Não à reeleição de inimigos do povo!
“Resgatem a memória da atuação do parlamento e votem contra esses malfazejos que não se cansam de trair os votos que receberam, enviando-os para o lixo da história, de onde nunca deveriam ter saído”
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
No romance “O retrato de Dorian Gray”, o debochado (troçador) escritor e dramaturgo irlandês Oscar Wilde (1854-1900) trata da inversão surreal dos efeitos do tempo. Nele, não é o retratado — Dorian Gray — que envelhece, como é a ordem natural da vida biológica; mas, sim, o retrato. Enquanto o retratado mantém todo o frescor da juventude, o retrato se decai.
Na vida política brasileira, desde há muito, como que imitando a arte — dando razão ao referido escritor, que insistia que a vida imita a arte muito mais do que é ela por imitada —, acontece, de forma caricata, algo parecido com o que era o traço marcante do retrato do personagem do realçado romance, o envelhecimento, com a maioria dos integrantes do Congresso Nacional (Câmara Federal e Senado). Isso porque, uma vez eleita e empossada, seja como deputado, seja como senador, essa maioria despudoradamente abandona todas as promessas de campanha, como se elas fossem apenas do candidato, sem qualquer vínculo com o parlamentar.
Sempre apostando na grosseira máxima de que o povo tem memória curta — o que, infelizmente, não é de todo desmentido pelo cotidiano da vida —, ao longo do mandato, votam em sentido contrário a tudo que prometeram e juraram fazer, se eleitos fossem.
A Bíblia, em linguagem metafórica, diz que o apóstolo Pedro negou Jesus por 3 vezes antes que o galo cantasse. Esses políticos, por sua vez, negam suas promessas por 4 anos, no caso dos deputados, e por 8 anos, dos senadores.
Em campanha, nenhum candidato declara-se contra educação, saúde, previdência social e trabalho digno para todos/as. Porém, não é assim que vota quando essas políticas públicas de primeira grandeza são levadas à deliberação do parlamento. Vota pensando somente nos interesses dos que financiaram sua campanha e/ou nos seus próprios, quase sempre nada republicanos, confirmando o odioso bordão repetido à exaustão por Justo Veríssimo, caricato personagem do humorístico de Chico Anysio, que, desafortunadamente, nada mais fazia que espelhar a realidade da política brasileira: o povo é que se exploda.
Para comprovar essa assertiva, basta que se tomem as emendas constitucionais e leis ordinárias e complementares discutidas e aprovadas pelo Congresso Nacional nesta legislatura, que se iniciou ao 1º de fevereiro de 2019, e se identifique como votaram deputados e senadores.
A título de ilustração, de 2019 até hoje, a Constituição Federal foi emendada nada menos que 25 vezes, apenas duas a menos que a Constituição dos EUA, em 235 anos, de 1787 a 2022. Dessas 25 emendas, apenas a 107/2020 (que adiou para novembro as eleições de 2020, em decorrência da pandemia), a 108/2020 (que transformou o Fundeb em permanente) e a 124/2022 (que institui o piso salarial de enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem) apresentam relevância social e não visam a reduzir direitos fundamentais e/ou as obrigações do Poder Público com as supramencionadas políticas públicas; ou, ainda, garantir salvo conduta a quem as violou (mais apropriado seria dizer violentou), como o é a 119/2022, que isentou de qualquer responsabilização os prefeitos que não aplicaram o percentual mínimo em educação.
De longe, a emenda constitucional mais nociva e danosa desta legislatura, é a 103, promulgada aos 13 de novembro de 2019, que deformou de forma irremediável a previdência social, em todas suas dimensões, transformando-a de palpável e ao alcance de todos/as que para ela contribuem em miragem e estratosfericamente distante do horizonte da esmagadora maioria.
Essa nefasta emenda obteve 379 votos favoráveis na Câmara Federal e 60, no Senado.
Pois bem! Segundo levantamento do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), 449 dos 513 deputados federais são candidatos à reeleição, bem como 12 dos 17 senadores em final de mandato.
Para que essa triste realidade não se repita na próxima legislatura, que terá início ao 1º de fevereiro de 2023, é imperioso que, dentre os/as 156,4 milhões de eleitores/as aptos/as a votar aos 2 de outubro nas eleições parlamentares (eventual 2° turno se limitará à eleição presidencial e de governadores), que não se somam à citada pletora de Justo Veríssimo, resgatem sua memória e a da atuação do parlamento, e votem contra esses malfazejos que não se cansam de trair os votos que receberam, enviando-os para o lixo da história, de onde nunca deveriam ter saído.
Com certeza, os sindicatos, que, por inarredável determinação constitucional, têm o dever de bem representar os direitos e os interesses dos integrantes de suas respectivas categorias, podem e devem exercer papel social de grande relevância nessas eleições: discutir com todos/as o significado e papel tático e estratégico do processo eleitoral, mostrando-lhes que somente o povo sofrido — mesmo que muitos não tenham essa consciência — que ele é, a rigor, o maior, se não o único, interessado na preservação da ordem democrática. A derrota da democracia, com eventual reeleição de Bolsonaro, e a recondução de deputados e senadores que sempre votaram contra seus direitos, enviará o Brasil para o abismo, sem perspectiva de volta.
Tal como fizeram no processo constituinte, é hora de os sindicatos listarem, no âmbito de suas respectivas bases territoriais, os nomes dos/as deputados/as e senadores/as e os votos que proferiram para reduzir e/ou suprimir direitos fundamentais individuais e sociais. E mais: produzir e fixar, em postes e locais públicos, milhares de cartazes com fotos desses políticos malfeitores, com o carimbo: “Inimigos dos/as trabalhadores/as. Votem contra sua recondução ao parlamento”.
Para obter a relação de deputados/as e senadores/as, por estado, e aos votos que proferiram em temas de interesses dos/as trabalhadores/as, acesse a plataforma Quem Foi Quem no Congresso Nacional, do Diap, pelo link: https://www.quemfoiquem.org.br.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee