Manifestantes impedem defesa da ditadura em sessão da Câmara
Com cartazes, aplausos e cantando o hino nacional, os manifestantes comemoraram a impossibilidade do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) de fazer discurso homenageando a ditadura militar na sessão que a Câmara dos Deputados promoveu na manhã desta terça-feira (1º) para rememorar os 50 anos do golpe militar de 1964.
Agência CâmaraO presidente da Câmara havia anunciado “atitude consciente de repúdio contra qualquer outra proposta de comemoração da data”, em referência ao pedido de Bolsonaro.
O deputado Amir Lando (PMDB-RO), que presidia a sessão, pedia ao público que deixasse o plenário ou voltasse de frente para o orador, já que a posição de costas para Bolsonaro, adotada pelos manifestantes em protesto, feria o regimento interno da casa, considerada como ato desrespeitoso. Sem atendimento ao seu pedido, Lando encerrou a sessão sem que Bolsonaro falasse.
Aos gritos de “Viva a democracia. Viva a liberdade. Viva a verdade”, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP), que solicitou a sessão para homenagear a resistência ao golpe, encerrou seu discurso, no qual defendeu a revisão da Lei da Anistia.
“É preciso virar a página desse vergonhoso capítulo da história brasileira com aprovação do projeto de lei que propõe a interpretação da Lei da Anistia sobre crimes conexos, sem o que não se promoverá a justiça de transição”, disse a parlamentar.
Segundo ela ainda, o Estado brasileiro está em débito com a Corte Interamericana de Justiça da OEA (Organização dos Estados Americanos), que obriga o governo do Brasil a rever a Lei da Anistia para punir os responsáveis pelos atos de arbítrio e violência durante a ditadura. Erundina cobrou do Congresso Nacional a aprovação do projeto “que representa ação concreta para fazer justiça às vítimas da ditadura”.
Ela, a exemplo dos oradores que a sucederam, fizeram homenagem aos civis e militares que resistiram ao golpe e à ditadura que instalou, no Brasil, durante 21 anos, “a mais longa e cruenta ditadura da nossa história”, com força das armas e apoio econômico dos empresários e político dos Estados Unidos.
Segundo Erundina, naquele dia o Brasil “perdeu a democracia, com a deposição de Jango; a liberdade tragada pela eliminação das normas democráticas e a verdade por um regime de violência institucional”. E denunciou que ainda hoje existe uma conspiração silenciosa, porém eficiente, para impedir que venham a público os casos escabrosos perpetrados pela ditadura.
Ditadura sem voz
A sessão começou muito atrasada e sob ameaça de tumulto pelos apoiadores da ditadura. Durante o discurso de abertura da sessão, da deputada Luiza Erundina, foi aberta uma faixa parabenizando os militares. O plenário reagiu aos gritos de “assassino”. O tumulto fez o presidente da Mesa suspender a sessão por cinco minutos e retomar logo em seguida, após a apreensão da faixa.
Antes de iniciada a sessão, Bolsonaro anunciava que faria discurso em defesa da ditadura militar. O deputado Beto Albuquerque (PSB-RS) fez o contraponto às ameaças de Bolsonaro, lembrando que se ele defende a ditadura deveria abandonar o Parlamento para o qual foi eleito pelo voto popular e ir pegar nas armas para implantar a ditadura no Brasil.
Bolsonaro insistiu em discursar. A tentativa dele gerou reação do público, que virou de costas e levantou cartazes das vítimas da ditadura – mortos e desaparecidos políticos. Novamente a sessão foi suspensa pelo presidente da Mesa Diretora, que pediu que os manifestantes se retirassem porque o comportamento era contrário ao regimento interno da Casa.
Ano da democracia
Já eram quase 11 horas quando o presidente da Casa, deputado Henrique Alves (PMDB-RN), mandou abrir as galerias, franqueando a entrada de todos, e iniciou a sessão. Alves lembrou que a ditadura fechou o Congresso por três vezes para se contrapor aos atos de resistência do Parlamento, fez leis e alterou a Constituição. “Por estes motivos não será admitida nenhuma iniciativa institucional como gesto de legitimidade do golpe militar de 1964. E também por isso que nessa sessão solene assino o ato que proclama 2014 o ano da democracia, da memória e do direito à verdade”.
A execução do Hino Nacional e a exibição de um vídeo mostrando a movimentação dos militares no dia do golpe e as manchetes dos jornais apoiando o movimento calaram o público que lotou o plenário e as galerias da Câmara, não pela força das armas como ocorreu há 50 anos, mas pela emoção que tocou a todos, principalmente nas cenas da volta dos anistiados e dos comícios e manifestações pelas Diretas Já e redemocratização do país. O final da exibição do vídeo foi seguido de aplausos.
Henrique Alves fez um discurso em que destacou a sua decisão de acatar o pedido da deputada Luiza Erundina – a quem chamou de “encantadora mulher” – de homenagear a resistência ao golpe, reafirmando sua “atitude consciente de repúdio contra qualquer outra proposta de comemoração da data”, em referência do pedido de Bolsonaro de realizar sessão para homenagear o golpe militar.
Ele lembrou que “os ataques diretos à instituição (Parlamento) foram constantes, logo no primeiro Ato Institucional se afirmava que os comandantes em chefe poderão suspender direitos políticos e cassar mandatos, excluída apreciação judicial. 173 mandatários eleitos pelo povo foram expurgados da Câmara dos Deputados”, disse Alves, citando o pai dele e dois tios, “que não puderam continuar a luta por seus ideais”, avaliou.
Para o presidente da Câmara, a sessão deve mostrar à juventude brasileira “o que nos humilhou e o que resistimos para transformar o país em uma das maiores democracias do mundo”.
Bolsonaro, em desrespeito ao presidente da Casa, insistiu em defender a ditadura, sendo rechaçado por parlamentares como João Ananias (CE) e Alice Portugal (BA), ambos do PCdoB, e Valmir Assunção (PT-BA), que lembraram ao presidente da Mesa que a Constituição proíbe a apologia ao totalitarismo.
O Congresso foi diretamente afetado, atingido pela ditadura militar. Foi fechado três vezes e teve 173 parlamentares cassados, entre eles o então deputado Rubem Paiva, que ainda hoje está desaparecido, com fortes indícios de ter sido assassinado nos porões da ditadura. “Então, isso explica a necessidade, a importância e o simbolismo dessas manifestações que estamos a promover no país inteiro durante este ano”, explicou Erundina.
Por Márcia Xavier, do Portal Vermelho