Nota do FNE: Em defesa de uma Política Nacional para o Ensino Médio para todas as pessoas
O Pleno do Fórum Nacional de Educação – FNE, reunido nos dias 07 e 08 de dezembro de 2023, manifesta sua preocupação e repúdio, ao que se tornou a tramitação do PL 5230/23, que visa alterar dispositivos da Lei 13.415/2017, o denominado Novo Ensino Médio – NEM.
O relator, deputado Mendonça Filho (UNIÃO – PE), em declarações públicas a respeito do seu relatório sobre a matéria, afirma que apresentará uma proposição que tende a manter a Lei 13.415/2017 tal qual está. Nesse aspecto, não surpreende, pois parece lhe faltar a devida isenção no trato de tão delicada, controversa e importante matéria, dado que foi o signatário principal da proposta do chamado Novo Ensino Médio quando ocupava o cargo de Ministro da Educação, em 2017.
Suas manifestações e proposições, adicionalmente, desrespeitam todo o trabalho desenvolvido pelo MEC e os resultados do amplo processo de consulta pública (audiências públicas, reuniões de trabalho, contribuições de entidades, seminários/webinários, consultas online) relativa ao Novo Ensino Médio, que indicaram, por meio de diversos segmentos consultados, a necessidade de cessar os efeitos deletérios (aumento das desigualdades e fragilidade da formação) do denominado NEM, o que vem de encontro a proposição do Fórum Nacional de Educação (FNE), encaminhada ao MEC, no período da Consulta, sinalizando diversas questões e proposições em defesa de uma Política Nacional para o Ensino Médio e apontando elementos para uma possível revogação da Lei n. 13.415/2017.
É imperativo reafirmar, mais uma vez, que o FNE é uma importante voz coletiva da comunidade educacional brasileira que, desde a sua recomposição, pela Portaria n. 478, de 17 de março de 2023, tem envidado esforços para auxiliar nas discussões e proposições relativas ao problema do ensino médio. Para tanto, criou um Grupo de Trabalho Temporário – GTT sobre esse tema, onde assumiu a missão de, junto ao MEC, reunir as entidades do campo da educação, para buscar consensos e avançar para a construção de uma Política Nacional para o Ensino Médio para todos (superando a dualidade, escola para pobres e escola para ricos, dessa etapa de ensino).
Foi nesse sentido, que o FNE produziu importantes contribuições no processo de mediação como: 1. Um documento que sistematiza, na forma de considerações sobre o NEM, toda a produção sobre o tema desde 2016 (documento aprovado em 26/06/2023 pelo Pleno do FNE); 2. Um parecer sobre a consulta do MEC (documento aprovado em 15/08/2023 pelo Pleno do FNE); 3. Um documento contendo as posições quanto as 10 questões, apresentadas na reunião realizada no MEC em 28/08/2023, com o objetivo avançar na construção de consensos, com a participação e liderança da Secretária Executiva Maria Izolda Cela de Araujo Coelho e do Secretário da Secretaria de Articulação Intersetorial e dos Sistemas de Ensino, Maurício Holanda Maia e, com os representantes das entidades: Conselho Nacional de Educação; Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação; Fórum Nacional de Conselhos Estaduais de Educação; Fórum Nacional de Educação; União Brasileira dos Estudantes Secundaristas. (documento aprovado em 12/09/2023 pelo Pleno do FNE); 4. Apontamento sobre a primeira versão do projeto de lei enviado pelo MEC para alteração da Lei 13.415/2017 (documento aprovado em 28/09/2023 pelo Pleno do FNE).
Os resultados do Pisa, divulgados esta semana, reforçam o diagnóstico de grandes dificuldades vividos pelo ensino no Brasil e, considerando nosso baixo desempenho em Língua Portuguesa, Matemática e, particularmente, Ciências, indicam a absoluta necessidade de uma sólida formação comum para as e os estudantes brasileiros, tornando ainda mais inadequadas as proposições que impliquem na redução de carga horária da formação geral básica, no ensino médio.
Ao contrário do que tem declarado o deputado Mendonça Filho, insistimos que uma Política Nacional para o Ensino Médio, se considerar as evidências das pesquisas do campo da educação, o conhecimento e o trabalho das entidades educacionais e os anseios da população brasileira, inclusive os mais diretamente afetados pela tragédia (fracasso) educacional produzida pela Lei 13.415/2017 (as juventudes, estudantes e profissionais da educação); todos esses segmentos representados no FNE, precisaria ser pautada por:
1) Financiamento adequado, com a implementação do CAQ, a garantia de programas de permanência estudantil e a valorização dos profissionais da educação;
2) Pactuação de um Sistema Nacional de Educação e de um amplo processo participativo, que construa o diálogo entre juventudes, gestores, profissionais da educação e demais representantes da sociedade organizada, por um novo Plano Nacional de Educação, que permita vislumbrar a formação no Ensino Médio de forma integrada a outras etapas, níveis e modalidades.
