Natal sem carne: alta nos preços atinge população mais pobre no mês das festas
Governo Bolsonaro não age para controlar variação do dólar; outros alimentos também sofrerão aumento nos próximos meses
Eduardo Miranda
Há 11 anos no comando dos churrasquinhos Juninho Grill, no bairro Luzes, em Belford Roxo, na região metropolitana do Rio de Janeiro, o churrasqueiro Gerson Velame viu seu público cair em 30% nos últimos dias, depois de aumentar o espetinho de carne de R$ 5 para R$ 7. O aumento do espetinho vendido por Gerson não é caso isolado e, sim, acompanha os altos valores atingidos pela carne que encareceram o fim de ano dos brasileiros.
“Eu comprava o quilo da alcatra a R$ 17, mas agora ela subiu para R$ 35. Ainda assim, não repassei para o consumidor todo o prejuízo com esse aumento, deveria subir o valor do espeto para R$ 8, mas estou tentando manter os clientes”, conta o churrasqueiro, que ouve reclamações diárias da clientela pelo valor cobrado pelos espetinhos.
Apesar da alta oficial ser de 8,1%, alguns supermercados vêm praticando valores bem maiores, como atestou Gerson. A inflação de novembro foi a pior a atingir a população em quatro anos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Enquanto os memes sobre churrasquinho de ovo e pedaços de carne sendo carregados em carro-forte proliferam na internet, o churrasqueiro – assim como grande parte da população – não vê perspectiva de voltar a consumir carne como alguns meses atrás sobretudo no mês das festas de fim de ano.
Economista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), João Sicsú afirma que dificilmente o governo federal fará uma intervenção no preço da carne. Ele explica que a falta de controle do presidente Jair Bolsonaro em relação à desvalorização do real, diante do valor do dólar, é um dos principais fatores para a perda do poder de compra da população brasileira.
“Os frigoríficos estão exportando e recebendo mais por isso em função da alta do dólar. Agora, vendem aqui dentro praticando o mesmo preço para o exterior. O dólar não pode ter toda essa volatilidade, de R$ 2,20 para R$ 4,20. E o governo não tem nenhuma política ou ideia para controlar o preço da moeda estadunidense, isso o Banco Central poderia fazer”, avalia Sicsú.
Mais pobres
Levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgado na última terça-feira (10) apontou que as famílias de renda mais baixa, somando até R$ 1.643,78 por mês, são as mais atingidas pela inflação. Além dos alimentos, os gastos com moradia também atingem o bolso dos mais pobres, principalmente, a partir do aumento das tarifas de energia elétrica, com a mudança da bandeira verde para amarela nas contas de luz.
“Esse cenário é extremamente negativo para aqueles que ganham menos. Quanto menor o rendimento, maior o gasto em alimentos. São famílias que comprometem mais seus orçamentos com comida. Isso faz com que a inflação para o pobre seja maior”, acrescenta o economista da UFRJ.
Não é só a carne
A política do governo federal de permitir a alta variação do dólar vem atingido e vai continuar a atingir o bolso do consumidor em outros itens alimentícios. A importação de trigo, por exemplo, vai afetar os preços do pão, de biscoitos e massas. Outro item que está acumulando altas nos últimos meses é o feijão – 42% mais caro em 2019.
Para o coordenador do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Humberto Palmeira, a alta da carne em função do programa de abastecimento para o mercado da China veio para ficar. Isso vai afetar também outros alimentos vinculados à carne, como é o caso do milho, utilizado para ração do gado bovino.
“A alta do milho vai intensificar também a produção do grão e, consequentemente, tirar espaço de outras culturas de alimentos. Outro ponto é que houve desmonte da produção de arroz da agricultura familiar sobretudo no Norte e no Nordeste, o que tornou inviável transportar arroz do Sul para todo o país. O Brasil não é autossuficiente em arroz e vai importar mais caro da Ásia”, analisa Palmeira.
O coordenador do MPA lembra ainda que os ataques aos povos tradicionais e a sua produção impedem também a construção de uma alternativa ao agronegócio e ao oligopólio de grandes empresas que definem o preço do alimento para a população.
“Não é só um cenário de desmontar as políticas de agricultura familiar, é um cenário em que quilombolas, camponeses, posseiros estão sendo violentamente atacados, expulsos dos territórios para dar lugar à expansão das commodities. Não é uma ausência de políticas, é uma presença de política muito clara e que agora vai afetar a alimentação da população inteira”, afirma Palmeira.