Nota pública da Contee sobre a MP do ensino médio
A necessidade da reforma do ensino médio é tema de longa data, no sentido de qualificar o ensino, ampliar o acesso e melhorar as condições de trabalho. Não é o que faz, no entanto, a Medida Provisória 746, de 22 de setembro de 2016, com a qual o atual governo — que não tem a representatividade do voto nem, portanto, legitimidade — tenta impor uma reforma no setor sem qualquer diálogo com a comunidade escolar e a sociedade civil organizada. O que o move, ao contrário, é uma voracidade semelhante àquela com que a ditadura militar avançou predatoriamente sobre a educação pública e tentou devorar a formação do pensamento crítico. Apetite tão voraz que, hoje, ignora até mesmo o processo de discussão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), bem como o próprio Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado e sancionado em 2014.
Há muitas dúvidas sobre as ações do governo para a reforma do ensino médio. Enquanto a luta deveria ser para ampliar os recursos da educação e cumprir efetivamente o PNE, o que se apresenta no cenário é o oposto. Levando em consideração a “ousada” MP 746, apresenta-se fantasiosa a ideia de colocá-la em prática, sendo que seriam necessários maiores investimentos na área da educação, medida que vai na contramão do que está sendo amplamente debatido com a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que prevê o congelamento dos investimentos públicos nas próximas duas décadas.
Como se não bastasse a incógnita acerca da viabilização de uma reforma como a proposta pelo governo golpista sem os investimentos necessários — reforma que estabelece, por exemplo, a exigência de ensino integral sem tocar em questões como a valorização dos trabalhadores em educação, a expansão das redes ou a garantia de bolsas aos estudantes para mantê-los diuturnamente na escola (ou seja, por um longo período de tempo) —, a MP ainda propõe “fórmulas mágicas”, como no caso da opção por um currículo composto por “itinerários formativos específicos” definidos em cada sistema de ensino e com ênfase nas áreas de linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional.
Trata-se de uma discussão que já havia sido superada duas décadas atrás com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), na qual foi muito discutida e aprovada a importância de uma formação única, propedêutica, ou seja, com cursos introdutórios de cada disciplina nas diferentes áreas de conhecimento para todos. A mudança introduzida pela MP, contudo, contraria princípios da LDB para o ensino médio, como a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos, e a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.
Outra “fórmula mágica” trazida pela MP é a da permissão, para lecionar, a quem possui “notório saber”, o que não só compromete gravemente a qualidade do ensino ofertado, como vai contra a nossa luta em defesa da formação, acabando com as licenciaturas e com a própria profissão de professor. É mais do que evidente a quem interessam mudanças desse tipo: ao setor privado, que poderá elevar suas mensalidades sem que para isso tenha efetivamente de assegurar que os trabalhadores tenham todos os seus direitos assistidos.
Há, ainda, duas questões problemáticas a serem consideradas: em primeiro lugar, o ingresso tardio no mercado de trabalho, levando em consideração o aumento da carga horária e o corte da faixa etária de 17 anos para o ensino noturno; em segundo, o curso técnico que já encaminharia o jovem para o mercado de trabalho dentro de um espectro de poucas possibilidades de retomada focada em outra área que não a escolhida anteriormente.
Nesse caso, pode-se afirmar que, em pouco tempo, os jovens trabalhadores estariam em larga desvantagem frente aos jovens da elite. Trata-se, portanto, de uma reforma nitidamente excludente, que rebaixa a formação, não garantindo sequer que a escolha do aluno se realize e que a educação integral se concretize, uma vez que a medida não fala em financiamento do aluno para garantir a sua permanência na escola. Na verdade, o que essa reforma pretende é a simplificação visando a privatização da escola pública.
Reformas na educação são complexas e exigem muito debate e construção, sendo, portanto, inadmissível que se faça uma reforma educacional via medida provisória, um mecanismo caracterizado pela pressa, pelo imediatismo e pela falta de abertura ao diálogo. É urgente, sim, que se discuta educação, mas no conjunto do PNE, com um profundo diagnóstico das reformas estruturantes necessárias para que o ensino no país atinja os patamares desejáveis para as crianças, jovens e adultos, salientando a importância da carreira, da valorização profissional e de infraestrutura necessária para o amplo desenvolvimento da inclusão e da propagação da educação como objeto de transformação social. Isso de fato só se dará com um amplo debate democrático tendo como balizador as experiências das Conferências Nacionais de Educação (Conaes) de 2010 e 2014, podendo, na Conae 2018, efetivar e legitimar os encaminhamentos necessários para a garantia de uma educação pública, gratuita, inclusiva, de qualidade e socialmente referenciada.
Brasília, 24 de outubro de 2016.
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee