Maioria de alunos e educadores está insatisfeita com novo ensino médio, diz pesquisa da Unesco

Índice é de 56% entre estudantes e chega a 76% dos professores e 66% dos gestores; mudança pode ser votada nesta semana

Paulo Saldaña,. BRASÍLIA

Uma pesquisa inédita realizada pela Unesco no Brasil mostra que é generalizada entre alunos, professores e gestores a insatisfação com as mudanças promovidas pelo novo ensino médio, que em 2017 apostou na flexibilização da grade curricular.

Enquanto 56% dos alunos se dizem insatisfeitos, o índice é de 76% entre professores e 66% entre gestores, peças centrais do processo de aprendizagem.

Com a reforma, foi estipulado que todos alunos tivessem acesso a uma parte curricular igual, a chamada formação geral básica, que é vinculada ao previsto na Base Nacional Comum Curricular. Outra parte ficou destinada a linhas de aprofundamento, que são os chamados itinerários formativos.

A implementação, iniciada em 2022, revelou problemas, inspirando protestos de estudantes e educadores. Novas alterações na arquitetura estão em discussão no Congresso e representam disputas entre o governo Lula (PT) e a oposição por causa do que deve ser definido para a carga horária de cada bloco.

A votação na Câmara está prevista para esta semana.

A pesquisa da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) ouviu 1.200 estudantes, 800 docentes e 400 gestores entre os dias 23 de junho e 6 de outubro. O universo representado pela amostra é de 18 mil escolas, 481 mil docentes e 2,1 milhões de estudantes, com nível de confiança de 95%. As margens de erro são de 3% para a amostra dos estudantes, 4% para a de docentes e 6% para o universo de gestores.

A Folha teve acesso a parte dos resultados do levantamento. A Unesco ainda trabalha na análise dos dados completos.

De acordo com a pesquisa, a formação de professores para a nova estrutura —tanto para a formação geral básica quanto para os itinerários formativos— foi considerada inadequada para cerca de 7 a cada 10 professores. Assim, a formação continuada é vista como o principal desafio para a implementação do modelo, de acordo com 74% dos gestores.

Na sequência dos principais desafios para implementação, 67% dos gestores apontaram adequação de infraestrutura, apoio técnico e aquisição e elaboração de material didático. Para 63% dos diretores escolares, a expansão da carga horária é também um desafio, e, para 62%, a oferta das linhas de aprofundamento, que são os itinerários.

A coordenadora do setor de Educação da Unesco no Brasil, Rebeca Otero, disse à Folha que os dados ainda serão analisados em profundidade, mas há um cenário geral de insatisfação, sobretudo com as formações oferecidas aos professores.

“A pesquisa mostrou que as secretarias de Educação se empenharam na implementação, fizeram materiais, reuniões pedagógicas, mas há uma insatisfação com as formações”, diz. “O professor é o elemento chave, se ele não está motivado, não está valorizado, bem formado, não tem qualidade educacional”.

Otero ressalta que reclamações sobre infraestrutura é algo forte entre os estudantes, mas chama a atenção a questão de a maioria querer ensino técnico profissional, mas poucas escolas terem essa oferta. De acordo com a pesquisa, 82% do alunos elegeram a formação técnica como área de interesse, mas só 27% dos gestores disseram ofertar disciplinas ou cursos deste tipo nas escolas.

Estudantes também têm reclamado de terem perdido tempo de aula de disciplinas tradicionais e há casos de conteúdos desconectados do currículo, como disciplinas eletivas de RPG e Brigadeiro Gourmet, além de falta de opções de itinerários para os estudantes.

Na avaliação de críticos, esse modelo de itinerários é inviável por causa da infraestrutura das redes públicas, o que inclui cidades com apenas uma escola de ensino médio e falta de professores e de formação adequada para o modelo.

O levantamento da Unesco mostra que, de acordo com os gestores, 44% das escolas não têm trilha de aprofundamento —ou seja, não oferece o itinerário para os alunos. Por outro lado, 85% têm disciplinas eletivas e 92% ofertam o componente “projeto de vida”, que integra o novo ensino médio mas cuja implementação é alvo de críticas entre estudantes.

Foi só após a pressão das manifestações, que passaram a desgastar o governo, que o MEC se mobilizou com mais ênfase para alterar o novo ensino médio. Um projeto de lei foi encaminhado ao Congresso em outubro.

Quem foi designado para ser o relator deste texto na Câmara foi o deputado Mendonça Filho (União-PE), que era ministro da Educação no governo Michel Temer (MDB), quando a reforma foi estipulada.

No relatório apresentado pelo deputado, há previsão de ampliação da carga horária da parte comum, a chamada Formação Geral Básica, das atuais 1.800 horas para 2.100 horas —considerando a carga total de 3.000 horas do ensino médio. Isso fica abaixo da proposta apresentada pelo governo Lula, que quer ampliar esse bloco para 2.400 horas.

O texto do governo permite uma flexibilidade da carga de formação geral, para 2.100, em casos de cursos de educação profissional de 1.200 horas.

O governo entende que o texto de Mendonça não vai resolver a insatisfação dos estudantes e educadores. No início da semana, o Executivo chegou a retirar o regime de urgência da matéria para atrasar a votação. Parlamentares de oposição, entretanto, conseguiram aprovar a retomada da urgência com um placar folgado: 351 a 102.

O saldo mostra que a proposta e os argumentos do governo não tiveram força para sensibilizar os deputados. A previsão é que o relatório de Mendonça Filho seja votado na próxima terça-feira (19). Se aprovado, seguirá para o Senado.

Essa tramitação expõe uma relação ruim entre o ministro da Educação, Camilo Santana, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Tanto pela designação do ex-ministro de Temer como relator quanto por incentivar que a pauta progredisse.

A interlocutores Camilo Santana disse que o governo vai insistir com a proposta, inclusive no Senado, sob o argumento de que o projeto do governo é resultado de uma consulta pública realizada e consenso entre entidades educacionais, como o Consed (que reúne secretários de Educação dos estados). O Consed, por sua vez, divulgou estar alinhado com a proposta do relator.

Sobre os itinerários, o substitutivo prevê uma carga horária de 900 horas, ao longo dos três anos, e mantém as quatro opções que estão vigentes hoje, além da possibilidade de ensino técnico profissionalizante: linguagens e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias, ciências da natureza e suas tecnologias e ciências humanas e sociais aplicadas.

Da Folha de S.Paulo

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Leia também
Fechar
Botão Voltar ao topo