Ministra do TST: desinformação cria atrito na relação trabalhista
A desinformação é principal responsável pelos atritos nas relações trabalhistas. Para a ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Delaíde Arantes, os empregados não tem conhecimento pleno dos seus direitos e os empregadores também não conhecem os reflexos reais dos direitos trabalhistas. E usa como exemplo a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata da demissão imotivada, rejeitada na semana passada em votação na Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados.
A ministra fez parte da delegação brasileira na 100a Convenção da OIT sobre Trabalho Doméstico.
Em entrevista ao Portal Vermelho, quase seis meses após tomar posse no cargo, a ministra fala sobre esse e outros assuntos do mundo do trabalho, como o grande número de ações trabalhistas e a sua experiência como representante do governo brasileiro na 100ª Conferência da OIT sobre o Trabalho Doméstico, realizado em junho último, em Genebra, na Suíça.
E fala também sobre assuntos que ela considera que, em um país avançado como o Brasil, não deveria ser mais motivo de debate, como o trabalho escravo e a exploração do trabalho infantil. Ela também aponta como um atraso o fato do Brasil ainda não ter regulamentado o trabalho doméstico, garantindo a esses trabalhadores os mesmos direitos dos demais trabalhadores.
Você participou, em junho passado, da 100ª Conferência da OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre Trabalho Doméstico. Como foi essa experiência para uma pessoa como você que está envolvida com esse a muito tempo?
Delaíde Arantes: Tem 19 anos que eu estudo esse tema e fui convidada pelo Ministério do Trabalho para integrar a delegação brasileira. Essa conferência internacional tem representação tripartite; governo, empregadores e trabalhadores. Eu tive oportunidade de participar de todo a discussão, negociação e elaboração do relatório final. Foi uma experiência ímpar e muito emocionante. Aqui no Brasil nós temos uma luta intensa para garantir aos trabalhadores domésticos os mesmos direitos dos demais trabalhadores.
Esse documento (relatório final) representa o que em termos de garantia desses direitos?
DA: São dois documentos: uma convenção e uma recomendação. A partir da aprovação é necessário que dois estados membros ratifiquem para que entrem em vigor. Elas se transformam em lei, tem o mesmo poder de uma lei e são da mesma natureza da Constituição.
E quais os principais direitos garantidos nesses documentos?
DA: O que eu considero mais importante é a jornada de trabalho. Num país avançado como o Brasil não existe legislação que rege a jornada do trabalhador doméstico. Existem pesquisas que demonstram que um trabalhador doméstico trabalha em média 58 horas semanais. De há muito o mundo do trabalho já conseguiu jornada de oito horas diárias. Isso não era nem assunto para estar em pauta de discussão. Com isso, o trabalhador doméstico terá direito a hora-extra e o Fundo de Garantia. Não que a convenção tenha estipulado isso, mas na medida em que dá equiparação dos direitos, como no Brasil, os demais trabalhadores tem, isso é uma consequência do que se estabeleceu.
Na relação capitalxtrabalho, existe uma correlação de força desfavorável aos trabalhadores, a Justiça consegue equilibrar essa relação?
DA: O direito do trabalho surgiu a partir dessa necessidade. De dar um tratamento desigual aos desiguais. Se existe uma correlação de força que beneficia o poder econômico, a Justiça do Trabalho instrumentaliza o direito do trabalho, a Justiça fica com o papel de promover esse equilíbrio.
Na Justiça do Trabalho também existe a lentidão que caracteriza a justiça no Brasil, de que forma isso prejudica os trabalhadores, considerando que muitos são forçados a fazer acordo por necessidade de receber logo os valores devidos?
DA: Isso acontece, não é em larga proporção, mas acontece. Se a gente vive em uma sociedade desigual, essa desigualdade se reproduz na Justiça. Como na Justiça do Trabalho o próprio trabalhador pode reclamar, quando chega à audiência, o empregador leva advogado e ele não Os reflexos da desigualdade existe também na Justiça do Trabalho. As entidades sindicais dão assistência, o trabalhador pode contratar advogado para pagar depois, tem mecanismos de ajuda, mas esse efeito nocivo da sociedade repercute também na Justiça.
É verdade que apesar de ter aumentado o número de trabalho formal, com carteira assinada, aumentou também o número de reclamações trabalhistas? Uma coisa é consequência da outra? Existe uma maior violação da lei ou um maior reconhecimento do trabalhador dos seus direitos?
DA: Eu considero que é uma junção de vários fatores. Um dos fatores que contribui para o aumento das reclamações do trabalho é a precarização do trabalho. O crescimento da terceirização precarizante. Refiro-me aquelas empresas que ocupam o lugar do tomador do serviço. Outro fator é o próprio crescimento econômico que cria mais postos de trabalho, mas como existe um aumento do quantitativo, aumentam as reclamações.
Quais são as principais queixas dos trabalhadores na Justiça do Trabalho?
DA: Nós não temos levantamento, mas temos uma ideia pelo volume de ações. Por sinal, a gente precisa de mais dados formais sobre isso. Seria importante que tivéssemos isso. Nós temos muitas ações de acidentes de trabalho. Somos um país do mundo com os maiores índices de acidentes de trabalho. Tem mais de cinco mil ações de terceirizados, de falta de apagamento e de recebimento de acerto final porque a empresa desaparece e o trabalhador fica sem receber. Tem também muitas ações de danos morais.
Os trabalhadores estão mais conscientes dos seus direitos?
DA: No Brasil, nós temos a cultura do contencioso, é certo procurar a Justiça, é o direito de livre acesso à Justiça, mas as entidades, sindicatos e as próprias empresas deveriam criar mecanismos para que o trabalhador possa reclamar na empresa, na entidade sindical, para acionar a Justiça em último caso, porque é muito ruim para ele, ele fica com um tempo muito grande pendente. As entidades sindicais deveriam esclarecer mais os trabalhadores, não para aumentar o contencioso, mas cobrar dos Recursos Humanos.
E qual sua avaliação sobre os empresários brasileiros, eles são atrasados?
DA: Eu não acho que são atrasados. Eu diria que a sociedade é mal informada. Existe um movimento contrário dos empresários sobre a matéria. Eu queria fazer uma reflexão sobre a importância da garantia de emprego que eu considero muito importante. E as pessoas confundem com estabilidade. Não é nada disso, é uma garantia de emprego, que daria segurança maior para o trabalhador buscar os seus direitos sem receio de ser despedido. Além de trabalhar pela ratificação da Convenção 158 da OIT, que não garante estabilidade, o trabalhador pode ser despedido em vários casos, só não de forma imotivada, deveria haver uma ampla campanha para esclarecer para toda a sociedade de que a ratificação da 158 não garante estabilidade nos moldes do servidor público após o estágio probatório. É preciso mostrar as diferenças entre estabilidade e garantia. Isso está como o pano de fundo nas doenças mentais. Isso traria um alívio nesse sentido, por que os trabalhadores não reclamam com receio de serem despedidos e adoecem por isso.
Os parlamentares de esquerda estão se queixando da condução feita pelo deputado Sílvio Costa (PTB-PE) na Comissão do Trabalho, onde os trabalhadores sofreram dois revezes recente, na aprovação da proposta da terceirização e contra a regulamentação da Convenção 158 da OIT. Nos últimos tempos, existe uma judicialização da política com a decisão pelo STF de questões pendentes no Parlamento. Qual a repercussão dessa atuação da Câmara na Justiça do Trabalho?
DA: A gente participa de audiência pública, sempre que chamado, para discutir os assuntos em pauta. Agora mesmo nós estamos encaminhando um projeto de lei sobre execução trabalhista. O TST tem levantamento que a cada 100 ações trabalhistas que o trabalhador ganha, apenas 1/3 recebe. E encaminhou um projeto para o Congresso criando várias penalidades para que a empresa seja obrigada a pagar. Também tem outra medida que o Tribunal tomou a iniciativa, que tramita na Câmara e que cria a Certidão de Débito Trabalhista. Antes as empresas tinham débitos trabalhistas, mas podiam participar de licitações sem problemas.
Em sessão no último dia 22 de junho, o STF decidiu, por unanimidade, ao julgar processos movidos por trabalhadores, regulamentar o aviso prévio de mais de 30 dias que já devia ter sido regulamentado pelo Congresso, mas o Congresso deixou o vácuo e, nesse vácuo, o Supremo decidiu …
DA: E com razão. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um mecanismo de aviso prévio proporcional, deixou aberta a porta para que ficasse definido um aviso prévio maior de 30 dias, por anos de trabalho ou problema de saúde. Era para ser regulamentado pelo Congresso e como o Congresso não fez, o Supremo fez, e a Constituição permite que o Supremo faça.
O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) recebeu queixa das centrais sindicais sobre suas fontes de custeio diante das dificuldades do associativismo no País. Qual a situação, no TST, da questão da cobrança da contribuição assistencial de trabalhadores sindicalizados e não sindicalizados?
DA: Essa é uma polêmica que eu acompanho desde quando era advogada. O Tribunal tem uma jurisprudência que é um precedente normativo que obstaculariza cobrar de não associado. O movimento sindical vem trabalhando no sentido de pedir ao TST para cancelar esse precedente porque alega que nos temos um sistema da unicidade, a negociação coletiva beneficia toda a categoria, portanto o recolhimento deveria ser feito de todos. Por outro lado a Constituição garante que o trabalhador não pague por uma coisa que não concorda. Daí surge a polêmica. O Ministério Público exerce papel de fiscalização o que tem provocado descontentamento das centrais sindicais. Existe a possibilidade de discutir. O TST tem uma comissão de jurisprudência que avalia esse caso, mas não sei qual o encaminhamento que vai ser dado.
As centrais sindicais também se queixam de uma decisão da Justiça restringindo a liberação de sindicalizados para a atividade sindical? Como está o andamento dessa questão?
DA: Essa situação é mais complicada porque tem uma decisão do STF que acolhe um artigo da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) que limita em sete os dirigentes que tem estabilidade no emprego. Essa situação precisa ser resolvida de melhor forma com a alteração da CLT. Discutimos na Semana do TST que aconteceu recentemente. O tribunal teve disposição de discutir essa jurisprudência e considerou que não dá para mexer por causa da decisão do Supremo. A CLT de 1946 limita em sete, mas naquela época a realidade era outra, os sindicatos eram pequenos, hoje tem sindicatos com base enorme e precisam de mais dirigentes.
E sobre a questão do trabalho escravo no Brasil, qual a sua avaliação sobre a atuação da Justiça do Trabalho nessa questão?
DA: O TST tem uma preocupação enorme com a questão do trabalho escravo, com a questão da exploração do trabalho infantil. São temas muito caros para o TST. Sempre que tem uma questão que envolve denúncia de trabalho escravo e vem para o âmbito do TST realmente tem uma atenção toda especial, porque esses são dois temas que nem deveriam ser tratados porque a Constituição assegura dignidade do trabalhador, independência, igualdade de tratamento, são tantos os direitos assegurados para o trabalhador que é muito perverso ter que estar discutindo ainda sobre trabalho escravo.
Fonte: Vermelho