Além disso, é urgente promover alterações na Lei 13.415/2017 que efetive a garantia do direito à educação de todos, o que significa:
1. Garantir igualdade de condições com formação básica, para todos, com pelo menos 2.400 horas (o que significa 4 horas dias) de conhecimentos, científicos, humanísticos e culturais;
2. Garantir o padrão de qualidade da formação escolar, assegurando a obrigatoriedade das treze disciplinas científicas, durante todo o percurso do Ensino Médio, incluindo a exigência do espanhol (língua estrangeira);
3. Assegurar que a educação profissional técnica de nível médio, quando for uma opção da(o) estudante, seja realizada em condições adequadas, o que significa oferta no modelo de ensino técnico integrado, aumentando o investimento nas reconhecidas escolas técnicas públicas e reconhecendo as experiências exitosas, de qualidade, do setor privado (por exemplo, SENAI);
4. Retomar, estritamente, o que está no caput do Art. 26. da nossa LDBEN “Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos”. Tornando desnecessário que uma lei de diretrizes e bases defina itinerários ou percursos formativos, que são de prerrogativa dos sistemas municipais e estaduais de educação;
5. Universalizar o ensino regular e suas modalidades na forma presencial. Não é aceitável que tanto a modalidade EaD quanto a tecnologia digital sejam utilizadas para legitimar a ausência, a inoperância ou a negligência do poder público na garantia das condições adequadas de ensino escolar regular e presencial, em todas as suas dimensões (materiais e pedagógicas). Do mesmo modo, se a EaD não deve servir como uma via de escape às responsabilidades constitucionais do poder público, tampouco deve servir de mecanismo para ganhos financeiros do setor privado com a massificação desqualificada da educação, em particular se isso vier a ocorrer por meio de transferências de verbas públicas. Portanto, um eventual emprego dessa modalidade na oferta de disciplina(s) do Ensino Médio deve ter caráter excepcional, sendo que sua oferta deve ser regulada e aprovada previamente por órgão/instância superior àquela instituição educativa diretamente envolvida. Não seja justifica, como se tem argumentado, que situações específicas nas condições de oferta (Comunidades Ribeirinhas, Quilombolas etc) gere uma regulamentação geral e irrestrita da EAD. O próprio MEC já reconhece o erro da massiva oferta de EAD na formação de professores e, não faria sentido estender o modelo para o Ensino Médio
6. Valorizar os profissionais da educação com garantia de piso, jornada e carreira, impedindo qualquer forma de flexibilização das formas de reconhecimento da profissão, vedando as possibilidades dos reconhecimentos por notório saber; e dos seus locais de formação, garantido a prerrogativa da formação de qualidade nas universidades e institutos superiores de educação.
Tendo essas considerações e estando às vésperas de encerramos um processo democrático e participativo das conferências de educação, com a realização da CONAE 2024, em fins de janeiro próximo, não é adequado e oportuno votar um projeto de lei sobre a temática do ensino médio, nas últimas semanas de dezembro e, novamente, como foi feito com a MP 746/2016, que deu origem a Lei 13.5415/2017, sem qualquer debate com a sociedade e, ainda mais grave, ignorando todo o trabalho realizado por diversos segmentos sociais, inclusive o MEC, secretarias de educação, unidades escolares e as entidades do campo educacional, representadas no FNE.
O Ensino Médio deve continuar constituindo a última etapa da Educação Básica, que de forma integrada, tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. Por isso, a recomendação do FNE é que o andamento do projeto de Lei 5230/23 seja retomado apenas quando finalizado o processo participativo de indicação dos objetivos, metas e estratégias da educação brasileira para os próximos dez anos, o que ocorrerá ao final da CONAE 2024.
Nesta direção, o FNE, por decisão unânime de seu Pleno, encaminha convocação para mobilizações em Brasília, no Congresso Nacional, especialmente no próximo dia 12 de dezembro (data prevista para apreciação da matéria), manifestando absoluta contrariedade ao anunciado pelo Relator da Matéria na Câmara dos Deputados e, portanto, sua oposição à aprovação de um texto que ratifica os equívocos e retrocessos amplamente denunciados em relação ao Ensino Médio.
De igual modo, o FNE manifesta preocupação com o relatório apresentado pela Senadora Professora Dorinha Seabra (que poderá ser aprovado no Senado também no dia 12/12/23) que, ao nosso sentir, não expressa o conjunto de posições e oposições manifestadas pelas entidades ouvidas em dezenas de audiências públicas sob coordenação da Senadora Teresa Leitão e, portanto, tende a reforçar os retrocessos em relação à aprovação de uma regulamentação para o Ensino Médio no Brasil.
Do FNE