Mensagens de procuradores revelam crueldade e desumanidade, dizem advogados
“De todos os casos da ‘lava jato’ que surgiram até agora, acho que esse é o que demonstra mais desumanidade por parte dos procuradores, chefiados pelo então juiz Sergio Moro”, afirma o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay), advogado de Raul Schmidt. “É uma imoralidade. Certamente as pessoas que agiram dessa forma foram muito além do que seus cargos permitem e eles têm de ser responsabilizados por isso. É cruel e desmoraliza o Judiciário e o Ministério Público Federal.”
De acordo com reportagem do Intercept, o procurador Diogo Castor de Mattos, já afastado das atividades da “lava jato”, sugeriu apreender o passaporte da filha do empresário Raul Schmit, para que ela não pudesse sair do Brasil. O empresário, brasileiro naturalizado português, é acusado pelo MPF de subornar ex-diretores da Petrobras para beneficiar empresas em contratos internacionais. Os procuradores da “lava jato” tentaram durante dois anos extraditar Schmidt para o Brasil para que fosse julgado, mas os pedidos foram todos negados até o caso ser arquivado pela Suprema Corte de Lisboa.
A mensagem de Castor de Mattos é do dia 1º de fevereiro de 2018. No dia anterior, o ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça, negou um pedido de suspensão da extradição de Schmidt para Portugal. A defesa do empresário começou, na época, a trabalhar a tese de que a extradição seria impossível, já que o cliente havia se naturalizado português.
O argumento de Kakay era que, embora a Constituição de Portugal permitisse a extradição de nacionais, a brasileira nunca permitiu. Pelo princípio da reciprocidade que vigora nas relações entre países, se um país não tem a mesma política que o outro, não pode haver extradição. E Schmidt já estava em Portugal na época.
Castor de Mattos, então, consultou os colegas sobre a possibilidade de cercar Nathalie, filha de Raul Schimdt. Aos colegas, ele disse que Nathalie estava “envolvida em algumas lavagens por ser beneficiária de uma offshore [empresa sediada fora do domicílio dos donos] do pai”.
Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa, ponderou que a medida poderia assustar Schmidt e fazê-lo “sumir”. “Se não fizermos nada ela foge do país no mesmo dia”, respondeu Castor de Mattos, revelando que ela havia dado entrada num pedido de passaporte estrangeiro. “Na minha perspectiva, ela não poder sair do país é um elemento de pressão em cima dele”, confessou, logo depois, o procurador. “Intercepta ela”, respondeu o procurador Athayde Ribeiro Costa.
Moro decidiu sobre os pedidos do MPF no dia 5 de fevereiro de 2018. Negou a apreensão do passaporte por entender que nada indicasse que Nathalie tivesse conhecimento da origem do dinheiro depositado na conta da offshore. O então juiz perguntou ao MPF se ainda tinha interesse em prosseguir com as demais medidas (bloqueio de contas, quebra de sigilo bancário e telefônico e de WhatsApp), já que Schmidt fora encontrado e preso em Portugal dois dias antes.
Violência estatal
“É uma violência sem tamanho”, afirma o advogado José Carlos Cal Garcia, que defende Nathalie nesse processo. Ela foi denunciada por lavagem de dinheiro, mas “não há qualquer indício que indique a mera suspeita de que ela teria participado de atos de lavagem de capital”, afirma o criminalista.
Na opinião dele, as conversas explicam a denúncia “absolutamente improcedente, desprovida de elementos mínimos de prova” oferecida contra Nathalie. “É profundamente lamentável que o MPF tenha se valido desse expediente”, disse o advogado, em nota enviada à ConJur.
Fortes convicções
Kakay afirma que desde que assumiu a defesa de Schimdt vem defendendo a tese de que o processo contra Nathalie era uma forma de pressionar seu cliente. Ele conta que, quando a Polícia Federal cumpria o mandado de busca e apreensão na casa dela, o delegado disse a Natahalie que, se ela dissesse onde o pai estava, a diligência seria interrompida e nada seria apreendido. “Só não havia provas”, afirma o advogado.
Para Kakay, as mensagens também deixam claro que os procuradores sabiam da inviabilidade da extradição de Schmidt para o Brasil. O princípio da reciprocidade e o fato de o empresário ser naturalizado português impossibilitavam a deportação, conforme decidiu a Suprema Corte de Lisboa. Por isso, analisa Kakay, os integrantes da “lava jato” estavam tão preocupados em descobrir formas de pressionar o empresário a se entregar por conta própria.
“De todas as revelações promovidas pelo Intercept, essa talvez seja a mais cruel. Pelo menos foi a que mais me chocou”, comenta Kakay. “É a comprovação da falta absoluta de limites. Esse juiz e os integrantes da força-tarefa se sentiam semideuses, heróis nacionais. Foram incensados por boa parte da mídia e se julgavam acima da lei e de qualquer tipo de escrúpulo. É muito lamentável.”