Miss Cyclone ganha voz nos cinemas: a mulher do modernismo ofuscada pela sociedade patriarcal
Cyclone, em cartaz nos cinemas desde 4 de dezembro, é uma escolha certeira para quem busca um programa envolvente neste fim de semana. O filme, dirigido por Flávia Castro a partir do roteiro de Rita Piffer, entrega mais do que uma bela obra de época: escancara a biografia de Maria de Lourdes Castro Pontes, apelidada de Miss Cyclone pelos modernistas, mulher que a história oficial reduziu à “amante de Oswald de Andrade” e que é mencionada pelo escritor no livro O Perfeito Cozinheiro das Almas Deste Mundo.
O longa evidencia a importância e o legado dessa jovem brilhante, que despontou nos palcos e na escrita em São Paulo no início do século 20, mas acabou ofuscada pelo machismo, pelos moralismos vigilantes e pela seletividade cruel da sociedade patriarcal. Em Cyclone, ela retorna ao centro da narrativa, não como coadjuvante de um homem célebre, mas como protagonista de sua própria história.
A ficção se materializa na personagem Dayse Castro, vivida por Luiza Mariani, que também assina a produção do filme. Mariani se tornou estudiosa da história de Miss Cyclone e dedicou mais de 20 anos ao projeto, em um movimento de resgate e reinvenção artística. Sua atuação e sua persistência fazem do longa um ato político: a decisão de devolver humanidade e complexidade a uma personagem que a história tentou apagar.
No enredo, Dayse trabalha em uma gráfica, escreve peças nas horas livres e sonha em estudar dramaturgia em Paris. Quando sua vida é atravessada por uma gravidez indesejada, o filme retrata os limites impostos às mulheres da época — e que ainda persistem. As amigas e colegas de Dayse formam redes de apoio fundamentais em sua caminhada, lembrando que a resistência das mulheres sempre foi e continua sendo coletiva. A força da sororidade se impõe.
Os dilemas sobre autonomia reprodutiva, independência financeira e reconhecimento no mundo artístico aparecem como questões de ontem e de hoje, mostrando que a desigualdade de gênero não pertence ao passado: segue presente no cotidiano de 2025.
A luta de Dayse pela liberdade, pela criação e pelo direito de conduzir sua própria vida ecoa debates urgentes sobre os direitos das mulheres, a violência simbólica e os silenciamentos estruturais que acompanham nosso tempo.
Para a Contee, o longa é uma dica cultural imperdível para o fim de semana. Cyclone une emoção, reflexão e memória. Ao trazer Miss Cyclone para as telas, o cinema não apenas faz justiça: reabre o debate sobre quem a história decide destacar e quem escolhe esquecer. A personagem retorna como metáfora e denúncia, lembrando quantas outras mulheres — escritoras, pintoras, performers e pensadoras — foram e continuam sendo marginalizadas no Brasil e no mundo.
Cyclone é cinema potente, poético e necessário, ideal para fechar a semana com sensibilidade e consciência. É arte que exala beleza, repara injustiças e amplia vozes, superando apagamentos históricos. É cor vibrante que desperta e inspira conversas nas famílias, nas escolas e entre educadoras e educadores comprometidos com uma formação crítica, igualitária e plural.
Por Romênia Mariani

