Nem tudo é azul no Novembro Azul, mas pode ficar

O Novembro Azul é um movimento mundial cujo objetivo é alertar para a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de próstata. Para previnir, alguns médicos recomendam, para homens acima dos 50 anos (quando há histórico familiar, essa idade cai para 45 anos), a realização anual de dois exames: a contagem de PSA (Antígeno Prostático Específico) no sangue e o toque retal.

Parece simples; e deveria ser. O exame de toque, no entanto, ainda é permeado por tabus que passam pela própria ideia (equivocada) de masculinidade e uma série de preconceitos que a rodeiam. Tanto é que pesquisa divulgada no ano passado pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia de São Paulo, mostrou que 49% dos brasileiros acima dos 45 anos nunca realizou esse exame e, para 24% deles, esse cuidado é tido como “pouco másculo”. Enquanto isso, tumores na próstata seguem sendo o segundo tipo de câncer mais comum entre os homens brasileiros, atrás apenas dos cânceres de pele.

A questão é que mesmo com todas as informações e campanhas de conscientização, ampliadas em novembro, a possibilidade da doença muitas vezes é algo distante. Até deixar de ser.

“Veja bem”, começou o João Batista na mensagem que me enviou pelo WhatsApp em meados de agosto, quando indaguei a ele qual seria o tema de seu próximo artigo para a revista Carta Capital, para a qual, como coordenador da Secretaria de Assuntos Jurídicos da Contee, escreve mensalmente. Foi por escrito, mas quase consegui ouvir sua inflexão, com aquele jeito de falar (“jeitim”, a gente diria aqui na nossa terra) que todos que o conhecem — e ao seu sotaque muito mineiro de quem nasceu em Alvarenga e vive em Belo Horizonte — podem imaginar. “Estou fazendo exames clínicos e tenho um médico para avaliar risco cirúrgico. Tudo indica que nos próximos dias devo me submeter a uma cirurgia de próstata. Depois de ficar de olho nela por muito tempo resolveu aparecer um tumor maligno. Está no início, mas precisa ser retirado o quanto antes. O médico me garantiu que deste câncer eu não morro… rsss. Bom, após esta lorota toda, gostaria de falar sobre o ‘Future-se’. O que vc acha?”

João Batista da Silveira

Foi assim mesmo, Ctrl+C + Ctrl+V. E não é à toa que, depois do sotaque, o que a gente mais lembre a respeito do João, além de seu bom humor, seja sua calma. E foi pensando nela que, na semana passada, enviei outra mensagem a ele, perguntando se ele se sentiria à vontade para contar essa história. Porque, como eu disse, às vezes parece algo longe, mas então pode acontecer com o vizinho, com o colega de trabalho, com o professor, com o porteiro da escola, com o pai, com o amigo, com o diretor da sua Confederação. Com você.

“O diagnóstico veio bem depois, mas no mês de março eu tinha uma consulta, como todo ano nessa época. No exame de toque o médico percebeu um aumento no volume da próstata e um endurecimento da dita cuja. E aí ele mandou fazer um exame de PSA. Depois do PSA, pediu para fazer um ultrassom. E, por fim, uma biópsia: mandou tirar fragmentos da próstata, de vários lugares dela. Mas isso aí já foi no mês de julho. E aí a biópsia constatou já o tumor.”

Pergunto o que ele sentiu no momento do diagnóstico. “O médico foi muito tranquilo. O médico disse: ‘Olha, é um câncer novo, porque todo ano você faz o exame’. Depois da biópsia, ele disse que o caso era de cirurgia, pra tirar toda a próstata, glândula seminal e assim por diante. Mas ele disse: ‘Desse câncer eu garanto procê que cê não morre’. Então vai ser o caso de eu esperar um outro, porque a gente tem que desocupar o espaço, né? Não tem outro jeito.”

Diagnóstico precoce

Há uma combinação de palavras essencial nesse relato, para o diagnóstico precoce: TODO. ANO. João Batista completou 65 anos justamente durante os meses de realização dos exames. Sabia, portanto, que estava há alguns anos na faixa etária mais propensa a esse tipo de tumor. Concorda, porém, que nem todos têm essa consciência. Ou, se têm, enfrentam outros obstáculos socioculturais.

“Com relação à questão cultural e ao preconceito, isso é muito complicado. Às vezes a gente tem umas brincadeiras sem graça de ‘ah, já estou tão acostumado que levo flor pro médico’ e vai por aí afora. No meu caso não teve preconceito, mas é um exame que não deixa de ser chato, invasivo. Acho que ninguém gosta de fazer um troço desse. Como a mulher ir ao ginecologista. Muitas até procuraram UMA ginecologista, porque se sentem muito melhor”, pondera.

“Então, em alguns casos é preconceito e ‘ah, não vou mexer com isso não’, mas outros, mesmo não tendo preconceito, evitam por ser um exame incômodo. Mas é necessário fazer, então todo ano eu fazia. Daí, quando descobriu, a diferença na próstata era uma coisa de ano. Câncer novo, sem nenhum problema [para tratar].”

Tratamento

O tratamento, como ele explicou, foi cirúrgico. “A cirurgia hoje não é feita com corte, mas com furos no abdômen. E já existe a cirurgia feita por robótica, que é muito mais precisa. Fui hospitalizado no dia 12 de setembro e no dia seguinte fui liberado pra ir embora pra casa, já deixando pra trás a próstata que foi tirada pelo umbigo. E foi pedida uma biópsia completa desse material que foi tirado”, resumiu.

“Daqui pra frente tenho que fazer acompanhamento através do PSA; não tem mais comigo o exame de toque. Agora de três em três meses, depois de um certo tempo vai pra seis meses e depois vai ser de ano em ano. Diz o médico que pra dizer que está curado só daqui a dez anos. Mas daqui a dez anos já estou com 75, já devo ter caminhado pra outras bandas e de repente não precisa de câncer pra eu morrer, não é isso?”

Conscientização

Sobre o Novembro Azul, João destacou sua importância como alerta. “Por exemplo, eu fazia o exame no mês de março. Mas, se por acaso eu esquecesse, em novembro a campanha me lembraria”, ressaltou. “E olha que, veja bem, teve um amigo meu que fazia todo ano o exame e um ano, na época em que ele fazia o exame, aconteceu um assalto na fazenda dele, o caseiro dele estava envolvido, ele teve que demitir o caseiro. Com isso ele esqueceu de fazer [o exame]. No outro ano, quando ele foi fazer, tinha problema e só aí que ele lembrou que tinha pulado um ano. Ele está bem, encontro com ele de vez em quando. Mas a campanha é importante até pra lembrar a gente e a gente se salvar.”

É um bom exemplo, veja bem.

Por Táscia Souza

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