Mercadante: “Querem voltar a um Brasil em que só ricos estudavam no exterior”

Ex-ministro da Educação Aloizio Mercadante criticou duramente, em entrevista ao 247, a decisão do governo interino de Michel Temer de suspender a concessão de novas bolsas de estudo de graduação no exterior para brasileiros por meio do programa Ciência Sem Fronteiras; “É um retrocesso inaceitável o fim de bolsas acadêmicas no exterior. Na realidade, eles querem voltar a um Brasil que não existe mais, em que só os ricos tinham o direito de entrar no ensino superior e de estudar no exterior”, afirmou; “Os argumentos apresentados para justificar o fim do Ciência Sem Fronteiras são absolutamente insustentáveis, colocados por quem sequer leu os relatórios acadêmico científicos do programa”, completa

247 – “É um retrocesso inaceitável o fim de bolsas acadêmicas no exterior. Na realidade, eles querem voltar a um Brasil que não existe mais, em que só os ricos tinham o direito de entrar no ensino superior e de estudar no exterior”. Assim, o ex-ministro da Educação, Aloizio Mercadante, classificou, em entrevista ao 247 nesta segunda-feira (25), a decisão do governo interino de Michel Temer de suspender a concessão de novas bolsas de estudo para estudantes brasileiros de graduação no exterior por meio do programa Ciência Sem Fronteiras.

A suspensão, anunciada no último sábado (23), acaba com o intercâmbio de universitários brasileiros, de cursos de áreas técnicas, em instituições de ensino de 54 países. “Os argumentos apresentados para justificar o fim do Ciência Sem Fronteiras são absolutamente insustentáveis, colocados por quem sequer leu os relatórios acadêmico científicos do programa”, afirma Mercadante.

O ex-ministro diz que o choque de internacionalização gerado pelo Ciência Sem Fronteiras traz benefícios duradouros para a ciência, tecnologia e inovação brasileira e gera um grande estímulo para a produção do conhecimento. “Demos um salto extraordinário. Em um país que é a sétima economia mundial, com um desafio tecnológico imenso, um choque de internacionalização da ciência é fundamental para participarmos das principais linhas de pesquisa do mundo e enfrentarmos os problemas da contemporaneidade”, acrescenta.

Para Mercadante, o fim do programa carimba a falta de prioridade que o governo interino dá para a pauta, uma vez que um dos primeiros atos de Temer, após o afastamento da presidente Dilma Rousseff, foi a extinção dos ministérios da Cultura e da Ciência, Tecnologia e Inovação. “Apenas um governo sem votos tem a capacidade de, em tão pouco tempo, acabar com experiências inovadoras e reconhecidas por inúmeras contribuições para a ciência, a tecnologia, a inovação e para a própria cultura”, argumenta o ex-ministro.

Inclusão – Segundo Mercadante, as bolsas acadêmicas no exterior foram fator de inclusão social. “Do total que participou do Ciência Sem Fronteiras, 26,4% são negros; 25% são jovens de famílias com renda até três salários mínimos; e mais da metade são de famílias com renda de até seis salários mínimos. Nunca tiveram essa oportunidade”.

O ex-ministro destaca o critério da nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para acesso ao programa. “Antes, só os mais ricos podiam estudar fora do Brasil, com o Ciência Sem Fronteiras e uso da nota no Enem como critério de acesso ao programa, a possiblidade passou a ser republicana para todos”, afirma.

O Ciência Sem Fronteiras nasceu em 2011, a partir de uma visita do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao Brasil. Na época, a China possuía 80 mil doutorandos em universidades norte-americanas. “Seguimos a estratégia de mudar a economia a partir da mobilidade científica internacional, como é feito por outros países emergentes, como a Coréia do Sul, China e Índia, que possuem milhares de estudantes no exterior”, conta Mercadante.

Com a priorização das áreas de ciências, tecnologias, engenharia e matemática, a primeira fase do Ciência Sem Fronteiras enviou 73,3 mil universitários brasileiros para o exterior. Eles participaram de 2.912 universidades de 54 países, sendo 182 das 200 melhores universidades do mundo.

Dos bolsistas no exterior, que fazem parte do Ciência Sem Fronteiras, 40% fizeram estágios em laboratórios universitários, governamentais e industrias. “Essa experiência permite que, quando voltarem ao Brasil, esses estudantes já tenham uma identidade com ciência, tecnologia e inovação. Estamos formando lideranças acadêmicas, professores e empreendedores que podem contribuir para o país dar um salto tecnológico para o futuro”, diz o ex-ministro.

O programa também impulsionou a formação de mestres e doutores no Brasil. Dos quase 13 mil participantes do Ciência Sem Fronteiras que já concluíram os cursos de graduação no Brasil após retornarem do exterior, mais de 20% ingressaram em cursos de mestrado e doutorado no país. Esse percentual representa um número muito maior em relação aos menos de 5% dos graduados ingressantes em pós-graduação.

“Não podemos voltar ao passado quando mandávamos cerca de 5 mil estudantes para o exterior. Com o Ciência Sem Fronteiras, em 2015, foram mais de 40 mil estudantes que tiveram essa oportunidade”, diz o ex-ministro.

Ajustes – Mercadante afirma que quando retornou ao Ministério da Educação, em 2015, identificou alguns problemas de questão orçamentária no Ciências Sem Fronteira. “Estávamos trabalhando em uma estratégia para corrigir o programa, jamais para acabar ou descontinuar o Ciência Sem Fronteiras”, afirma.

De acordo com o ex-ministro, estava em pauta a redução do escopo para melhoria da qualidade e a discussão sobre a inclusão de bolsas parciais. “Uma das soluções possíveis é a instituição de bolsas parciais para quem tem renda contribuir. Falta criatividade de gestão para o governo interino”, diz Mercadante.

Outra alternativa seria a busca de mais parcerias com a iniciativa privada, que já é responsável por 25% do financiamento do programa. “Uma parte desse financiamento privado se efetivou, caso da Febraban que honrou seu compromisso. A Petrobras também iria colaborar, com R$ 460 milhões. Só não fizeram por causa do golpe. Tem que ir atrás do setor privado”.

Para Mercadante, a crise fiscal e a desvalorização do real tiveram grande impacto no Ciência Sem Fronteiras. “Uma coisa é o câmbio a R$ 1,80, outra é a R$ 3,40”, argumenta o ex-ministro.

Outro lado – O ministro interino da Educação, Mendonça Filho, disse que o Ciência Sem Fronteira é um programa caríssimo e que não passa por avaliação nem acompanhamento. E que os cursos ministrados são, na sua maioria, em faculdades de “terceira linha”.

Mendonça diz que nem países ricos adotariam um programa como esse. “Nem Finlândia, Suécia ou Dinamarca, que são países riquíssimos e muito bem resolvidos na questão de equidade, ofertariam um programa tão generoso como esse, sem qualquer acompanhamento”, disse Mendonça Filho ao Globo.

Entretanto, Mendonça parece desconhecer o programa Erasmus Mundus, iniciado há mais de oito anos pela comunidade europeia. O Erasmus Mundus é um programa de cooperação e mobilidade para o ensino superior, que assim como o Ciência Sem Fronteiras, promove a internacionalização do conhecimento.

Dentro os objetivos do Erasmus Mundus está a promoção da União Europeia como um centro de excelência de educação em todo o mundo, a promoção da compreensão intercultural através da cooperação com outros países e o desenvolvimento do ensino superior nesses países.

Do Brasil 247

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