‘Não vim fazer amigos’: Heloísa Helena toma posse no lugar de Glauber Braga e promete disputa dura no Congresso
Deputada afirma que fará enfrentamento à extrema direita e deixa nova candidatura em aberto
A suspensão do deputado federal Glauber Braga (Psol-RJ) trouxe de volta à Câmara uma figura muito conhecida nos corredores do Congresso. Depois de 18 anos fora do Legislativo, Heloísa Helena tomou posse e prometeu incomodar os congressistas durante seis meses. “Quem me odeia vai se ver livre de mim rapidamente e eu espero dar motivos para que me odeiem mais ainda”, disse em entrevista ao Brasil de Fato.
Heloisa Helena tem um perfil forte. Ela não se furta em dizer que é preciso enfrentar quem se apodera do que é público, critica de maneira contundente as emendas parlamentares e questiona a “relação promíscua” entre governo e Congresso. Mesmo chegando agora na Câmara, a deputada afirma que “não veio fazer amigos” e que pretende bater de frente com a extrema direita.
A congressista assumiu o mandato na última quarta (17) e afirma que não pretende se aliar ao governo nas pautas imediatas. De acordo com a deputada, é possível ter autonomia mesmo compondo com o PT e os projetos são votados de acordo com a ideologia, “não com a vassalagem”. A candidatura para o ano que vem também é algo que está em aberto e, segundo ela, será discutido nos próximos meses com o partido.
O contato com Glauber Braga foi fundamental na passagem de bastão. De acordo com Heloísa Helena, o deputado confia nos seis meses de gestão e passou orientações sobre os projetos desenvolvidos pelo psolista. Ela disse que, como o tempo será curto, nem as decorações do gabinete serão trocados.
A deputada, no entanto, afirma que será ainda mais combativa que Glauber com aqueles que estão no campo oposto ao dela. Helena reforçou que é possível desenvolver projetos e, principalmente, fazer o enfrentamento àqueles que são prejudiciais ao Brasil.
Brasil de Fato: Deputada, eu queria começar ouvindo um pouco sobre como a senhora viu a cassação do deputado Glauber, como a senhora acompanhou todo esse processo? Já que você, por ser suplente, já tinha a perspectiva de que, se ele fosse cassado, a senhora assumiria.
Heloísa Helena: Na verdade, eu nunca imaginei que pudesse assumir o mandato dessa forma. E, sinceramente, algumas pessoas diziam que ele jamais seria suspenso porque eu era a primeira suplente. Eu não achava também que eles teriam a ousadia de caçar o mandato e os direitos políticos do Glauber.
Eu realmente não esperava que pudesse assumir, eu tinha programado, tinha organizado toda a minha vida de outra forma. E até o Glauber, certamente, ele não estava esperando que essa matéria voltasse com tanta brutalidade como ela voltou, porque passaram meses que ninguém nem tocava no assunto.
Então, para mim, foi inesperado pela brutalidade inaceitável como o episódio ocorreu. Eu sei que muitas pessoas quando se veem à frente das instituições públicas passam a tratar como se fosse uma caixinha de objetos pessoais a ser manipulada conforme suas conveniências.
Não é a primeira vez que a gente vê brutalidade nos plenários do Congresso Nacional.
Há 22 anos, eu vi essa brutalidade com Luciana Genro, Babá e João e contra mim, no Senado, quando resolvemos votar contra a reforma da previdência. No meu caso, eu fui expulsa sob pancadaria e bombas de gás lacrimogêneo do prédio do INSS no governo Lula por questões relacionadas à reforma da previdência.
Então não me dou o direito de chafurdar no moralismo farisaico, na ética seletiva de condenar nos adversários e proteger e acobertar nos aliados políticos.
Então eu fiquei muito indignada com aquela situação do Glauber na mesa e na hora me lembrei também da brutalidade de pancadaria e gás lacrimogêneo que me expulsaram no exercício de mandato de senadora de dentro do prédio do INSS, porque éramos contra a reforma da previdência.
