Milhares protestam pelo fim do feminicídio na véspera do dia da Justiça

As manifestações que tomaram as ruas de diversas cidades neste fim de semana não foram apenas uma reação a casos recentes de violência extrema contra mulheres. Elas expressam uma ruptura emocional e política diante de um padrão que se repete há décadas: a naturalização do feminicídio, da violência doméstica, da agressão sexual e da brutalidade que insiste em atravessar a vida cotidiana de meninas e mulheres no Brasil. O Levante Mulheres Vivas surgiu de um acúmulo de silêncios, omissões e descasos institucionais que deixaram marcas profundas na sociedade brasileira.

Os crimes que ganharam repercussão nas últimas semanas expõem essa ferida aberta. Em Florianópolis, a morte de Catarina Karsten, assassinada quando apenas caminhava pela praia, lembra que a violência de gênero não escolhe horário nem lugar. No Rio de Janeiro, a execução de Allane de Souza Pedrotti Mattos e Layse Costa Pinheiro, dentro do Cefet Maracanã, mostra como ambientes educacionais, que deveriam ser espaços de proteção, podem se tornar palco de violência letal. Em São Paulo, o caso de Tainara Souza Santos, atropelada e arrastada por um quilômetro na Marginal Tietê, revela o grau extremo de crueldade que ainda se exerce sobre corpos femininos. Esses episódios são expressão direta de uma cultura que autoriza punir, ferir, controlar e matar mulheres quando elas desafiam expectativas de submissão.

A dimensão estrutural dessa violência precisa ser nomeada. Segundo dados recentes do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Brasil já ultrapassou mil vítimas de feminicídio em 2025, o equivalente a quatro mulheres assassinadas por dia. São números que não cabem em estatísticas frias. São vidas interrompidas por uma lógica de dominação entranhada em práticas sociais, institucionais e culturais. É essa lógica que permite que mulheres sejam assassinadas ao ocupar posições de liderança, ao circular livremente no espaço público, ao terminar uma relação ou ao simplesmente existir com autonomia.

As manifestações deste domingo ecoaram essa consciência coletiva. Em Brasília, na Torre de TV, ministras de Estado, lideranças de movimentos sociais e milhares de mulheres e homens denunciaram a omissão histórica das instituições. Em capitais como São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, São Luís, Belém, Joinville e Curitiba, cartazes feitos à mão, cantos de protesto e relatos pessoais deram materialidade ao que o país já sabe, mas por vezes tenta evitar: a violência de gênero é uma questão estrutural, política e urgente.

Nos dias que antecederam os atos, o tema já havia alcançado o centro do debate institucional. Durante agenda oficial em Fortaleza, na semana passada, o presidente Lula criticou duramente os ataques recentes e afirmou que o país precisa avançar na proteção às mulheres, defendendo rigor legal e políticas públicas consistentes para frear a escalada da violência. A fala repercutiu nacionalmente e reforçou a percepção de que o enfrentamento ao feminicídio não pode ser tratado como assunto secundário nas instituições públicas.

A proximidade dos atos com o Dia Nacional da Justiça, celebrado em 8 de dezembro, acrescenta uma camada simbólica incontornável. Criada em 1945, a data homenageia o Poder Judiciário e reafirma o compromisso institucional com a garantia dos direitos. No entanto, milhares de mulheres seguem encontrando portas fechadas quando buscam proteção. Há dificuldade para registrar denúncias, demora na concessão de medidas protetivas, investigações que se arrastam e processos que caducam. O abismo entre a promessa de justiça e a experiência concreta das mulheres tem sido, ele próprio, um vetor de violência.

Como entidade sindical nacional, a Contee não ignora essa realidade e clama por políticas publicar para combater essas atrocidades. A educação, que historicamente deveria ser um espaço de emancipação e equidade, também está atravessada por práticas de misoginia, assédio, deslegitimação da autoridade feminina e silenciamento. Estudantes, professoras, técnicas e funcionárias sofrem os impactos diretos e indiretos de uma cultura que ainda resiste em reconhecer plenamente as mulheres como sujeitos de direitos. A violência extrema que tira vidas é apenas o ponto final de uma cadeia de violências cotidianas que começa no desrespeito, na infantilização das mulheres e na tentativa de reduzir sua voz no ambiente de trabalho.

Por isso, é fundamental que instituições educacionais adotem políticas claras de prevenção ao assédio e à violência de gênero, estabeleçam canais seguros de denúncia, acolham profissionais e estudantes e enfrentem com firmeza comportamentos misóginos. A omissão institucional é, muitas vezes, um dos fatores que permite que agressões se agravem até o ponto do irreversível.

A Contee reafirma sua solidariedade a todas as vítimas e suas famílias e sua luta por ambientes de ensino seguros, democráticos e igualitários. Não haverá democracia no Brasil enquanto mulheres seguirem sendo vítimas de violência pela condição de serem mulheres. Nomear a violência, enfrentá-la e transformar nossas instituições é parte fundamental dessa luta. Que nenhuma mulher seja perdida para o feminicídio. Que nenhuma mulher tenha sua vida ameaçada por exercer sua autonomia ou sua autoridade.

Por Antônia Rangel

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