Mais de mil escolas do país estão ocupadas em protesto; entenda o movimento

Mais de mil escolas e outros espaços estão ocupados em todo país por estudantes, de acordo com balanço divulgado pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes). Ao todo, segundo a entidade, são 995 escolas e institutos federais, 73 campi universitários, três núcleos regionais de Educação, além da Câmara Municipal de Guarulhos, o que totaliza 1.072 locais.

Não há um balanço nacional oficial. E, em algumas localidades, há divergência quanto aos números. Por exemplo, o estado do Paraná concentra o maior número de ocupações. De acordo com os estudantes, são 847 locais. Já o governo afirma que 792 escolas estão ocupadas.

Minas Gerais aparece em segundo lugar, com 48 ocupações; Rio Grande do Sul, com 13; Goiás e Rio Grande do Norte, com nove cada, conforme dados dos estudantes.

Reivindicações

O movimento é contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/2016, cujas discussões para votação em segundo turno na Câmara dos Deputados foram retomadas ontem (25). A PEC limita os gastos do governo federal pelos próximos 20 anos. Estudos mostram que a medida pode reduzir os repasses para a área de educação, que, limitados por um teto geral, resultarão na necessitará de retirada recursos de outras áreas para investimento no ensino.

Os estudantes também são contra a reforma do ensino médio, proposta pela Medida Provisória (MP) 746/2016, enviada ao Congresso. Para o governo, a proposta irá acelerar a reformulação da etapa de ensino que concentra mais reprovações e abandono de estudantes. Os alunos argumentam que a reforma deve ser debatida amplamente antes de ser implantada por MP, que começa a vigorar imediatamente.

Governo

O Ministério da Educação (MEC) afirma que a PEC 241 não reduzirá os repasses para educação e que o ajuste fiscal é necessário em um contexto de crise econômica. Sobre as ocupações, o ministério diz que os estudantes têm direito de se manifestar, mas que a Constituição garante a livre manifestação e também assegura que a educação é um direito de todos. O MEC diz ainda que ninguém deve impedir o direito dos jovens de ir e vir para a escola.

De acordo com o ministério, em 2016, a pasta conta com R$ 129,96 bilhões para custear despesas e programas. No projeto de orçamento de 2017, esse valor deve chegar a R$ 138,97 bilhões, um crescimento de 7%, “o que mostra prioridade para a área”.

A PEC 241 propõe um novo regime fiscal para o país, em que o aumento dos gastos públicos, em um ano, esteja limitado pela inflação do ano anterior nos próximos 20 anos. A medida poderá ser revista pelo presidente da República após os primeiros dez anos.

Em relação à MP do Ensino Médio, o ministério destaca que a questão já estava em discussão entre especialistas e outros setores desde 1998 e que, desde 2013, no Congresso Nacional, sob formato de projeto de lei. E argumenta que a urgência do tema fez com que o governo editasse uma MP.

Enem

As ocupações ocorrem em meio ao preparo para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), cujas provas serão aplicadas nos dias 5 e 6 de novembro. Muitas das escolas ocupadas serão locais de aplicação de provas.

De acordo com o último balanço divulgado pelo MEC, 182 locais de prova do Enem estavam ocupados até a semana passada. O número aumentou desde que o ministro da Educação, Mendonça Filho, estipulou o dia 31 como prazo para desocupação dos locais. Segundo a pasta, caso isso não ocorra, o Enem será cancelado nesses locais.

A Advocacia-Geral da União (AGU) defende que, em caso de cancelamento, seja cobrado dos participantes das ocupações o custo da aplicação das provas para os alunos prejudicados. O custo é de R$ 90 por prova. Para que isso ocorra, no entanto, é necessário o nome dos ocupantes. O MEC enviou aos institutos federais um comunicado no qual pede os nomes. Os institutos dizem que há obstáculos operacionais para que isso seja feito e que pedido semelhante nunca foi feito antes.

Eleições

Em alguns dos locais ocupados, seções eleitorais vão funcionar neste domingo (30), no segundo turno das eleições municipais. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ainda não tem um balanço sobre colégios onde haverá seções eleitorais e que estão ocupados. Segundo o TSE, cabe a cada Tribunal Regional Eleitoral (TRE) tomar as devidas providências para que a votação seja realizada.

O TRE do Paraná, por exemplo, decidiu mudar os locais de votação de todos os eleitores que votam em escolas estaduais, ocupadas ou não. Ao todo, 205 locais de votação (146 em Curitiba, 32 em Maringá e 27 em Ponta Grossa) mudarão de lugar.