Nós não podemos deixar que ninguém ouse pensar que é dono de uma instituição porque provisoriamente comanda ela.
A senhora tem conversado com o Glauber?
Nós conversamos bastante sobre o que ele estava pensando e eu também estava pensando. Daqui a pouco ele está de volta. Conversamos no dia. No outro dia, ele já ligou para mim para explicar questões de gabinete, o que ele já tinha adiantado de emendas e que se sentia tranquilo porque era eu que estava assumindo o mandato.
E, inclusive, fizemos tudo para nem mudar as coisas dele de lugar no gabinete. Daqui a pouco, ele volta e vão se livrar de mim rapidamente. Então, se alguém achava que ia ter problema com o Glauber, pode ser que tenha criado um problema maior. Vamos ver.
E politicamente, quais são as suas diferenças com o Glauber, já que a senhora assume o mandato por seis meses e depois o deputado retoma a cadeira?
Eu atuo muito na área de educação, segurança pública, as diversas formas de violências e a questão da sustentabilidade. Que não é só ambiental, é econômica e social.
E ele também é um militante de esquerda. Ele faz o debate sobre algo que é muito importante para o Brasil e para mim também que é o orçamento secreto. Desde a minha época para cá, infelizmente, sempre existiu essa promiscuidade na relação entre o Executivo e o Legislativo.
Sempre se estabeleceram modalidades de orçamentos secretos, que liberam recurso para os bajuladores de governo para sua base de bajulação e não libera nenhum recurso para quem não votava conforme o chicote do governo mandava.
Na época não tinham emendas de execução obrigatória, como existe hoje. Então, sempre existiram modalidades de orçamentos secretos para viabilizar a promiscuidade do Executivo e do Legislativo.
É um mandato rápido. Portanto, quem me odeia vai se ver livre de mim rapidamente e eu espero dar motivos para que me odeiem mais ainda. Agora é continuar lutando
E a senhora falou um pouco também sobre essa apropriação do espaço público pelos interesses privados. A referência direta é ao Hugo Motta, presidente da Câmara. Como a senhora vislumbra e visualiza a tua relação com a presidência da Câmara? Já que a relação do Glauber foi de embate…
Não, eu não vim para cá procurar amizade com ninguém, nem ser boazinha com ninguém. Eu não sou da turma da brisa suave. Brinco que sou filha da tempestade. Então, não tô aqui pra isso, eu não preciso saber como é que vai ser minha relação pessoal com as pessoas.
Eu trabalho questões institucionais, entendeu? Então, não vim para cá buscar a amizade com ninguém.
Com o Arthur Lira nem se fala. Porque o Arthur Lira é de Alagoas e é muito amigo do Lula, e Lula atuou com o Arthur Lira para me destruir em Alagoas. Para você ver como é a vida.
A senhora mencionou que são apenas seis meses. Um tempo curto, mas que tipo de gestão a senhora pretende fazer nesses seis meses?
Eu não chafurdo no moralismo farisaico, nem aceito conciliação de classe, conciliação com coisas que para mim são de fundamental importância.
Existem questões que são graves que estão acontecendo agora. Como o processo de entreguismo das terras raras, a privatização que o governo abriu para privatização de três rios da Amazônia e continua com o processo de privatização do Rio São Francisco, porque não reverteu o processo de privatização da Chesf (Companhia Hidroelétrica do São Francisco).
É a metade do orçamento nacional para alimentar os gigolôs do capital financeiro, a não execução orçamentária de áreas estratégicas. Então a gente espera conseguir montar um observatório de execução orçamentária nas áreas de políticas sociais. Tudo que envolve orçamento, seja mais secreto, menos secreto, sempre tem quem coloca no orçamento, quem executa e quem se beneficia.
