Números da violência estão ligados à falta de cuidados na primeira infância

A atenção, o carinho e o cuidado ao bebê desde a gestação até pelo menos os cinco primeiros anos de vida são essenciais para a formação de adultos equilibrados e seguros e que, por consequência, não engrossarão as estatísticas da violência no futuro. Esta foi a tônica do debate realizado nesta quarta-feira (20) no âmbito da 6ª Semana de Valorização da Primeira Infância e Cultura da Paz, no Senado.

Os primeiros anos da infância são um período muito sensível, quando as conexões cerebrais estão em formação, e o aconchego e a segurança transmitida por pais, cuidadores, educadores e profissionais que lidam com as crianças influenciam positivamente na formação de sinapses, de conexões cerebrais, disseram os debatedores. Por outro lado, atos violentos e separação da mãe ou da família afetam o amadurecimento do cérebro e a formação dessas crianças.

Segundo o neurologista e psiquiatra francês Boris Cyrulnik, há estudos mostrando que adolescentes e adultos violentos, com tendências suicidas ou que se auto-flagelam tem atrofias no sistema límbico, responsável pela emoção, porque não se sentiram devidamente seguros e acolhidos na tenra infância. Conforme afirmou, nos primeiros anos de vida, qualquer informação cria uma tendência, e se nesse momento há uma estabilidade afetiva, as crianças vão aprender a se socializar perfeitamente, a expressar até mesmo pré-verbalmente suas necessidades, infelicidades e pequenas angústias.

Mas se há uma carência, isso vai impregnar o cérebro e depois, durante uma tristeza ou dificuldade inevitável, eles não vão saber controlar suas emoções, vão se submeter a comportamentos e atos violentos que a sociedade vai reprimir, quando poderia ter intervindo para dar segurança, por meio de modificações das condições educativas e afetivas. Suécia e Dinamarca, informou, tomaram decisões políticas nesse sentido, com a construção de centros de resiliência, com investimento na formação adequada dos profissionais que atuam com as crianças e o sucesso é evidente.

– Sabemos como é possível prevenir, de forma precoce, uma infelicidade mais tarde – declarou Cyrulnik.

Os distúrbios cognitivos causados pelas lacunas de afeto, entretanto, são recuperáveis, lembrou o neurologista. A partir da atenção com o meio no qual a criança vive, com sua inserção num ambiente de segurança, onde é possível tecer vínculos; e de cultura, com interação pela atividade cotidiana e criativa, como jogos de futebol, orquestra do bairro e atividade artesanal, a criança anteriormente privada de cuidados e segurança ganha autoconfiança e estabilidade afetiva, o que a mantém afastada do crime.

Maioridade penal

Questionada pelo senador Cyro Miranda (PSDB-GO), presidente da Comissão de Educação (CE) a advogada da ONG Aconchego Fabiana Gadelha posicionou-se de forma contrária à redução da maioridade penal para 16 anos, conforme estabelece propostas que tramitam no Congresso.

– Diminuir a maioridade penal é um crime tão grande quanto a gente colocar a pena de morte no Brasil. O medo da cadeia pode reprimir alguns cidadãos de cometer um crime, mas se cadeia reprimisse crime, não tinha ninguém preso – afirmou.

A advogada acrescentou que, se um jovem vai para o sistema penal, ele não poderá ser recuperado, e salientou que os atos cruéis muitas vezes cometidos por eles são fruto de toda uma equação que deu errado, sem família para acolher, sem escola para estudar. Por isso, defendeu o investimento em educação e a prática do acolhimento e demonstração de afeto desde os primeiros anos da infância.

– Não posso desistir de cuidar do ser humano – declarou.

Ela também cobrou uma atuação mais incisiva do Parlamento no investimento em educação, especialmente na primeira infância e na formação dos direitos humanos, e a fiscalização da aplicação dos recursos de emendas parlamentares e da execução do Orçamento com qualidade. Defendeu ainda modificações na legislação para punir de forma mais incisiva o adulto que usa o menor de idade para o crime, a família que se furta de seu dever protetor e até mesmo o professor que não cuida do adolescente e não cumpre seu dever como educador.

Capital humano

Conforme afirmou a assistente social da Oscip Acolher, Sylvia Nabinger, apesar de o Brasil ter reduzido a pobreza, evoluído economicamente e ser a sexta potência mundial, falta investimento no capital humano. Segundo afirmou, a criança que antes morria de diarreia no verão e de broncopneumonia no inverno é a mesma que hoje morre de tiro na adolescência, e isso está mais relacionado não com a carga genética, mas sim com as experiências que tem no início da vida, determinantes sobre seu desenvolvimento e comportamento futuros.

– É no início da vida que está o segredo, e é ali que precisamos investir com seriedade. Saindo desse atoleiro em que estamos, nessa posição vergonhosa na educação, e assim poder mudar o Brasil em poucos anos – afirmou.

Na opinião de Sylvia, a educação infantil no país precisa de professores competentes, valorizados, com profissionais preparados para saber lidar com crianças de famílias vulneráveis. Além de cursos tecnológicos para babás e preparo para melhorar a atuação dos profissionais das creches, por exemplo, pois esses locais não podem ser apenas “lava-jatos de bebês ou depósitos de crianças”.  E até mesmo de qualificação aos profissionais da enfermagem, obstetrícia e assistência social no quesito primeira infância, pois são os que primeiro têm contato com mães e bebês e muitas vezes não sabem acolhe-los, lidar com eles, expressar-se com delicadeza e carinho.

A especialista também chamou a atenção para outro ponto: a questão da prematuridade. Muitas das crianças negligenciadas e maltratadas são prematuras, observou, e uma das explicações possíveis pode ser a atenção inadequada recebida no período de internação.

Frente

Representando a Frente Parlamentar da Primeira Infância do Congresso Nacional, o deputado Raul Henry (PMDB-PE) afirmou que uma comissão especial para discutir um marco legal para a primeira infância será formada na Câmara.

Seminário

A audiência pública desta manhã, realizada em conjunto pelas Comissões de Educação, Cultura e Esporte (CE); de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH); e de Assuntos Sociais (CAS), discutiu o tema “A formação dos profissionais do cuidar e a construção da resiliência” como parte da 6ª Semana de Valorização da Primeira Infância e Cultura da Paz, realizada de 18 a 21 de novembro.

O evento, organizado em parceria com as Embaixadas da França e da Espanha, reunirá especialistas brasileiros e estrangeiros para discutir políticas públicas voltadas para crianças entre 0 e 6 anos de idade.

Da Agência Senado

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