popular de Educação, cuja primeira reunião foi convocada pela própria Contee.

O novo fórum foi protagonista na resistência aos retrocessos, realizando congressos e atuando no parlamento contra medidas como o Escola Sem Partido e a expansão das escolas cívico-militares. Entre as vitórias conquistadas, destacou-se a aprovação do Fundeb permanente.

Com a derrota de Bolsonaro, uma das primeiras ações das entidades foi exigir a reconstituição do Fórum Nacional de Educação oficial. Na equipe de transição do governo Lula, Madalena defendeu a reconstrução e o fortalecimento da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi), pautas que hoje seguem em andamento no Ministério da Educação com a participação ativa da Contee.

Regulamentação da Educação Privada e da EAD

Atualmente, Madalena representa a Contee no Fórum Nacional de Educação, integrando o Grupo de Trabalho Temporário (GTT), criado para discutir a regulamentação da educação privada. O grupo realizou uma pesquisa internacional sobre como se dá a regulação da rede privada em diferentes países. A partir desse levantamento, será elaborado um relatório que apresentará não apenas um panorama comparativo, mas também propostas concretas para aprimorar a regulamentação no Brasil.

Guasco destaca que a regulamentação da educação a distância (EaD) representou uma grande vitória, considerando a forte resistência do capital privado. “O capital aberto não queria essa regulamentação e criou muitos obstáculos. O ministro adiou várias vezes a assinatura do decreto”, pontua.

A pressão das entidades foi determinante: a União Nacional dos Estudantes (UNE), no Fórum Nacional de Educação, propôs a elaboração de um documento assinado por todas as organizações participantes, exigindo a assinatura do decreto. O posicionamento coletivo fortaleceu o Ministério da Educação, que, pouco depois, oficializou o novo marco regulatório da EaD.

Madalena sinaliza que o texto incorporou diversas reivindicações da Contee. “Nem tudo o que queríamos está lá, mas é um marco muito avançado e importante. Agora, nosso desafio é acompanhar a implementação.” Ela ressalta que o setor privado tende a adiar ao máximo o cumprimento das novas regras, já que a norma prevê dois anos para adequação. “Eles contam com possíveis mudanças políticas que afrouxem a regulamentação. Nossa primeira batalha é exigir que comecem a agir imediatamente”, evidencia.

No campo das licenciaturas, o cenário é mais rigoroso. Como conselheira na Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes), Madalena esclarece que os cursos são avaliados anualmente, permitindo detectar rapidamente o não cumprimento das exigências. “Estamos cercando de outros jeitos para que não adiem até o fim do prazo. Os novos cursos já terão que seguir as regras desde o credenciamento, e isso é uma vantagem.”

Para ela, a vitória reforça o papel da Contee na defesa de uma educação democrática e inclusiva, em articulação direta com a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres) e com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi). “São áreas estratégicas para políticas como a educação indígena, quilombola e antirracista, que precisam ser fortalecidas”, defende.

Prioridades da Secretaria de Assuntos Educacionais da Contee

A professora Madalena Guasco explica que a primeira prioridade da Secretaria de Assuntos Educacionais é acompanhar a tramitação do Sistema Nacional de Educação (SNE) e do Plano Nacional de Educação (PNE). Segundo ela, “esse novo Plano Nacional de Educação é democrático e importante, — uma vitória do movimento educacional com a realização da Conferência Nacional de Educação (Conae), em 2024. Precisamos nos unir para enfrentar um parlamento muito reacionário e garantir a aprovação tanto do sistema quanto do PNE.”

Outra prioridade da secretaria será realizar um levantamento nacional sobre a atuação do capital aberto no setor educacional. Madalena afirma que “já realizamos um encontro sobre educação básica, que trouxe dados muito importantes para unificar nossa ação. Agora, queremos promover encontros nos estados para aprofundar esse mapeamento.”

Acompanhando a implantação do novo marco regulatório da EaD, a secretaria pretende organizar reuniões regionais com professores, convocadas pelos sindicatos, para denunciar irregularidades e conscientizar a categoria sobre a importância da nova legislação.

No campo internacional, a meta é realizar, ainda no primeiro semestre de 2026, um encontro internacional sobre o avanço da rede privada na América Latina, em parceria com a Secretaria de Relações Internacionais. Também está previsto, no mesmo período, um encontro nacional do ensino superior para avaliar o cenário da educação superior brasileira e mobilizar sindicatos e federações.

Madalena destaca que “todas essas ações precisarão de articulação direta com a Secretaria Institucional, para acompanhamento parlamentar; com a Secretaria de Relações Internacionais, para o encontro internacional; e com as federações, para viabilizar o mapeamento nos estados sobre padronização da educação e controle do trabalho docente.”

Educação, resistência e responsabilidade social

Para Madalena Guasco, o momento atual é marcado por contradições. Segundo ela, “ao mesmo tempo que vemos o avanço da direita, também testemunhamos o avanço da resistência. Nós estamos nesse campo, o da resistência, e hoje temos um papel fundamental não apenas na defesa dos trabalhadores da educação, mas também dos nossos jovens e crianças.”

Ela alerta que uma educação marcada pela sobrecarga e pela desvalorização do professor afeta diretamente as novas gerações. “Temos uma responsabilidade social muito grande. Nosso papel é garantir que crianças e jovens aprendam, mas também que se tornem cidadãos democráticos, capazes de lutar por um país inclusivo e soberano, especialmente diante dos ataques que vivemos à nossa soberania. É na luta e na resistência que o movimento educacional se fortalece”, finaliza.

Por Romênia Mariani

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