Então esse tridente do banditismo político que envolve quem coloca no orçamento. Quem do governo está executando e quem está se beneficiando. Porque a aberração não é só você colocar no orçamento, é você executar.
Então tem alguém que está executando. Então por isso que isso realmente precisa ser identificado e superado.
A senhora foi uma liderança histórica do Psol, inclusive uma das fundadoras do partido e esteve lá até 2013. E hoje, mesmo em outra sigla, está na federação Psol-Rede. Como a senhora avalia o trabalho do Psol hoje? Quais foram os rumos que o partido teve e a atuação que o partido tem hoje no Congresso?
Hoje eu não me sinto à vontade para falar do Psol, mesmo sendo o partido que eu ajudei a construir e que eu amo muito e que tem muitos queridos amigos lá.
Mas é um conjunto de forças políticas e hoje a maioria que comanda o partido não são dos fundadores. Então eu tenho a obrigação de respeitar, discutir o processo de federação. Tanto o PT como o Psol são partidos que se organizam em torno de tendências internas. Na Rede, a gente tem hoje dois grandes agrupamentos, mas do ponto de vista estatutário, a gente nem tinha o direito de ter tendência. Então, o que eu tenho que fazer é respeitar e trabalhar aquilo que pode viabilizar a continuidade da federação.
Tem se discutido uma federação do PT com o Psol. Como a senhora avalia não só esse movimento mas eventuais novas federações da própria Rede?
Nós continuamos trabalhando para garantir a continuidade da federação com o Psol. Claro que se o Psol, com a legitimidade que tem, resolver ir para uma federação com o PT, nós não iremos. Mas não é isso que tem sido discutido conosco.
A gente fez uma reunião há um mês atrás com a representação da executiva nacional do Psol, com todas as forças internas e eles deixaram claro que querem dar continuidade à federação com a Rede. E nós da Rede também fizemos a nossa reunião e queremos dar continuidade a federação.
Quando me perguntam sobre o Psol eu me sinto até meio constrangida. Profundamente feliz de ser fundadora, mas cabe ao Psol dar as respostas sobre os rumos que eles querem dar para a federação. Eu espero que seja ficar conosco. E do mesmo jeito que também tem gente dentro da Rede que gostaria de fazer federação com outro partido. E é legítimo que isso aconteça, né?
E como a senhora vê a composição com o governo, principalmente na disputa para a presidência do ano que vem?
No caso da Rede nós estamos mais preocupados agora em construir uma estrutura de programa para discutir com as candidaturas.
A Rede é um partido que está oficialmente junto com a federação na base do governo. Alguns parlamentares do Psol se identificam como independentes em relação ao governo. Eu também. Então, eu votarei as matérias que eu considero importantes e que se coadunam com as minhas convicções ideológicas, com a minha visão de mundo. Entendeu? Eu não vou para a vassalagem.
Mas a senhora tem planos eleitorais para o ano que vem?
É uma discussão que a Rede fará junto junto com a federação. Se eu vou ser candidata à reeleição a deputada federal pelo Rio de Janeiro, que é onde estou morando há vários anos.
Muitos de nós no Psol e na Rede gostariam muito que o Glauber fosse candidato a governador, como ele também disse que gostaria de ser, mas essa é uma decisão que cabe a ele.
E como a senhora tem visto os projetos que estão hoje aqui na Câmara e que você vai enfrentar? Quais são as maiores preocupações?
Eu tomei posse nesta semana. Então, nós estamos assim, a cada hora a gente tá sentando e fazendo análise. Existem mais de 130 projetos que podem ser votados.
Algum que te chama atenção?
Eu gostaria muito que a gente instalasse a CPI do Banco Master, que tem raízes profundas nos esgotos da política brasileira.
Seria de fundamental importância abrir um procedimento investigatório com as características da CPI, que traz para si prerrogativas de autoridades judiciais e, portanto, pode quebrar sigilos bancários, fiscal e telefônico. E seria um processo de muito esclarecimento para o país.





