No espaço escolar, a pluralidade deve ser compreendida

O racismo deve ser visto como uma das bases da injustiça social brasileira para com os negros e combatido na escola, em todos os níveis escolares

Por Margot Johanna Capela Andras*

Em 20 de novembro de 1971, Antônio Carlos Cortês, Oliveira Silveira, Vilmar Nunes e Ilmo da Silva, fundadores do grupo Palmares, registraram o 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares, como o dia que representava com justiça a luta dos negros pela liberdade total, e não o 13 de maio, dia da Abolição da Escravatura. Depois do Manifesto do Grupo Palmares em 1978, o Movimento Negro Unificado endossou e passou a ser esse o dia da Consciência Negra, hoje feriado em várias cidades do País.

O racismo no Brasil é muito complexo, vai além do abandono das populações escravizadas na então “abolição”, a total falta de políticas públicas para inclusão das pessoas de forma justa na sociedade. Assim é preciso pensar essa questão em pelo menos dois planos, o material e o simbólico, e o combater ao racismo só tem sentido nos planos material e simbólico.

No plano simbólico, vivemos em uma sociedade escravagista, que produziu e se sustenta em uma ideologia de superioridade natural de brancos sobre os demais, incluindo negros e índios. O racismo institucional ocorre de forma aberta, latente ou velada. É devastador, mas sozinho não explica toda desigualdade racial brasileira.

No plano material, nunca houve acesso de forma igualitária aos recursos e políticas publicas para negros e índios, consequência da história da colonização e escravidão. No Brasil não houve nenhuma política oficial após abolição da escravidão, sustentando assim um sistema de segregação racial formal e “legal”.

É importante perceber como acontecem ações racistas, que vão desde quando se alocam verbas insuficientes para a creche pública de qualidade, cujo impacto é direto na manutenção das desigualdades materiais-estruturais e simbólicas. Por outro lado, o racismo material se sustenta, também, nas chamadas políticas públicas “para todos” que, de fato, não são para todos, pois tratam de modo desigual pobres e não pobres, consequentemente brancos e negros, adultos e crianças. Os indicadores econômicos e sociais brasileiros mostram, desde a década de 90, o grau e o tamanho da desigualdade brasileira naquilo que se refere ao quesito cor, com números incontestáveis.

Neste aspecto, uma política educacional igualitária se faz necessária, que não seja apenas com conteúdo e práticas pedagógicas, mas também com o exemplo desempenhado por professores, funcionários, gestores, familiares e comunidades do entorno das instituições educacionais.

Considerando que os donos do poder, no nosso país, descendem de escravizadores, a influência nefasta da escola se traduz não apenas na legitimação da situação de inferioridade dos negros, como também na permanente recriação e justificação de atitudes e comportamentos racistas. É preciso combater o estereótipo racial e o preconceito em todos os espaços. Esse assunto não se circunscreve à formação inicial ou continuada, legislação educacional, determinação institucional ou política educacional – depende da sensibilização, do engajamento e do comprometimento de todos e de cada um com o respeito à diversidade e a ação educacional racialmente igualitária.

Deseja-se que o espaço escolar seja um local onde a pluralidade deve ser compreendida. Uma educação valorativa, pregada e praticada por todos, sabendo que serve de inspiração e incentivo para a ação dos alunos e para a comunidade. Uma educação que reconheça a identidade do negro e/ou quilombola e incentive relações interpessoais descarregadas de ideologias de inferioridade e superioridade de raças, fazendo com que todos os alunos tenham acesso a uma formação reflexiva e crítica quanto a esse aspecto social.

No Brasil se tenta minimizar a questão racial de forma cordial, cordialidade que não existe, muito pelo contrário, por ser mascarada, ela é não apenas terrivelmente eficiente em sua função de discriminar as pessoas e, lamentavelmente, muito difícil de erradicar. O racismo velado, expresso em expressões como: “é negro, mas é bonito!”; “é talentoso, para um negro!”; “é negro, mas trabalhador!”. Falar que não existe racismo e dominação branca na sociedade brasileira é continuar a alienação. O racismo deve ser visto como uma das bases da injustiça social brasileira para com os negros e combatido na escola, em todos os níveis escolares.

Portanto, é no espaço escolar que precisamos rememorar a história – a de cada um de nós e a de todos -, conhecer a história, estudar a história, desatando a linguagem acorrentada por tão diversas mordaças, ameaças, grilhões. Precisam, todos profissionais envolvidos na educação, discutir o racismo e seus próprios preconceitos, tema que, com frequência, não tem sido reconhecido como legitimamente pedagógico. A escola necessita quebrar os padrões de aprendizagem, precisa romper com o que padroniza, uniformiza, que separa, segrega, desagrega, valoriza a delação, a desunião, a premiação e o castigo.

Essa é a reflexão a ser construída nesse 20 de novembro, aceitar e desconstruir a diferença e construir uma sociedade mais justa e igualitária.

Assista ao vídeo da diretora Margot convocando os atos de 20 de novembro:

*Por Margot Johanna Capela Andras é coordenadora da Secretaria de Defesa das Diversidades, Direitos Humanos e Respeito às Etenias e Combate ao Racismo

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