Membros do 1% mais rico, juízes e procuradores protestam por salário
Juízes federais e procuradores da República vão fazer protestos em seis capitais nesta quinta-feira 15 por melhores salários. Estão indignados porque o auxílio-moradia que recebem terá a legalidade julgada em breve pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Não querem perder a mordomia pois, segundo eles, é uma forma de compensar a falta de aumento de 2015 para cá.
Apesar da estagnação remuneratória, juízes e procuradores pertencem ao 1% mais rico da população. Fazem parte deste grupo aqueles brasileiros que ganham a partir de 27 mil reais mensais. Em 2016, os magistrados federais embolsaram 50 mil reais por mês, em média. A remuneração inicial de um procurador é de 28 mil.
O cálculo de quanto recebe o 1% mais rico é do IBGE, conforme pesquisa de novembro. O ganho dos togados federais consta do último anuário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de setembro passado. O valor do vencimento mínimo dos procuradores é uma informação do Ministério Público (MP).
O contracheque das duas categorias é generosíssimo quando comparado aos rendimentos dos trabalhadores comuns. Em 2017, foi de 1,2 mil reais a renda média mensal de cada pessoa moradora de um domicílio no País, de acordo com o IBGE.
Idem para a comparação com os aposentados. Dos cerca de 23 milhões de benefícios pagos pelo INSS por mês, 70% são no valor de um salário mínimo. O piso nacional é de 954 reais.
Os juízes estaduais não participarão do protesto. Acham que desafiar o STF pode levar a corte a acabar realmente com o auxílio-moradia, para mostrar quem é que manda. Mas eles não estão com seu privilégio ameaçado, pois o julgamento no Supremo não atingirá o auxílio que recebem.
Os magistrados estaduais também integram o 1% mais rico. Em 2016, seus ganhos mensais médios foram de 49 mil, segundo o CNJ. Em alguns estados, a remuneração é espantosa.
Foi de 95 mil no estado recordista, o Mato Grosso do Sul, onde a renda domiciliar per capita é de 1,2 mil. Em Goiás, o vice-campeão, foi de 70 mil, enquanto a renda domiciliar per capita era de 1,2 mil. Em São Paulo, renda per capita média de 1,7 mil, os juízes estaduais embolsaram 42 mil.
Graças aos gordos contracheques de magistrados e procuradores, o Brasil é o país que mais gasta dinheiro público para manter o sistema de Justiça funcionando. É a conclusão de um estudo de 2015 feito na Universidade Federal do Paraná (UFPR), chamado “O custo da Justiça no Brasil”.
Em 2016, conforme o CNJ, o País gastou 1,4% das riquezas geradas no ano (PIB) com o Poder Judiciário, 84 bilhões de reais. Nos Estados Unidos, a mesma despesa consome 0,14% ao ano. Na Alemanha, 0,32%. Na Argentina, 0,13%. O segundo lugar é da Venezuela, em um distante 0,34%.
E não que aqui haja juízes demais. É salário mesmo, o que explica a despesa recorde. No Brasil há 8,2 magistrados para cada 100 mil habitantes, conforme o estudo da UFPR. Na Alemanha, há três vezes mais (24,7). Em Portugal, mais do que o dobro (19,2). Nos EUA, 10,8.
O MP é outro campeão de consumo de verba pública. É de 6 bilhões de reais o orçamento deste ano do MP Federal, uma tropa de uns 2 mil procuradores. Fora o gasto nos estados, batalhão de uns 12 mil promotores.
Tudo somado, o custo anual do MP é de cerca de 0,32%, conforme o estudo da UFPR. Na Itália, é de 0,09%. Em Portugal, de 0,06%. Na Alemanha e na Espanha, de 0,02%.
Apesar desta realidade salarial, haverá protesto por mais verba. Atos serão promovidos no início da tarde desta quinta-feira 15 nas cidades de Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Porto Alegre e Belém.
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A mobilização foi uma iniciativa da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), em reação contra o julgamento marcado pelo STF para o dia 22 sobre o auxílio-moradia.
A mordomia foi universalizada em setembro de 2014 por uma liminar do juiz Luiz Fux, do Supremo, em uma ação movida por oito magistrados federais. Valor da regalia: 4,3 mil mensais.
A ideia inicial do presidente da Ajufe, Roberto Veloso, era promover uma greve. Dos 2 mil filiados da entidade, aposentados incluídos, 1,3 mil responderam a uma consulta sobre a ideia, dos quais 81% a favor. Mas depois houve um recuo da Ajufe, que passou a moderar sua posição.
“Com os salários que têm e com o corte de gastos em razão do ajuste fiscal, uma greve do Judiciário por aumentos salariais chega a ser ofensiva”, diz o cientista político Fernando Limongi, professor da USP e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). “Os magistrados não têm problema algum em defender seus privilégios e justificá-los como necessários à defesa da liberdade e do bem estar da sociedade. A coisa beira o cinismo.”
O corporativismo e a agenda salarial do Judiciário chegaram a tal ponto, que a FGV de São Paulo vai incluir o tema a partir deste ano na pesquisa periódica que faz sobre a percepção dos brasileiros a respeito da Justiça, o Índice de Confiança na Justiça. Uma percepção que já vai mal.
Na última edição, de outubro passado, o Judiciário tinha confiança de 24%. Número mais perto de instituições mal avaliadas, como partidos e Congresso, ambos com 7%, do que das do topo, Forças Armadas (56%) e Igreja Católica (53%).
E o mais grave, diz Luciana de Oliveira Ramos, coordenadora da pesquisa. A confiança caiu 10 pontos desde 2013. Resultado, diz ela, da maior exposição midiática da Justiça. Ou seja, quanto mais as pessoas conhecem o Judiciário, pior.
“Essa agenda corporativa de querer perpetuar privilégios é um problema. Num país em que muitas pessoas ganham salário mínimo, pagar auxílio-moradia de 4,3 mil reais não tem qualquer cabimento.”
A Associação Nacional dos Procuradores (ANPR) diz que resolveu aderir ao protesto pois defende melhor remuneração para a categoria, não devido ao auxílio-moradia em si. “O Supremo pode acabar com o auxílio que nós continuaremos com manifestações”, afirma o presidente da ANPR, José Robalinho Cavalcanti.
Se o STF derrubar o auxílio dos togados federais, o MP ficará sem argumento para pagar os seus. A mordomia deles foi determinada alguns dias depois da liminar de Fux, com base nesta liminar.