Na Conape, Contee promove debate e alerta sobre a financeirização da educação

O avanço da financeirização da educação e a privatização do sistema público de educação foi o tema do debate promovido hoje (25) pela Contee no âmbito da Conferência Nacional de Educação (Conape). As exposições foram feitas pela coordenadora da Secretaria-Geral da Contee, Madalena Guasco Peixoto, pela coordenadora da Secretaria de Assuntos Educacionais, Adércia Bezerra Hostin dos Santos, pelo ex-diretor de Políticas Educacionais da União Brasileira dos Estudantes Secundarista (Ubes) e representante da entidade no Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE), Guilherme Barbosa Rodrigues Fonseca Naves, e pela diretora de Universidades Públicas da União Nacional dos Estudantes (UNE), Denise Ramos.

“No Brasil, a escola privada não é uma escolha democrática. O setor privado disputa com a rede pública e não quer que a escola pública seja forte. Essa é uma batalha histórica. E, na década de 1990, a batalha ficou desigual, porque o projeto neoliberal é um projeto antiestado, que transforma direitos sociais em serviços”, apontou Madalena. A diretora da Contee lembrou que, a partir dessa mercantilização, o processo se agravou nos anos 2000, com a entrada, na educação, de empresas de capital aberto na bolsa de valores. “Essas empresas não estão preocupadas com o desenvolvimento soberano do Brasil nem com a qualidade da educação. O que querem é ter lucro. Começaram pelo ensino superior e agora estão comprando instituições de educação básica.”

Várias frentes de ação do capital rentista, segundo Madalena, estão pondo em risco a educação pública hoje: a atuação dessas empresas na formação docente, incluindo cursos de 101 horas para formar professores, bem como a figura do “professor Uber”; a tentativa do capital privado de gerir a escola pública, propondo até mesmo a alteração do capítulo da educação na Constituição brasileira; a criação do salário-educação, seguindo o modelo de voucher que destruiu a educação pública chilena; a aliança com o conservadorismo do movimento Escola Sem Partido. “Depois do golpe, quem manda no Ministério da Educação são esses grupos [de capital aberto internacional]. A eles interessa ensino médio e fundamental apostilados, a eles interessa o professor virar Uber, a eles interessa a privatização da escola pública”, alertou a coordenadora da Secretaria-Geral da Contee.

Depois da fala de abertura de Madalena, foi a vez de Adércia Hostin apresentar uma análise da conjuntura educacional e dados sobre o processo de financeirização do ensino no Brasil. “Passou da hora de desmistificar a ideia de que é o setor privado que oferta qualidade”, frisou a coordenadora da Secretaria de Assuntos Educacionais da Confederação. Entre os pontos citados por Adércia estão a reforma do ensino médio e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que a institucionaliza e joga no colo do Sistema S e do setor privado a responsabilidade de gerir a educação. “Quem vai gerir a educação no país é o Bando Mundial.”

O interesse do capital financeiro na educação básica se justifica, segundo Adércia, por um esgotamento das aquisições no ensino superior. Se, neste, 75% dos estudantes estão no setor privado, nos ensinos fundamental e médio, certa de 82% estão nas escolas públicas, representando a privatização da escola pública, portanto, uma ampla possibilidade de lucro que eles almejam explorar. “Esses grandes grupos econômicos não têm nenhum compromisso com o país.”

Guilherme Naves, representante da Ubes, contextualizou essa situação no cenário da crise capitalista mundial. “O sistema capitalista se mostrou completamente incompatível com a democracia, com os direitos sociais e com a educação no mundo todo. Tudo o que a gente vive na educação vem a partir da intensificação da luta de classes e da crise do capitalismo que começou em 2008. A partir dali, houve a construção de uma estratégia muito perigosa de retomada do neoliberalismo, com uma radicalização muito concreta. E o objetivo central da ideologia do capitalismo, que é o neoliberalismo, é a mercantilização dos direitos sociais. É um processo no mundo todo de transformar esses direitos em serviços”, analisou.

O estudante criticou em especial a Emenda Constitucional 95, que congelou os investimentos públicos por 20 anos. “O objetivo é que a sobra dos recursos do congelamento pague os juros da amortização da dívida pública com setores rentistas internacionais. A Emenda 95 institucionalizou a política de rentismo no Brasil”, denunciou. “A educação sofre muito com esse processo, o que se vê pela atuação de grupos como Lemann, Pierson… Depois a gente vê a reforma do ensino médio, que é mais um capítulo do processo de privatização da educação pública”, observou Guilherme.

“A Kroton, maior empresa de educação do mundo, sobrevive basicamente do fundo público brasileiro. Isso é comprovar que a estratégia do capitalismo é transformar o Estado em grande garantidor de lucro para patrão e para os parasitas internacionais que destroem direitos no mundo todo. A única alternativa é ir para a rua, é lutar, é construir uma resistência concreta às grandes empresas”, defendeu, enfatizando as bandeiras #LulaLivre e #MarielleVive, adotadas pela Conape. “A luta por #LulaLivre é muito importante neste momento, porque representa umas das principais ameaças ao projeto golpista e neoliberalista.” A diretora da UNE, Denise Ramos, concordou. “É dever daqueles que acreditam na educação pensar outros caminhos. A educação faz parte da nossa soberania e não pode ser tratada como mercadoria.”

Livro

Depois do debate sobre financeirização e privatização, aconteceu o lançamento do livro “O viadinho da escola”, escrito por Robson Rodrigo Pereira da Fonseca, professor de história e diretor do Sinpro Itajaí e Região. Na capa, uma foto do próprio autor, criança, já impressiona e emociona. “A intenção do livro é fazer o questionamento da infância, porque esse menino aí não foi defendido”, disse. A publicação aborda os discursos sobre homossexualidade masculina na escola, a partir de comentários homofóbicos ouvidos por Robson na infância e também hoje, como professor. “Percebi que esses comentários são endossados na própria sala dos professores”, alertou. A obra, publicada pela editora Appris, mostra a importância do estudo de gênero nas escolas e na construção de uma educação igualitária e livre de discriminação.

Por Táscia Souza
Fotos: Leandro Freire/TREEMIDIA

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