Morte de estudante

Na segunda-feira (24), um dos participantes de uma das instituições ocupadas no Paraná, o Colégio Estadual Santa Felicidade, em Curitiba, foi encontrado morto dentro da escola. Com apenas 16 anos, o estudante foi morto por um colega, também menor. De acordo com a Secretaria de Estado da Segurança Pública e Administração Penitenciária do Paraná, ambos teriam usado drogas e o adolescente teria atacado o colega para se defender. O grave acontecimento fez com que os governos estadual e federal insistissem na desocupação dos locais.

Rio de Janeiro

Mais duas unidades do Colégio Pedro II, tradicional escola federal do Rio de Janeiro, foram ocupadas ontem por estudantes. Após a unidade de Realengo e Engenho Novo, ocupada na semana passada, eles as de São Cristóvão, na zona norte, e de Niterói, na região metropolitana.

Os irmãos Taygoara Cotta, de 16 anos, e Kauã Cotta, de 14, que estudam na unidade de São Cristóvão, disseram que vão pernoitar na escola. “Acredito que, se todos lutarmos e pressionarmos, conseguiremos mudar. São mais de 1,2 mil instituições no Brasil ocupadas e, com essa força, é possível que o Congresso volte atrás”, disse o rapaz. Ele informou que os alunos devem fazer nova assembleia dentro de 48 horas para decidir os rumos do movimento.

Professora da escola do município e mãe de Taygoara e Kauã, Vera Lúcia Pereira, de 52 anos, afirma que os pais estão apoiando os alunos. “É um protesto legítimo. Estamos dando apoio técnico. Alguns pais vão dormir no local com eles, mas o colégio já garantiu a segurança.”

Os alunos promoveram atividades esportivas, como futebol e vôlei, sessão de cinema, jogos de mesa, roda de dança de matrizes africanas. Em Realengo, zona oeste da capital, eles tiveram aulão de física na manhã de ontem como preparação para o Enem. “Não queremos prejudicar ninguém. Tanto que a reitoria, embora não apoie, entende a nossa luta e mantém uma boa relação conosco. O que não dá é ficar inerte frente a essa ondas de medidas como PEC 241, Projeto de Lei Escola Sem Partido”, disse uma estudante, que não quis se identificar.

De acordo com a diretora de ensino do Colégio Pedro II de Realengo, Eliana Myra, a escola funcionará normalmente como local de votação no domingo.  “Ontem um juiz [eleitoral] conversou com os alunos, e uma parte do colégio foi reservada para o processo eleitoral. Eles não desocuparão, mas também não atrapalharão nada no domingo.”

O reitor do Colégio Pedro II, Oscar Halac, informou, em nota, que a permanência de menores e adolescentes nas dependências da escola fora do turno de funcionamento implica transgressão a artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente. “Esclareço, ainda, que a autorização para menores e adolescentes pernoitarem em espaços públicos só tem validade com autorização expressa do Juizado de Menores”.

Em outra nota oficial, o reitor garantiu que a votação do dia 30 e a prova do Enem não serão prejudicadas, sobretudo, porque os estudantes querem participar de ambos os processos. “Tranquilizem-se todos. Não será necessária força coercitiva para retirá-los. Mesmo porque eu não agiria assim contra o maior capital intelectual deste município que é o estudante do Colégio Pedro II. E, no dia seguinte do uso da força, como olhá-los nos olhos? São nossos alunos. São seus filhos”, diz a nota divulgada pelo reitor.

No fim da tarde, os servidores do Colégio Pedro II, reunidos em assembleia, decidiram entrar em greve por tempo indeterminado a partir de sexta-feira (28). De acordo com o sindicato da categoria (Sindscope), a greve foi aprovada “por imensa maioria” e é contra a PEC 241 e “reformas que retiram direitos”. “Os servidores também se solidarizaram com estudantes que iniciaram movimento de ocupação dos campi do CPII em defesa da educação pública e contra a PEC 241, a MP do ensino médio e a tentativa dos projetos ‘Escola Sem Partido’ de proibir o debate e a diversidade de ideias na escola”, informa a nota publicada na página do sindicato no Facebook.

As unidades do Instituto Federal de Educação do Rio de Janeiro de Nilópolis, Duque de Caxias e São Gonçalo também estão ocupadas.

São Paulo

Em São Paulo, alunos ocuparam uma escola estadual na zona norte da capital. O grupo entrou na Escola Estadual Silvio Xavier, no Piqueri, na noite de terça (24). Pelas redes sociais, os estudantes disseram ter paralisado as atividades em uma escola em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, e outra em Campinas, no interior paulista.

A Secretaria Estadual de Educação foi procurada pela reportagem da Agência Brasil, mas ainda não se manifestou sobre as ocupações.

*Colaboraram Flávia Villela, do Rio de Janeiro, e Daniel Mello, de São Paulo

Da Agência Brasil

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