Moção de Repúdio à proposta da Base Nacional Comum Curricular, apresentada pelo MEC, que retira as expressões “orientação sexual” e identidade de gênero” de seu texto
A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE, entidade representativa de mais de 4,5 milhões de trabalhadores das escolas públicas brasileiras de nível básico, vem a público REPUDIAR a proposta apresentada pelo Ministério da Educação da nova Base Nacional Comum Curricular – BNCC, que retirou de seu texto qualquer menção à orientação sexual e identidade de gênero.
Sabemos que o golpe político-institucional por qual o Brasil passou no ano de 2016, que alçou à Presidência da República uma camarilha de corruptos, teve um caráter eminentemente misógino, machista e LGBTfóbico. O que não deixa de surpreender e estarrecer a todos é o despudor desse grupo que assumiu os rumos do país.
No último dia 06 de abril, o Ministério da Educação deste governo golpista apresentou uma proposta de formulação da Base Nacional Comum Curricular – BNCC para apreciação do Conselho Nacional de Educação. De modo absolutamente sem escrúpulo, a proposta retirou quaisquer menções aos termos orientação sexual e identidade de gênero, explicitando de forma cabal o nível de entendimento político assumido por este grupo que tomou de assalto a Presidência da República: de pensamento ultra conservador, os novos gestores da educação brasileira estão totalmente capturados por setores fundamentalistas, que fazem da religião, não um objeto de emancipação e libertação, mas um instrumento de opressão às diferenças, comprometendo o caráter laico e republicano de nosso Estado.
Essas visões de mundo percebidas em nossa sociedade, e muito afloradas de um tempo recente para cá, mal ou bem, fazem parte de uma vida social plural, heterogênea e diversa. Respeitar as diferenças talvez seja o principal ensinamento da própria vida democrática. O que não se pode tolerar e aceitar em hipótese alguma é a imposição dessa visão de mundo, que advém muitas vezes de perspectivas religiosas que todos temos o direito de ter, ao conjunto da sociedade e das políticas públicas pactuadas entre os mais diferentes setores da sociedade. O mesmo respeito que devemos imprimir ao convívio social com os diferentes segmentos da sociedade deve pautar todo o arcabouço de políticas públicas empreendidas pelos governos. Não é aceitável que as políticas públicas brasileiras, de todos os setores, sejam impregnadas de preconceitos de quaisquer ordens e tampouco se tornem extensões de pensamentos religiosos conservadores e fundamentalistas.
O mais assustador, no entanto, é que a exclusão dessas expressões no texto da BNCC contraria vários normativos legais que, como acúmulo de anos de luta, comprometimento e militância de expressivos segmentos da nossa sociedade, só evidencia a máxima de que golpe gera golpe. Quando não se respeita a instituição maior de nossa República – a Presidência – e o valor supremo de nossa Constituição – a soberania do voto popular -, nada mais passa a ter importância e tudo o mais pode ser transgredido. E é isso que temos visto nesta situação: um desrespeito despudorado e cínico a todo o arcabouço jurídico que, ao longo dos últimos anos, foi arduamente conquistado e inscrito em nossos normativos, que nada mais são do que pactuações e consensos construídos por todos, para o bom convívio social, de absoluto respeito às diferenças.
A primeira afronta percebida pela exclusão proposital dos termos orientação sexual e identidade de gênero é a própria Constituição Federal. Ela assegura, em seu artigo 3º, quando lista os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Ainda no texto da Carta Magna, o seu artigo 206 assegura um ensino com base nos princípios da liberdade de aprender e ensinar, além do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.
Convergindo com o espírito expresso em nossa Constituição Cidadã, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB também prescreve, em seu artigo 3º, que dentre os princípios que baseiam o ensino, devem estar presentes o respeito à liberdade e apreço à tolerância, a gestão democrática e a vinculação entre a educação escolar e as práticas sociais. E assim segue toda a legislação infraconstitucional brasileira, acolhendo os princípios emanados da nossa Constituição: o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, ao afirmar o direito à liberdade de opinião e expressão; o Plano Nacional de Educação, ao definir dentre as suas diretrizes, a erradicação de todas as formas de discriminação; as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, ao afirmar a necessidade de rompimento com as diferentes formas de dominação, incluídas as de gênero; as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 anos, ao sugerir a abordagem de temas abrangentes e contemporâneos para comporem as áreas de conhecimento, listando sexualidade e gênero entre eles; as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, ao indicar explicitamente, em seu artigo 16, que o projeto político-pedagógico das escolas deve conter a valorização e promoção dos direitos humanos, mediante temas relativos a gênero, identidade de gênero, raça e etnia, religião, orientação sexual, pessoas com deficiência, entre outros, assim como o enfrentamento de todas as formas de preconceito, discriminação e violência sob todas as formas.
Todo esse arcabouço jurídico é um acúmulo de anos de luta dos movimentos sociais de mulheres, de negros, de LGBT e de outros tantos. Não admitiremos retrocesso nesse campo! Denunciaremos esses atos do governo golpista como um afronta aos direitos humanos e tudo será denunciado nos foros apropriados, nacionais e internacionais! Nenhum direito a menos!! Chega de retrocessos!!
Brasília, 10 de abril de 2017
Diretoria Executiva da CNTE