Não ao ranking!

Na tarde desta quarta-feira (25/06), representantes da Campanha Nacional pelo Direito à Educação se reuniram com o presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), o professor José Francisco Soares. Durante o encontro, realizado em Brasília, foi entregue Carta Aberta solicitando que os resultados das avaliações externas sejam apresentados à sociedade de forma contextualizada, juntamente com outros indicadores educacionais, como o nível socioeconômico, infraestrutura, carreira e condições de ensino e a aprendizagem.

Participaram das discussões, Daniel Cara, coordenador geral da Campanha, e Vivian Ka, secretaria executiva da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação). As discussões ocorreram em meio à expectativa da divulgação dos resultados da Ana (Avaliação Nacional da Alfabetização), da Prova Brasil e do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).

As 11 entidades que compõe o Comitê Diretivo da Campanha são signatárias da Carta. Leia abaixo a íntegra do documento entregue ao Inep.

São Paulo, 25 de junho de 2014.

CARTA ABERTA AO INEP:

Entidades ligadas à educação pedem que as avaliações externas sejam divulgadas com os dados sobre o nível socioeconômico dos estudantes

Ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
Ao Prof. Francisco Soares, presidente do Inep

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação é uma rede formada por mais de 200 entidades, movimentos e organizações sociais. Desde a sua fundação, tem se pautado pela luta intransigente por uma educação de qualidade a todos os brasileiros e brasileiras, independentemente de renda, etnia ou gênero. A Campanha entende que não há dúvida de que essa luta passa pela construção de indicadores de qualidade de ensino que consigam expressar a riqueza e complexidade que envolve os processos de ensino e aprendizagem.

Exemplo desse comprometimento foi a participação ativa da Campanha na elaboração e difusão do Indique (Indicadores de Qualidade de Educação), instrumento que trabalha com um conjunto amplo de fatores relacionados à qualidade do ensino e que valoriza a participação de toda a comunidade escolar por meio da avaliação da qualidade de uma instituição educacional.

Nesse mesmo sentido, a Campanha sempre tem expressado sua oposição ao uso indiscriminado de indicadores, baseados essencialmente no desempenho escolar dos alunos em testes padronizados, tais como o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), a Prova Brasil, o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), além daqueles realizados por estados e municípios.

Como mostra ampla literatura internacional e nacional, inclusive os estudos desenvolvidos pelo próprio presidente do Inep, ainda que representem um indicador importante sobre o nível de desempenho dos alunos, estes exames padronizados dizem muito pouco sobre a qualidade das escolas ou das redes de ensino, tendo em vista o peso dos fatores extraescolares no desempenho dos alunos, em especial, o nível sociocultural e econômico dos pais.

É sabido que a nota de uma escola na Prova Brasil não é um indicador fidedigno da qualidade do ensino oferecido por ela, dado o peso e a influência dos fatores extraescolares. As instituições com uma menor nota, e que trabalham com alunos de famílias mais pobres, podem estar fazendo um trabalho melhor do que as de maior desempenho, mas que recebem com estudantes de famílias com maior escolaridade e renda.

Por isso, somente indicar o desempenho de uma escola ou de uma rede de ensino na Prova Brasil ou na ANA (Avaliação Nacional da Alfabetização), que facilmente se transforma em um ranking publicado pela mídia com grande estardalhaço, é dar uma informação errada sobre a qualidade do ensino oferecido pelas escolas brasileiras. É negar o direito a uma informação fidedigna aos pais e mães desse país. A própria OCDE, embora com muito atraso, tem se preocupado em relativizar os resultados absolutos do PISA quando, por exemplo, compara o desempenho das instituições públicas com as privadas:

(…) depois de se levar em conta o nível socioeconômico dos alunos que frequentam essas escolas, e as vantagens em materiais e recursos instrucionais que revertem para as escolas, a pequena diferença de desempenho que permanece entre estudantes de escolas públicas e privadas está associada aos maiores níveis de autonomia sobre os currículos e recursos das escolas privadas. Na verdade, o PISA descobriu que quando são dados às escolas públicas graus semelhantes de autonomia, e quando as escolas públicas recebem um estudante com perfil semelhante ao das escolas privadas, a vantagem escola privada deixa de existir em 13 dos 16 países da OCDE que, inicialmente, mostraram essa vantagem. (OCDE, 2011, p. 2)

É preciso ressaltar que o País ainda não conseguiu montar um sistema nacional de exames e está longe de ter um sistema nacional de avaliação. Felizmente, há hoje um marco legal que coloca o desafio de construir o Sinaeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) no Brasil, o que ocorreu sobretudo por conta do trabalho de incidência política da Campanha no aperfeiçoamento do PNE (Plano Nacional de Educação), que acaba de ser aprovado.

Portanto, a Campanha solicita que neste momento, em que se aproxima a divulgação dos resultados do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação), da Prova Brasil e da ANA – e enquanto o país não avançar na construção de indicadores mais abrangentes e adequados de avaliação da qualidade do ensino oferecido – que ao menos os resultados das avaliações externas e do IDEB sejam divulgados juntamente como o nível socioeconômico das famílias dos alunos de cada escola e da respectiva rede de ensino, o qual pode ser construído sem grandes problemas a partir dos questionários do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica).

Com isso, um primeiro, mas importante passo será dado no sentido de fornecer às famílias parâmetros de comparação entre as escolas. Trata-se de uma medida importante para que a sociedade brasileira perceba não só a importância, mas também os limites dos testes padronizados. A aprendizagem dos alunos é muito mais do que sua nota em testes padronizados de duas ou três disciplinas e o trabalho de ensino de uma escola é distinto da nota média de seus alunos nesses exames. A Campanha entende ser papel e dever do Inep qualificar a forma de divulgação dos resultados da Prova Brasil, da ANA e do Ideb. É direito dos estudantes, pais, educadores e da sociedade brasileira ter informações mais fidedignas sobre suas escolas.

Assinam esta Carta:

• AÇÃO EDUCATIVA

• ACTION AID

• CENTRO DE CULTURA LUIZ FREIRE

• CEDECA-CE (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará)

• CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO À EDUCAÇÃO

• CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação)

• FINEDUCA (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação)

• FUNDAÇÃO ABRINQ PELO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

• MIEIB (Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil)

• MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra)

• UNCME (União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação)

• UNDIME (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação) 

Da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

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