Município não pode “comprar vagas” de escolas privadas com fins lucrativos
É expressamente descabido o repasse de recursos públicos, ao menos no campo da educação infantil, a entidades detentoras de finalidade lucrativa
Com esse entendimento, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo declarou a inconstitucionalidade de um artigo de uma lei municipal de São Paulo, que criou o programa “Mais Educação Infantil” em decorrência da pandemia da Covid-19.
A proposta prevê pagamentos mensais a instituições privadas de ensino voltadas a criança de 4 e 5 anos, que estejam credenciadas junto à prefeitura. A medida foi contestada pelo Psol, que alegou que a norma seria uma espécie de “privatização da educação infantil na capital”.
O partido também questionou o repasse direto de recursos públicos público a entidades privadas com fins lucrativos, “em violação à obrigatoriedade de licitação”. Além disso, o Psol apontou irregularidades no auxílio financeiro para fornecimento de uniforme e material escolar aos estudantes, gerando novas despesas públicas.
Porém, por maioria de votos, apenas um artigo da lei foi invalidado pelo Órgão Especial. Trata-se do §3°, do artigo 7°, que prevê que, caso não ocorra o credenciamento de um número suficiente de instituições de ensino sem fins lucrativos, seria autorizado o chamamento público direcionado a outras escolas privadas, não enquadradas na exigência constitucional (artigo 213, da Constituição).
O relator do acórdão, desembargador Marcio Bartoli, observou que a norma estabelecia a possibilidade de repasses de recursos públicos a escolas privadas com fins lucrativos. Ele considerou o texto incompatível com o artigo 237, caput, da Constituição Estadual, aplicado em conjunto com o artigo 213, caput, incisos I e II, e §1°, da Constituição Federal.
“Não se ignora a excepcionalidade das situações capazes de dar ensejo à incidência do dispositivo impugnado, contudo, ainda assim, eventual escassez de instituições educacionais credenciadas para o exercício de atividade a ser prioritariamente exercida pelo ente estatal não autoriza o frontal descumprimento da norma constitucional restritiva”, afirmou.
Conforme o magistrado, ficou clara a incompatibilidade entre a referida previsão e os termos do artigo 213, da Constituição Federal, “sendo imperativa sua retirada do ordenamento jurídico municipal”. Houve divergência no julgamento. O relator sorteado, desembargador Jacob Valente, votou pela improcedência da ação.
Interpretação conforme à Constituição
No voto, Bartoli também determinou que se dê interpretação conforme a Constituição aos artigos 10 e 11, que tratam das hipóteses de cancelamento do benefício do programa “Mais Educação Infantil”. O objetivo é eliminar qualquer possibilidade de exclusão da criança do âmbito de atendimento da rede municipal de ensino.
“Assegurar que, em razão do eventual desligamento do aluno do programa ‘Mais Educação Infantil’ nas hipóteses legalmente previstas, seja observado o direito à permanência escolar, nos moldes do artigo 237, caput, da Constituição Paulista, c.c. artigo 206, I, da Constituição Federal”, acrescentou o relator.
Demais artigos validados
Os demais dispositivos impugnados pelo Psol foram considerados constitucionais. De acordo com Bartoli, programas de auxílio instituídos por meio de normas não padecem de inconstitucionalidade somente por gerar novas despesas, sendo possível, no máximo, falar em inexequibilidade no mesmo exercício financeiro.
Bartoli também não vislumbrou afronta ao artigo 117, da Constituição Estadual, uma vez que a norma prevê o credenciamento das instituições de ensino para participação do programa “Mais Educação Infantil” mediante chamamento público.
“Não há que se falar, portanto, em violação à obrigatoriedade de licitação na espécie, porquanto o legislador municipal adotou medida de seleção específica e correlata, na qual permanecem resguardados os princípios basilares a direcionar a atuação estatal, especialmente no que concerne à sua interação com o setor privado”, explicou.
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