Mesmo sem apoio federal, escolas cívico-militares avançam nos estados
Reportagem da Agência Pública mostra exemplos como São Paulo, que aprovou lei implementando o modelo, e Paraná, onde militarização também avança com apoio do governo local
por Danilo Queiroz
Mesmo depois do encerramento do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (Pecim), criado no governo Bolsonaro, pelo Ministério da Educação (MEC), a militarização da educação avança pelo país. O modelo, que foi uma das bandeiras do governo Bolsonaro, encontra apoio em governos locais de aliados do ex-presidente para continuar sua expansão.
No estado de São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) pretende implementar ao menos cem escolas cívico-militares até 2026. Um projeto de lei que prevê a implementação dessas escolas nas redes estadual e municipal de ensino foi aprovado na última terça-feira (21), em uma votação marcada por violência policial contra estudantes que se manifestaram contra a proposta.
O texto aprovado se baseia em um anteprojeto do atual secretário da Educação, Renato Feder, que ocupava o mesmo cargo no governo do Paraná quando o governador Ratinho Júnior (PSD) sancionou a lei que instituiu o Programa Colégios Cívico-Militares no estado, em dezembro de 2022.
No Paraná, a expansão do modelo militar de ensino já é uma realidade. O projeto estadual era uma das promessas de campanha da gestão de Ratinho Júnior antes mesmo de ele se eleger a governador.
Atualmente, o estado tem 312 escolas cívico-militares, todas ligadas ao programa estadual, segundo a Secretaria de Educação do Paraná. Durante o Pecim, foram criadas 12 escolas do modelo, que eram administradas pelo MEC e pelo Ministério da Defesa. Entre 2021 e 2022, ainda durante o funcionamento do programa federal, outras 217 escolas regulares se tornaram cívico-militares, dentro do programa do governo do Paraná. Depois do fim do Pecim, mais 83 escolas do modelo militar foram criadas, também vinculadas à rede estadual.
No Brasil, em dois anos do Pecim, foram criadas 223 escolas cívico-militares, de acordo com dados do MEC acessados pela Agência Pública via Lei de Acesso à Informação (LAI).
O caso de Londrina
No Paraná, a maior parte das escolas cívico-militares está na capital, Curitiba (29), e na cidade de Londrina (21), segundo a Secretaria de Educação estadual. Londrina foi uma das primeiras cidades no estado a receber uma escola vinculada ao Pecim, o Colégio Estadual Profª Adelia Barbosa, que atualmente é administrado pelo governo do estado.
Há consultas públicas para selecionar instituições de ensino que passarão do modelo regular para o cívico-militar. Entre os critérios está a localização em áreas com altos índices de vulnerabilidade social. Em Londrina, as únicas duas escolas que não aderiram ao modelo foram o Colégio Estadual Professora Rina Maria de Jesus Francovige e o Colégio Estadual Profª Lúcia Barros Lisboa.
O Colégio Estadual Cívico-Militar Hugo Simas passou por consulta pública no final do ano passado e, este ano, se militarizou. Quem estuda lá, desde 2018, é o filho de Giovanna*, que tem 17 e está no terceiro ano do ensino médio. “Nos avisaram uma semana antes por WhatsApp que a escola poderia passar a ser cívico-militar. O argumento da direção é que ou aceitaríamos essa mudança ou a escola se tornaria integral”, conta.
Ela diz que a direção da escola informou que “com essa mudança a escola aumentaria a nota no Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica]”. “Esse argumento não faz sentido algum, já que o colégio é referência na cidade há um tempo”, diz Giovana. “Pra mim, o único sentido disso é concretizar um laboratório de militarização na educação da cidade, a começar pelas escolas já reconhecidas.”
Quando passam ao modelo militar, as escolas do Paraná seguem um manual do governo sobre normas sociais e outras práticas. Ele inclui instruções sobre fardamento e também corte de cabelo e apresentação individual dos estudantes com orientações para gêneros masculino e feminino. Para o gênero feminino é recomendada, por exemplo, pouca maquiagem. No caso do gênero masculino, não é permitido cabelos raspados, com desenhos, pinturas ou cortes como o de tipo moicano ou desenhos nas sobrancelhas. Também não é permitido o uso de brincos ou piercing. Há revistas mensais dos cortes de cabelo dos estudantes.
No início do ano letivo, André*, de 11 anos, foi informado no Colégio Estadual Barão do Rio Branco que precisaria mudar o visual. Meninos não poderiam mais usar brincos ou cabelos compridos. Laura*, mãe da criança, até pensou em mudar o filho de colégio, mas todas as unidades de ensino próximas à casa dela passaram a ser cívico-militares.
“Ninguém merece começar tudo de novo, inclusive uma nova identidade pessoal, só porque o governador resolveu que essa escola vai virar círculo militar”, reclama Laura.
A grade curricular das escolas também mudou. Aulas de civismo e cidadania, que não faziam parte do ensino regular, foram acrescentadas. “Desde que houve essa mudança na escola, meu filho passou a ser mais tímido, com receio de ser punido pelos militares. Ele comentou que os policiais já chegaram a acompanhar o professor numa aula de civismo e cidadania”, comenta Paula*, mãe de um menino matriculado no 6º ano do Colégio Barão.
No Paraná, nos primeiros dois anos do Pecim, durante a gestão de Renato Feder como secretário de Educação, militares atuavam nas escolas como monitores e diretores cívico-militares. Eles exerciam gestão na área de infraestrutura, patrimônio, finanças, segurança, disciplina, além de atividades, como hastear a bandeira do Brasil e cantar o hino nacional diariamente, antes do início das aulas.
Atualmente, as secretarias de Educação e de Segurança Pública do Paraná têm modelo de gestão compartilhada entre civis e militares nas escolas. Enquanto a primeira é responsável por conduzir o processo seletivo dos militares, implementar as escolas cívico-militares nos núcleos regionais de educação e fiscalizar, a segunda realiza o chamamento dos militares da reserva selecionados, que deverão atuar nas escolas cívico-militares, como monitores, por um prazo que não deve ultrapassar dez anos.
Segundo apurou a Pública, atualmente o estado conta com 726 monitores militares dentro das escolas. Eles são originalmente bombeiros ou policiais militares. Desde o início do programa, já foram emitidos 359 editais de chamamento público no Paraná convocando militares da reserva para atuar nas escolas. Em 2021, eles passaram a receber uma gratificação especial de R$ 5,5 mil pelos serviços prestados, custeados pela Secretaria de Educação.
“Esse valor, nem nós professores que trabalhamos por 40 horas recebemos”, explica Margleyse Santos, uma das representantes do Sindicato dos Professores e Funcionários das escolas do Paraná (APP Sindicato). Em São Paulo, o valor previsto para os monitores militares é de R$ 3,6 mil.
Em Londrina, 16 escolas convocaram monitores militares. Na avaliação da vereadora Lenir de Assis (PT), que é da bancada de oposição ao prefeito Marcelo Belinati (PP), aliado ao governador, não é por acaso que a cidade de Londrina foi escolhida para alavancar a militarização nas escolas. “Nas últimas eleições, 73% dos eleitores do município votaram a favor da reeleição de Bolsonaro. O governo do estado encontrou aqui territórios facilitados sem resistência alguma”.
Edição: Mariama Correia